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Militares de Abril. O dia de Revolução vivido por um grupo de seis soldados

No ano em que comemoram os 50 anos do 25 de Abril, eis a história de meia dúzia de avisenses que, de uma forma, ou de outra, foram protagonistas da Revolução. Uns viveram-na na metrópole, como então se dizia. Ou- tros tinham sido enviados para o campo de batalha. Aníbal Fernandes (texto) Alfredo Cunha (fotografia)

Metrópole e ultramar. Duas palavras que caíram em desuso, mas que, em grande medida, estiveram na base da Revolução dos Cravos. Durante os 13 anos da Guerra Colonial – Angola, Moçambique e Guiné – milhares de jovens portugueses foram “roubados” às suas terras para, noutro continente, defenderem um império, já ao tempo indefensável. Chegaram a ser, ao mesmo tempo, 170 mil soldados nos três teatros de guerra. Não existem dados quantos às baixas em combate, mas alguns investigadores apontam para mais de 10 mil, cifra à qual ainda se tem de somar cerca de 15 mil deficientes permanentes.

A história que hoje contamos tem por protagonistas um punhado de homens que no dia “inicial inteiro e limpo” – como o descreveu Sophia de Mello Breyner Andresen – em vez de estarem na sua terra de origem, Avis, se encontravam a cumprir o serviço militar obrigatório, uns em Portugal, outros em África.

24 de abril de 1974, 11 da noite. Cinco minutos antes já se tinha ouvido nos Emissores Associados de Lisboa a voz de Paulo de Carvalho a cantar “E Depois do Adeus”, a primeira senha da Revolução dos Cravos. O 1.º cabo da Polícia Aérea, António Prates da Silva, encontrava-se de guarda às bombas de combustível da Base Aérea 1, em Sintra. Um jeep com o oficial de serviço passou pelo posto e ordenou: “Abre-me esses olhos!”. Ambrósio Varela [já falecido], também cabo, mas na Polícia Militar, entraria de serviço uma hora depois no quartel na Calçada da Ajuda, em Lisboa.

A milhares de quilómetros de distância, na província do Niassa, em Moçambique, o alferes Manuel Ramos, estava longe de adivinhar o que se iria passar em Portugal. Um pouco mais para Sul, Francisco Ramos, da Polícia Militar, sob as ordens de Kaúlza de Arriaga, fazia o seu serviço sem nada suspeitar.

Na costa oposta de África, na Guiné, junto ao oceano Atlântico, Manuel Possante, soldado na arma de Engenharia, nem desconfiava que, daí a pouco, um sargento iria saltar para cima de uma mesa do refeitório para anunciar um golpe de estado em Lisboa.

Por cá, também ainda sem saber o que se passava, o cabo Prates da Silva estranhou não ser rendido à hora prevista. Às cinco da manhã, abandonou o posto e dirigiu-se para o quartel. Ainda antes de o Sol nascer, o segundo comandante da companhia mandou formar e informou que estava em marcha uma revolução. “Quem quiser participar dê um passo em frente”, ordenou. Toda a gente alinhou exceto dois sargentos. Mais ou menos à mesma hora, o cabo Ambrósio estranhou o movimento pouco habitual de oficiais, que culminou com a chegada, ainda de madrugada, do tenente-coronel que comandava o regimento.

O plano de operações desenhado por Otelo Saraiva de Carvalho tinha destinado como primeiro objetivo militar para a Polícia Aérea (PA), aquartelada em Sintra, o controlo dos aeródromos civis da região e a ocupação das estações de correios, na altura, alvos importantes para controlar as comunicações.

Depois de cumprida a tarefa, o destino de Prates da Silva foi o Terreiro do Paço, local onde tudo se jogava e onde os PA se posicionaram a partir das oito da manhã, que já estava ocupado pela força comandada por Salgueiro Maia. Com “fome e sono”, o cabo de Avis assistiu ao vivo à insubordinação do seu camarada do Regimento de Cavalaria 7, força fiel ao regime, recusando-se a disparar sobre os revoltosos, o que evitou um banho de sangue.

