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“Vivemos um tempo que pode gerar muita pobreza” (c/ vídeo)

Ana Luísa Delgado e Maria Antónia Zacarias texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

O Arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, está preocupado com o agravamento da crise social em resultado do aumento da inflação e das dificuldades de muitas famílias. “Vivemos um tempo que pode gerar muita pobreza”, diz o arcebispo em entrevista exclusiva, na qual chama a atenção para “situações muito dolorosas de pessoas que estavam na classe média e que hoje fazem parte de uma dita pobreza envergonhada”.

O tempo é de crise. E, nessa circunstância, diz o Arcebispo de Évora, “temos que avançar para a ajuda concreta” às famílias. “As pessoas batem-nos à porta. Temos situações muito dolorosas de pessoas que estavam na classe média e hoje fazem parte da dita pobreza envergonhada. Estamos muito impressionados com as suas necessidades”, revela D. Francisco Senra Coelho, acrescentando que essa ajuda, por parte da Igreja, está a chegar às famílias através da “resposta estruturada e institucionalizada” por parte de estruturas como os centros sociais e paroquiais, Cáritas e Misericórdias, entre outras.

Como é que encara o agravamento das dificuldades e da pobreza devido à inflação?

Não tenho dúvida de se trata de um problema estrutural. Um dia o Papa Francisco, referindo-se à situação que vivemos, fez referência a uma cultura de morte, uma cultura que mata, no seguimento do Papa S. João Paulo II que falou na cultura da vida e da morte. Depois, o Santo Padre, numa exortação apostólica “A Alegria do Evangelho” falou de uma dimensão que aplicou à própria economia: uma economia que mata. Voltou a assumir este tema no documento dedicado à ecologia integral e ao mesmo tempo global, bem como no sínodo sobre a Amazónia. 

E chegou, por essas declarações, a ser alvo de algumas críticas dentro da Igreja.

Várias sensibilidades do mundo económico, financeiro, também ligadas à Igreja Católica e católicos empresários, não compreenderam a afirmação do Papa e reagiram. Com isso, o Papa quer dizer que, quando a pessoa não está no centro, a economia torna-se deusa dela própria. Verificamos que tem havido um crescimento económico no mundo, a recessão económica, a existir, é um fator excecional e em circunstâncias críticas, no nosso caso numa pós-pandemia, numa situação de guerra. A economia global tem vindo a crescer, mas não tem vindo a crescer a qualidade de vida das populações. A pobreza aumenta, enquanto a riqueza também aumenta. 

É um paradoxo…

… deveria acontecer que com a riqueza a aumentar a pobreza diminuísse. Mas a riqueza aumenta, concentra-se num grupo muito reduzido de super-ricos, enquanto a classe média é desfeita e vamos tendo um número crescente de muito pobres. Para se equilibrar a paz social, para se fazer um equilíbrio de ausência de revoltas, ou de manifestações violentas, vai-se fazendo uma distribuição da pobreza no sentido de a minorar, para que haja uma sobrevivência mínima através dos rendimentos mínimos, dos ordenados mínimos e assim se vai sustentando uma multidão de pessoas que vivem no limiar da pobreza. Temos um número crescente de pobres, um número crescente de pessoas no limiar da pobreza. Portanto este problema é estrutural [da nossas sociedade].

Lamentando a existência de “cada vez mais pobres e de uma classe média cada vez menor”, ao mesmo tempo que a riqueza se concentra “numa reduzida minoria, com um grande poder de execução e de decisão, porque o dinheiro tudo compra, incluindo a política e, infelizmente, por vezes até a justiça”, D. Francisco Senra Coelho não tem dúvidas de que atravessamos uma “crise ética grave”, tempos de “desumanização” regidos pela “vontade de atingir cifras de riqueza”. 

Segundo o Arcebispo de Évora, a subida do ordenamento mínimo, em Portugal, traduz “um esforço meritório que todos devemos louvar”, embora esse crescimento não tenha sido acompanhado da subida dos restantes salários. Assim sendo, critica, “esta situação que nivela tudo pelo ordenado mínimo é injusta” pois há profissionais com “responsabilidades, exigência, preparação e anos de trabalho” diferentes entre si.

Como olha para este aumento da inflação e para as dificuldades daí decorrentes?

Esta é inflação é [sobretudo] provocada pelo Banco Central Europeu para “arrefecer a economia”, para que o dinheiro seja mais caro e se compre menos. Uma vez que se chegou a quase 10% [de taxa de inflação] é necessário reduzi-la (…) tem de haver equilíbrio e é aqui que se gera dificuldades. 

E pobreza?

É uma circunstância que gera pobreza, que faz com que o dinheiro seja mais caro, mais difícil de ganhar e quando a pessoa é pobre isso significa não ter o suficiente para viver. Este é um tempo que pode gerar muitos pobres que não têm capacidade de sobreviver, por isso é também um tempo de apelo à solidariedade, à caridade, se quisermos à fraternidade organizada através das comunidades eclesiais, paróquias, etc. Todos temos de estar muito atentos. Este sistema, como disse o Papa Francisco, é um sistema que mata. Há pessoas a morrer de frio, de fome e de solidão. Estejamos todos muito atentos e saibamos cultivar a vizinhança e os laços de amizade fraterna e de família

As diversas instituições de apoio social, muitas legas ligadas à Igreja, falam num aumento exponencial dos pedidos de ajuda. Como acompanha esta situação?

A minha missão é estar atento e próximo e fazer todo o possível por acompanhar com as possibilidade que tenho, como Arcebispo e como presidente de várias fundações (…) o Arcebispo de Évora gostaria de ter ainda mais instituições que pudessem ajudar humanamente, não no assistencialismo paternalista, mas em socorro em momentos de necessidade crítica. Temos [na arquidiocese] cerca de quatro dezenas de instituições a que se somam as Misericórdias, temos um peso muito significativo, uma percentagem muito elevada, que ultrapassa os 60% de ação social na região. A missão do Arcebispo é chegar a cada pessoa que precisa e termos capacidade para isso, na certeza de que muito fica por fazer. É fundamental termos uma atitude de ajudar aquele que hoje precisa, calçar as sandálias do outro para perceber a sua vida, a sua cruz e a sua dor.

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