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Universidade vai criar canal de denúncia para casos de assédio

Maria Antónia Zacarias, texto | Gonçalo Figueiredo, fotografia

Estudantes da Universidade de Évora vão ter “em breve” um canal para denúncia de casos de assédio moral e sexual. Investigadora da instituição diz que mais de um terço dos alunos do ensino superior já foi vítima de assédio sexual.

Há mais de um ano que a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, recomendou às instituições de ensino superior a criação de canais de denúncia para casos de assédio sexual e moral. A Universidade de Évora (UE) vai agora fazê-lo, implementando também um código de conduta. O combate a esta problemática em contexto académico assenta nas conclusões de um estudo coordenado por uma investigadora desta instituição, Lara Guedes de Pinho (na foto), professora do Departamento de Enfermagem da UE e investigadora do Comprehensive Health Research Centre (CHRC) sobre saúde mental, segundo o qual mais de um terço dos estudantes do ensino superior já sofreu assédio sexual e cerca de metade foi alvo de assédio moral.

Como surgiu a ideia de efetuar este estudo sobre saúde mental?

O ano passado, em outubro, iniciámos a recolha de dados com um estudo mais alargado sobre a saúde mental dos alunos do ensino superior. Esta ideia surgiu porque, após a pandemia, começámo-nos a aperceber que esta problemática parecia ter-se agravado, sendo isso sustentado por alguns estudos internacionais que referiam isso mesmo. A investigação partiu da UE, pensámos fazer apenas aqui, mas depois decidimos alargar a outras instituições do ensino superior no nosso país e em outros países. Agregado à saúde mental dos universitários considerámos ser importante estudar igualmente as variáveis do assédio sexual e moral, dado sabermos que existem estes tipos de assédio.

Tem havido um acréscimo da procura de apoio psicológico por parte dos estudantes da UE?

Sim e temos uma lista de espera grande. Embora a ideia não tenha surgido por esse motivo, este estudo vem corroborar a situação. Esta é uma abordagem inicial, onde obtivemos dados para fazer uma avaliação diagnóstica, ou seja, percebermos em que estado está a saúde mental dos estudantes porque o nosso objetivo seguinte é aplicar intervenções que promovam a saúde mental. Isto é, incrementar ações promotoras de saúde mental e também aumentar a resposta porque, neste momento, ela não é suficiente para as solicitações que temos por parte dos nossos estudantes.

Quais são as principais conclusões deste estudo? Tem valores desagregados por estabelecimento de ensino superior?

Não temos, por uma questão de regulamentação geral de proteção de dados. Quanto ao que destaco são as agressões sexuais e morais que ocorrem, na maioria das vezes, fora das instituições de ensino superior. No assédio sexual temos como agressores, em primazia, os não docentes, isto é, os funcionários não docentes, e depois o parceiro amoroso e os colegas da universidade e de trabalho. Os familiares são em maior número no que diz respeito ao assédio moral e a seguir surgem os colegas de trabalho porque temos muitos trabalhadores-estudantes. Em relação aos colegas da universidade há muita rivalidade entre os pares, há uma competitividade que não é saudável, o que faz com que algumas personalidades mais frágeis sejam vítimas de assédio. Aliás, o nosso estudo demonstrou que as pessoas que referem já terem sofrido de assédio moral ou sexual têm pior saúde mental, portanto estão numa situação mais vulnerável e mais suscetíveis ao assédio.

Acredita existir uma relação de causa/efeito?

Sem dúvida. A pessoa que já está vulnerável em termos mentais está mais suscetível ao assédio e o assédio faz com que a saúde mental também se agrave. Depois a própria sociedade também está muito vocacionada para criticar o outro, falta a empatia e a solidariedade. Vivemos num país em que crescemos a ver criticar o outro e não a elogiar. Isto faz com que muitas pessoas critiquem o outro e se tornem agressores.

Como é que se consegue evitar o assédio moral e sexual?

Com esclarecimento, com sensibilização da comunidade académica (docentes, não docentes e estudantes) e com um canal de denúncia onde as vítimas podem abertamente, de forma anónima ou não, denunciar as situações. Isto poderá ser um método que tenha eficácia na prevenção, pelo menos, de algum tipo de assédio, pois se o agressor souber que existe essa linha poderá, eventualmente, pensar duas vezes antes de cometer o assédio. Por outro lado, o esclarecimento das vítimas sobre o que é de facto o assédio é igualmente fundamental. Muitas vezes, as vítimas nem se apercebem de que estão a ser vítimas, sobretudo quando a agressão é feita pelo parceiro amoroso. Vão deixando as agressões avançar no tempo, passam a ser cada vez mais, agrava-se a saúde mental e quando tomam consciência do problema têm dificuldade em pedir ajuda. Assim, se tivermos este canal aberto, de pedidos de ajuda e de denúncia, podemos evitar muitas situações.

Conhecidas as conclusões do estudo, qual é o passo seguinte?

O passo seguinte é implementar ações. No caso da Universidade de Évora vai ser aberto um canal de denúncia, pois esteve em discussão pública há pouco tempo na instituição de ensino e está para breve a sua publicação em “Diário da República”. Quer com isto dizer-se que cabe às próprias universidades agirem, mas também ao Ministério da Tecnologia e do Ensino Superior porque é preciso financiamento. Sem recursos humanos não se consegue fazer nada e cabe, por isso, à tutela poder financiar as universidades para concretizar programas como estes.

PLANO GLOBAL DE INTERVENÇÃO

O Governo vai criar um plano global de intervenção para os problemas da saúde mental no ensino superior para responder “ao agravamento das queixas” dos jovens relacionadas com problemas de saúde mental. “Estamos muito atentos àquilo que são as múltiplas queixas que as gerações mais jovens, incluindo os estudantes de ensino superior, têm feito em relação a um certo sofrimento relacionado com a saúde mental que terá sido muito agravado pelo contexto da pandemia” e pelo isolamento a que obrigou e que “é percecionado pelos jovens de forma ainda mais violenta”, explicou o ministro da Saúde, Manuel Pizarro. Lara Guedes de Pinho lembra que é “necessário dinheiro para as universidades poderem intervir”. De qualquer modo, acrescenta, na UE “já temos um grupo de trabalho para implementar ações de promoção da saúde mental” e irá “fazer uma candidatura a um financiamento, a nível europeu, para percebermos que tipo de intervenção é que funciona melhor na promoção da saúde mental nos estudantes e na prevenção da doença”.

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