Já eram muitos os populares que estavam na rua. As perguntas que dirigiam aos militares ficavam sem reposta. A verdade é que pouco sabiam que lhes pudessem dizer. As zonas entre os Largos do Carmo e de Camões e a Rua António Maria Cardoso eram as que apresentava maior perigo de resistência por parte do regime por aí estarem situadas a sede da PIDE e o quartel-general da GNR, onde se refugiou Marcelo Caetano. Ambrósio assistiu, ao fim da tarde, à rendição do chefe do Governo e à saída da chaimite que o levaria para a Base Aérea de Sintra.

Entretanto, Prates da Silva participou no início da “caça aos pides” e, infelizmente, assistiu às únicas mortes a lamentar nesse dia: quatro civis assassinados pela polícia política do regime. Nessa noite voltou a não dormir. Por ironia do destino, as ordens para o dia 26 foram para dar proteção ao embarque do até aí Presidente da República, Américo Thomaz, para a Madeira. Spínola foi à Base Aérea 1 despedir-se “e abraçar” os depostos presidentes da República e do Conselho. Três dias depois, a 29, enquanto nas imediações do Aeroporto Figo Maduro já se gritava “nem mais um soldado para as colónias” – e após um dia de folga em Avis – seria ele a subir as escadas para um avião com destino a Angola.

Em Moçambique, apesar de estarem relativamente perto um do outro, os dois militares alentejanos viviam realidades diferentes. Francisco, sob as ordens de Kaúlza de Arriaga, “só soube da Revolução quase um mês depois” de ter acontecido. O alferes Manuel recebeu a notícia através do rádio militar, mas não foi coisa que o surpreendesse. Já em Lamego, durante a especialidade, se tinha dado conta do descontentamento latente entre os capitães.

Na Guiné a coisa fiava mais fino. O PAIGC já tinha declarado a independência e a guerra parecia perdida para as forças portuguesas. Quando a notícia se soube, a população local cercou o quartel onde Manuel Possante se encontrava e, durante três dias, sair fora do perímetro militar foi coisa que não lhes passou pela cabeça. Ficou pela Guiné mais cem dias. Em agosto veio de férias e já não voltou.

Manuel Ramos regressaria a Portugal em janeiro de 1975. Teve tempo de ver chegar as forças da Frelimo às cidades e assistir aos “problemas que o poder repartido” originou. Nessa altura, as ordens dos militares portugueses eram para manterem a ordem e dar segurança à comunidade portuguesa. Ainda participou na formação dos “guerrilheiros” da Frelimo para atuarem em ambiente urbano, tendo sido um dos militares portugueses que os transportaram do mato para a cidade.

Enquanto uns regressavam à vida civil, outros assentavam praça. Foi o caso de João Pereira que em janeiro se apresentou em Elvas. Após uma passagem por Estremoz seguiu para África, onde iria encontrar Prates da Silva, na cidade Henrique Carvalho, hoje Saurimo, no Leste de Angola. A situação era de guerra civil. O repatriamento da comunidade portuguesa passou a ser a prioridade dos militares portugueses. Prates da Silva chegou a ser preso por guerrilheiros do MPLA, em Salazar, quando efetuava o transporte de material de guerra. Conseguiu fugir com mais dois camaradas e foi levado de Malange para Luanda, onde assistiu ao regresso dos retornados através da maior ponte aérea alguma vez organizada em todo o mundo.

João Manuel Nunes foi o último a chegar a Angola. Foi para lá em rendição individual, no princípio de agosto e regressaria dias antes da declaração de independência, a 11 de novembro, já vestido à civil.

Membro do conselho científico da Comissão Portuguesa de História Militar, Pedro Marquês de Sousa publicou um livro, “Os Números na Guerra de África” (edição “Guerra & Paz”), no qual avança que a guerra colonial (1961-1975) terá provocado 10.409 mortos entre as Forças Armadas portuguesas, número superior aos 8.600 habitualmente referidos, a que se somam mais 6200 vítimas civis do lado português e 28.226 entre os movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique.

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