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Vidas no limbo, a migração segundo Carmen Serejo

Alexandre de Barahona, texto | Carmen Serejo, fotografia

Mia Couto disse: “Na fotografia, a Carmen tem um modo de ler o mundo e de escrever nele, um outro mundo”. “In Limbo”, uma série fotográfica sobre o drama dos refugiados, uma das mais terríveis emergências humanitárias, esteve patente no Museu de Estremoz.

Quando lemos o seu nome, não duvidamos que Carmen Serejo seja, por exemplo, espanhola. Contudo é bem portuguesa, nascida nos anos 60 em Moçambique e a viver em Sintra. É uma fotógrafa premiada internacionalmente, como no European Photography Awards 2023, e com diversas exposições no seu percurso. Desta feita, o seu trabalho veio ao Alentejo, nesta sua exposição de 48 fotografias, patente no Museu de Estremoz.

Carmen diz tirar fotografias como “forma de expressão pessoal e de construção de narrativas, um recurso para a reflexão sobre o ser humano”, e confessa estar “principalmente interessada nas pessoas e no seu lugar no mundo de hoje – especialmente as que ficam de fora, à margem da sociedade, esquecidas, invisíveis”.

É algo que parece evidente ao olharmos as suas imagens. Primeiro, a sua visão é direta e sem artifícios, para depois os vir a recriar e nos levar a imaginarmos diferentes perspetivas, outras realidades humanas. Chamar-lhe-ia a poética do realismo cénico.

“A forma como as comunidades humanas se relacionam com a sua história é determinante para a construção da sua memória coletiva e da sua identidade”, diz Carmen Serejo, continuando: “Por sucessivas gerações, tenho sentido uma espécie de amnésia coletiva, em certa medida, mais ou menos involuntária, sendo menosprezadas as causas, mas também as consequências das crises de refugiados a todos os níveis nas nossas vidas”.

O seu derradeiro trabalho relata o drama de quem é migrante. De quem se viu na urgência de se deslocar, e por inúmeros condicionamentos se deixou encurralar num limbo, assim permanecendo durante boa parte das suas vidas.

“In Limbo” – é justamente assim que se intitula a série que Carmen compôs e nos mostra – tem essa originalidade, a de ser um trabalho totalmente ficcionado. Sim, leu bem, estas não são fotografias de situações autênticas de fugas de um qualquer país, por perseguições políticas ou religiosas, nem da procura de refúgio por parte de quem sofreu uma catástrofe natural, ou da anulação dos mais elementares dos seus direitos humanos. É algo diferente. Afirma a fotógrafa que “tudo foi construído ressaltando as cores, as formas, as texturas… Preocupei-me em criar imagens originais onde fosse capaz de expressar pensamentos, emoções, denunciar e transmitir um flagelo que está [visível] aos olhos de todos nós, em todos os continentes, em todo o mundo, portanto”.

Trata-se de retratos imagnários, totalmente concebidos pelo que Carmen Serejo sentiu, previu e encenou com pessoas voluntárias. Tudo preparado e agendado num enquadramento organizado, cada qual para atingir um efeito específico. As pessoas “não são a fantasia de uma mulher fotógrafa idealista. Elas são reais, muito reais”, adverte.

Aquilo que nos oferecem as suas fotos ultrapassa artisticamente os conceitos da solidão, do medo, da angústia, da morte, tal como nos exibe a dura veracidade da vida. No entanto, associadas a essas opressões no quotidiano de alguns, permanecem sempre fragmentos de esperança, pedaços de fé, prolonga-se o inimaginável acreditar no altruísmo humano, na fraternidade do novo vizinho.

Diz que bateu a muitas portas, e que a do Município de Estremoz foi uma das que se abriram. E tem receio de esquecer que há várias pessoas a agradecer. Além de todas as que encheram a sala no dia da inauguração, não olvida Hugo Guerreiro que esteve em representação do Município, nem Maria do Céu Pires, dirigente do Núcleo da Amnistia Internacional em Estremoz, sabendo que a exposição “In Limbo” teve o apoio institucional da Amnistia Internacional. Por fim José Soudo, que foi seu professor de história da fotografia e o curador do evento.

Resta a curiosidade de saber quais serão os seus próximos passos? “Sabe, uma das coisas fantásticas que tenho aprendido com a fotografia é que as suas diferentes técnicas e abordagens são muito versáteis. Isto é, as fotografias podem ser usadas de diversas maneiras para expressar diferentes coisas. Servem para dar sentido à mensagem que o autor deseja transmitir. É isso que eu faço, ou melhor, tento fazer. Sem pressa. Quando início um projeto, uma série, o que seja, a minha certeza e compromisso são honestidade e humanidade”.

Uma das particularidades, que vão além destas suas imagens, reside na ponderação que nos submerge, ao compreendermos que aquelas representações são todas elas tiradas “por cá”. Apesar de ilustrarem situações “de lá”. Então revemo-nos nos lugares, nos ínfimos rasgos arquitetónicos e no traço físico das pessoas, que identificamos como sendo indubitavelmente de cá, bem nossas. O que nos transpõe imediatamente e aproxima dos sujeitos retratadas em crises migratórias e dos refugiados da atualidade. E nos coloca no seu lugar, nas suas realidades. Essa é a força do discurso fotográfico de Carmen Serejo.

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