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1.º de Maio: A conquista das oito horas de trabalho nos campos do Alentejo

Evocar Abril e o Dia do Trabalhador é também recordar a miséria em que vivia a maioria da população. Uma das grandes revoltas ocorreu em maio de 1962, quando dezenas de milhares de trabalhadores agrícolas entraram em greve. Militante comunista a viver na clandestinidade, António Gervásio desempenhou um papel de liderança nos protestos. Luís Godinho (texto)

Se em Almada e no Barreiro, zonas de forte influência do PCP e local de destino de muitos trabalhadores alentejanos, os protestos atingem grandes dimensões, é nos campos do Alentejo que a adesão dos operários agrícolas à reivindicação das oito horas de trabalho mais se fará sentir. O número de trabalhadores envolvidos não é consensual. Terão sido seguramente mais de 200 mil a entrar em greve.

Num relatório datado de junho de 1962, que circulou de forma clandestina, em cópias datilografadas, António Gervásio anota os locais dos protestos. Com a imprensa silenciada pela censura, é dele o relato mais fiável das lutas de massas de abril e maio de 1962 nos campos do Sul. Uma luta que ele próprio liderou.

Nalgumas localidades do Baixo Alentejo a paralisação dos operários agrícolas no 1.º de Maio é total. Em Beja aderem de cerca de mil pessoas. Em Aldeia Nova e Baleizão, António Gervásio contabiliza uma adesão superior a três mil pessoas. As adesões mais significativas acontecem também em Montemor-o-Novo e Escoural, tal como em Alcáçovas, Valverde, Avis, Alcórrego, Portalegre.

É no concelho de Alcácer do Sal que a repressão é mais intensa nesse início de maio de 1962, contabilizando-se a presença de mais de 20 agentes da PIDE e cinco dezenas de militares da GNR. Todas as pessoas que passam sobre a ponte que cruza o Sado são identificadas. No 1.º de Maio, mais de 30 mil trabalhadores do litoral alentejano entram em greve. Posser de Andrade, proprietário da Herdade da Palma, chama a PIDE e a GNR, que tinha um posto no interior da propriedade, numa tentativa já desesperada de impedir a paralisação. Alguns trabalhadores são levados para o posto, onde são agredidos.

Numa entrevista que lhe fiz para o livro O Alentejo e a Luta Clandestina, António Gervásio relata o caso de um rapaz que, depois de espancado, foi obrigado a escrever os nomes das pessoas que conhecia, sendo que apenas conhecia os pais, os irmãos e os companheiros de trabalho. “Marcolino Bento, de 17 anos, e Jacinto Veríssimo foram barbaramente espancados pela PIDE ficando em estado grave. Devido aos ferimentos não puderam seguir para a prisão”. Sorte diferente é a de 28 trabalhadores (entre os quais Manuel Dionísio, de 80 anos) que são detidos pela GNR e entregues à polícia política.

“Quando os presos eram metidos nos carros celulares, o povo acorreu exigindo a sua libertação. As mulheres agarraram-se aos polícias exigindo a libertação dos seus filhos, maridos e pais. Os polícias empurravam-nas com os pés”, escreve.

Ainda com os ânimos ao rubro, no dia 2 de maio os operários agrícolas recusam-se a trabalhar mais de oito horas e exigem um aumento de salário. Apresentam-se às 7h45. Começam a trabalhar um quarto de hora depois. Na Herdade da Palma a sineta toca de acordo com a jornada de trabalho do sol a sol. Toca às 10h30, a hora a que os trabalhadores costumavam parar para almoçar. Ninguém o faz. Interrompem para almoço às 12h00. Retomam às 13h00. E às 17h00 regressam a casa. A GNR é chamada ao local mas entende não haver alteração da ordem pública e remete o assunto para o Instituto Nacional do Trabalho (INT), uma forma habilidosa de aliviar a pressão e evitar novos confrontos.

Nesse 2 de maio, trabalhadores do Torrão, Santa Catarina, Grândola, Sines, Odemira, Alvalade do Sado e Lousal, entre outros, seguem o exemplo dos de Alcácer do Sal e recusam cumprir mais do que oito horas diárias. Ao mesmo tempo são exigidos, e conquistados, alguns aumentos salariais, com os ordenados a serem fixados nos 28 escudos para os homens e nos 25 escudos para as mulheres.

A escolha do mês de maio para o levantamento do operariado agrícola do Sul decorre de uma opção política, associando-o ao Dia Internacional dos Trabalhadores, cujas celebrações estavam proibidas pelo regime, mas justifica-se essencialmente por questões de estratégia da própria luta pois, como referido, trata-se de um altura de maior aperto nos trabalhos agrícolas, com ceifas, debulhas, apanha de arroz, tira de cortiça. “Isto foi estudado com vista a forçar os patrões a cederem”.

António Gervásio enfatiza que não se tratou de uma ação espontânea ou voluntarista mas, pelo contrário, “uma das lutas mais discutidas, que mais tempo levou a preparar e que mais trabalhadores e militantes do PCP envolveu na sua organização”.

Greve vitoriosa

Em poucas semanas, a greve dos operários agrícolas impõe as oito horas de trabalho no Alto Alentejo e no litoral alentejano, em boa parte do Baixo Alentejo, parte da Estremadura, do Ribatejo e do Algarve. Na versão de António Gervásio, ”dezenas e dezenas de ranchos, ao abandonarem o trabalho, transformaram-se em amplos grupos ou comités de greve. Eles percorreram as herdades e as localidades vizinhas mobilizando os seus camaradas para o movimento grevista”. Que impôs a prática de oito horas, sem que qualquer alteração legislativa tivesse sido efetuada.

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