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Vila Viçosa acolhe primeira feira de doçaria conventual

Ninguém duvida que nos conventos de freiras a doçaria era uma arte exigente. Nos de Vila Viçosa, paredes-meias com o Paço Ducal, sê-lo-ia ainda ainda mais. De 26 a 28 de janeiro, a vila é palco da I Feira de Doçaria Conventual.

Ana Luísa Delgado (texto) | Foto D.R.

Enquanto conversa, dias antes do Natal, Lurdes Ramos, 70 anos, raspa uma laranja e um limão que haverá de adicionar à massa dos coscorões, um dos doces típicos da época. “Estas coisas levam todas muito tempo”. Mas os seus coscorões, garante, “agradam a toda a gente”, tal como a tiborna, um dos doces mais característicos de Vila Viçosa.

“O pão tem de estar feito uns dois dias antes. O doce de chila também é feito com antecedência. Depois é mais simples, é só armar e a tiborna está feita”, garante Lurdes Ramos. Bom, “está feita” é como quem diz, pois a coisa está mesmo longe de ser simples. É necessária uma calda de açúcar e fios de ovos, a que se adiciona o miolo do pão com amêndoa pelada e ralada, mais a chila, limão e canela, mais o tempo de cozedura para que o doce fique bem espesso. Todo um trabalho minucioso, rigoroso, que exige sensibilidade e conhecimento apurado. “Ao fim e ao cabo é um bocadinho difícil estar a explicar como é feito”, acaba por confessar.

No seu “Alentejo à Janela do Passado” (1940), João Rosa escrevia que em Vila Viçosa os Conventos de Nossa Senhora da Esperança e de Santa Cruz “rivalizavam nos rebuçados de ovos e nas tibornas”. De acordo com Cristina Castro (“A Doçaria Portuguesa”), a mais antiga referência à tiborna data de 1788, com a inclusão dareceita no livro “Arte nova, e curiosa, para conserveiros, confeiteiros, e copeiros”, de autor desconhecido, que “se aproxima muito” do que hoje é feito por doceiras como Lurdes Ramos.

“O termo tiborna”, prossegue Cristina Castro, “alarga-se ao ponto de designar variadas misturas culinárias, sendo o pão talvez o traço comum”. É por isso que existem receitas em vários pontos do país. Vergílio Gomes (“Dicionário Prático da Cozinha Portuguesa”), define tibornada como sendo “termo genérico para bacalhau assado e depois lascado”. Seja como for, docinha como a original só mesmo em Vila Viçosa, com origem certificada por Maria de Lurdes Modesto e descrita na sua “Cozinha Tradicional Portuguesa”.

Foi ainda muito nova que Lurdes Ramos se iniciou na arte de bem cozinhar, não teria mais de 10 anos. “Eu dormia em casa da minha avó paterna, que cozinhava muito bem, e comecei muito cedo a ir à mercearia com um escrito para fazer as compras.

Depois comecei a cozinhar, a fazer bolos e doces, fazer e a verdade é que me sai bem. Às vezes até dou uma receita a alguém e a pessoa diz que não saiu igual ao meu”. Num concurso, em Portalegre, a sua tiborna conquistou o primeiro prémio.

Foi nos Conventos, como os de Nossa Senhora da Esperança ou da Santa Cruz, tal como no Real Mosteiro das Chagas de Cristo, que a doçaria conventual ganhou fama em Vila Viçosa. “De facto, nestas comunidades femininas a doçaria era uma arte, exigindo, como todas as artes, talento e aplicação prática, até chegar ao doce que, saído das mãos de Esposas de Cristo, teria que agradar, que ser grandioso e imaginativo para poder constar na sua mesa”, sublinha a investigadora universitária Antónia Fialho Conde (“A Opção Claustral e a Tradição Gastronómica Local e Regional”).

“Nos mosteiros e conventos femininos, nos tempos livres de ofícios divinos, a doçaria era uma forma de o preencher, ao lado da costura, dos bordados, da pintura, da música ou da escrita. os doces produzidos eram apreciados não apenas pela comunidade: funcionavam como presentes, em caixinhas próprias, tanto para os dons abades como para o próprio monarca”, acrescenta.

Às tibornas podemos juntar outros doces, como a sericá, a encharcada, o manjar das Chagas ou o toucinho-do-céu, que Maria Olímpia Caia, 56 anos, gosta particularmente de fazer. “Comecei a cozinhar quando casei, aprendi com as receitas que havia lá por casa, outras fui investigar e pedir, e tenho essa, do toucinho-do-céu, que era da avó de uma prima minha que trabalhava no Paço Ducal. Na receita até está escrita uma data: 1928”.

Maria Olímpia Caia diz que a doçaria não tem propriamente segredos, tudo dependendo muito da atenção que se dá à receita, bem como da qualidade dos ingredientes e do forno. “A mão da doceira faz o resto”. A sericá, garante, essa fá-la “de olhos fechados”. Ora tome nota: oito ovos, gemas separadas das claras e batidas com 250 gramas de açúcar, mais 100 de farinha, juntando-se aos poucos meio litro de leite. É altura de levar o preparado ao lume, “até fazer um creme mais grossinho”. Quando estiver morno, juntam-se as claras em castelo, raspa de limão, e coloca-se num prato de barro, polvilhado com canela. Mais 10 minutos no forno e fica pronto. É experimentar.

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