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Mauro Dilema: Vindo do Scala de Milão, direto para Beja

Alexandre Barahona (texto e fotografia)

É italiano e, desde há 10 anos, diretor do Conservatório Regional do Baixo Alentejo, onde o reconhecem como sendo quem salvou aquela instituição de um inevitável desaparecimento. Quase inevitável, como ele comprovou. Chama-se Mauro Dilema, e dilemas, muitos dilemas, foi o que sempre foi encontrando no seu percurso, incluindo quando o convidaram para liderar aquele estabelecimento, em 2013.

Mauro Dilema é pianista de formação superior clássica, nasceu perto de Matera – que foi Capital Europeia da Cultura em 2019 – no seio de uma família italiana do sul da península transalpina. Ali cresceu e se licenciou em piano e música clássica. Terminado o curso, decidiu manter-se fiel ao seu sonho e “atirou-se de cabeça” aos concursos para pianistas.

“Uma coisa são as notas e os títulos académicos, outra bem diferente é a vida, é o mercado de trabalho”, adverte Mauro Dilema, hoje também professor na Universidade de Évora. “Na altura não tinha nem experiência nem curriculum para lecionar, resolvi participar em concursos para encontrar trabalho como pianista”. E desde aí, desde sempre, tem vivido do seu labor, no seio do âmbito musical.

O primeiro concurso, recorda-se, foi em Espoleto e falhou. Mas no segundo alcançou o êxito e foi colocado como pianista assistente no célebre Scala de Milão. “Sonhava de olhos abertos” aos 21 anos. Tinha atingido o firmamento. No entanto, a política da altura era contratar jovens músicos promissores por dois anos e depois ir buscar novos colaboradores, despedindo os anteriores. A surpresa aterrou-o: “Eu era moço, altivo e orgulhoso, como os personagens italianos dos filmes. Enfurecido, pedi a demissão, escrevendo uma magnífica e romântica carta, cuja cópia ainda guardo”.

Desiludido com Milão, assume que nunca poderia voltar para trás, para a terra dos seus pais, assim, de “mãos vazias”, E de novo recorre aos concursos. Concorrer a vagas de músicos profissionais, no mundo da música clássica, é “extremamente exigente” pois “requer imensa prática em fastidiosos ensaios, e muita capacidade de memória para as peças musicais”, de esforços diários mental e físico. “Mas eu estava uma máquina!”, afirma.

E a verdade é que graças à sua audição, a sorte lhe sorri rapidamente. Foi o escolhido para integrar uma nova orquestra, a organizar em Volterra, que acabou por não ver a luz do dia. Dececionado, mas não desencorajado, Mauro foi encontrando pequenos trabalhos na área musical, como pianista ou inclusivamente como professor. No entanto, era pouco para as ambições que ainda abarcava, e as belas experiências milanesas que vivera.

Entretanto chega mais um inespettato [imprevisto], graças a uma amiga de escola, que não via há imensos anos, italiana ela também, e que viera morar para Portugal. Para o Baixo Alentejo aliás; ou mais precisamente, para Beja. Entraram em contacto e conversa puxa conversa, afigura-se a oportunidade de ter um emprego estável por estas bandas. Sair de Itália era um desafio “aliciante”, mas como gato escaldado de água fria tem medo, o pianista rematou que só viria se tivesse a certeza do lugar. Queria ter um contrato assinado, antes de fazer as malas.

Durante semanas teve “um fax permanentemente ligado em casa, pois naquele tempo não havia telemóveis e na ânsia do contrato chegar de Beja (que não conhecia, nem fazia ideia do que era) não deixava ninguém fazer chamadas telefónicas. Era uma loucura”.

Até que a maquineta debitou o prometido contrato, obviamente em língua portuguesa. “No final do contrato” comenta, “estava escrito ‘com os nossos cumprimentos’ – ora, em italiano, a palavra complimenti significa parabéns! Fiquei eufórico, não só me garantiam o emprego, como ainda me davam os parabéns. É porreira essa gente! pensei…”. E lá veio ele.

Desde novembro de 1999 que reside em Évora e trabalha em Beja. Exatamente como fazia aquela sua amiga italiana, que lhe abrira esta oportunidade. “Este ano vou completar quase metade da minha vida, como eborense e bejense, creio que já ganhei o direito de ter a cidadania alentejana”.

Por Évora, trabalhou também na escola profissional, até ser convidado para a Universidade do Espírito Santo. Até que, de novo, lhe salta um coelho da cartola. “Tive um convite do arquiteto [Francisco] Duarte, na altura presidente da Câmara de Castro Verde”. Em amena cavaqueira, o edil confessa-lhe que precisava de um novo diretor para o Conservatório do Baixo Alentejo, mas procurava alguém que soubesse ao mesmo tempo gerir, ser responsável contabilisticamente e bom músico.

“O Mauro sabe de alguém com estas características?”, perguntou. Ao que o italiano respondeu: “Eu”. Foi meio a brincar, mas acabou levado a sério e desafiado a ponderar seriamente essa eventualidade. “Estive a pensar umas três semanas, porque sabia que em termos económicos o Conservatório estava muito mal. Foi em finais de 2013, acabei por aceitar e, com o Jorge Barradas, iniciámos o trabalho no início de 2014”.

“Quando entrámos [no Conservatório de Beja] pairava no ar uma lógica geral, de que aquilo era definitivamente para fechar (…) Não havia um projeto de futuro. Foi muito duro durante estes 10 anos”.

Admite que foi partir pedra, durante muito tempo. “Quando entrámos, pairava no ar uma lógica geral, de que aquilo era definitivamente para fechar. O ambiente viciado, sem incentivos… era uma simples fábrica de aulas, organizando um espetáculo anual. Não havia um projeto de futuro. Foi muito duro durante estes 10 anos”.

Primeiro, recorda, foi preciso “endireitar financeiramente” a escola. “Pagámos todas as dívidas, e hoje não temos nenhuma. Havia processos pendentes em tribunal, que foram todos resolvidos e ao longo da nossa vigência, não houve nenhum processo ao nosso encontro. Todos ali recebem, agora, sem um único dia de atraso”.

Nos dias de hoje, este é o Conservatório com as melhores condições económicas do sul do país e soma mais de 800 alunos em Beja, Moura e Castro Verde.

Imbuído pelo espírito de trabalho destes últimos 10 anos ao serviço das nossas artes e cultura, o italiano reclama para si a “cidadania alentejana” e prolonga os espaços ainda por explorar. “Este ano fizemos um espetáculo para crianças da idade pré-escolar, a que milhares de miúdos puderam assistir. Era ver a alegria deles! Estas instituições têm de ser abertas a todos os estratos sociais e a todas as idades”.

No entanto, ainda que diretor, não esqueceu a sua vertente artística. Em setembro, Mauro Dilema viajou para a China, onde deu sete concertos de música clássica, em duo com o violinista Carlos Damas. “Estou longe de ser velho, mas já não sou o jovem de há uns anos. É importante para mim, retomar a carreira ao piano”. Um dos seus “sonhos”, confessa, era poder ser responsável pela programação musical (clássica) no Teatro Garcia de Resende. “É um belíssimo teatro, um espaço cénico com potencialidades incríveis”.

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