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Um terço das antas de Reguengos já foi destruído

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

O historiador Luís Lobato de Faria meteu-se ao caminho à procura de antas e fez as contas: cerca de 35% dos 181 monumentos megalíticos identificados no concelho de Reguengos de Monsaraz já não existe. Ao longo dos anos, antas e menires têm vindo a ser destruídos. Os que sobram estão, na sua maior parte, em “péssimas condições”.

Na véspera de nosso encontro para falarmos sobre a imensa quantidade de antas e de outros monumentos megalíticos destruídos no concelho de Reguengos de Monsaraz, o historiador Luís Lobato de Faria decidiu fazer o que define como “pressing”, ou seja, resolveu ir a sítios que ainda não tinha visitado e selecionar locais que pudéssemos fotografar.

“Fui atrás de 31 monumentos identificados como tal no processo de candidatura do megalitismo alentejano a conjunto de interesse nacional [ver caixa]. Percorri os terrenos aqui à volta de Reguengos de Monsaraz, onde há muitas culturas de vinha, e a verdade é que desses 31 monumentos a grande maioria, 20, já nem sequer existe”, conta Luís Lobato de Faria, advertindo que, nalguns casos pontuais, “poderão estar cobertos pela vegetação ou terem sido mal localizados” nos documentos da candidatura. 

“A verdade”, acrescenta, “é que da maior parte deles já não existem quaisquer vestígios e, noutros casos, encontramos um interface de destruição em que temos o pouco que sobrou da anta, fraturado, ou encontramos os esteios amontoados algures, alguns fragmentos, alguma cerâmica e pouco mais”.

É por isso, ao ser confrontado com esse rasto de destruição, que se confessa “deprimido”. Sendo que desta vez, e ao contrário do que tem sucedido noutros locais da região, não há responsabilidades a assacar às plantações de olival intensivo ou de amendoal, desde logo porque a zona ainda não se encontra servida pelo perímetro de rega do Alqueva. 

“Trata-se de um processo de destruição que se tem vindo a arrastar ao longo dos anos. Dos 181 monumentos megalíticos identificados neste concelho, cerca de 35% já não existem, 10 deles foram submersos pela albufeira e a maioria dos restantes está em péssimas condições de conservação”, lamenta.

Voltemos ao princípio. A trabalhar no setor do turismo, construindo conteúdos para “muitas empresas” que trazem à região turistas interessados em conhecer o património, Luís Lobato de Faria refere que o megalitismo “é uma rota em que vale a pena investir”, desde logo porque permite “documentar” a existência de uma paisagem humanizada há mais de seis mil anos.

Foi há cem anos que o casal alemão Georg e Vera Leisner começou a vir a Portugal para estudar monumentos megalíticos. Em 1943, a II Guerra Mundial “obrigou-os” a ficar. Aproveitam a oportunidade para efetuar o levantamento dos monumentos megalíticos na Península Ibérica. Só em Portugal identificam cerca de quatro mil, a maioria dos quais no Alentejo. Reguengos de Monsaraz emerge como uma das regiões mais importantes do megalitismo europeu.

Na candidatura destes monumentos a conjunto de interesse nacional, a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) identificou, só neste concelho, 181 monumentos. O que despertou em Luís Lobato de Faria a vontade de os conhecer. “Trabalho nesta área, gosto de caminhadas, peguei nos dados da DRCA e fui à procura das antas, na tentativa de as identificar”. O resultado, reconhece agora, dificilmente seria mais frustrante.

Segundo o historiador, tem existido uma “destruição contínua” ao longo das últimas décadas. “Acredito que a maior parte dos casos não decorra de maldade, mas de ignorância. Muitos desses monumentos, ou por já não estarem nas melhores condições, ou por serem muito pequenos, terão sido deitados abaixo pelos agricultores que, muitas vezes, nem são os proprietários das terras, talvez sem terem a mínima ideia do que estavam a fazer”, acrescenta.

INTENSIFICAÇÃO DA AGRICULTURA

A denominada Anta da Arraieira 1, junto à antiga estrada que ligava Reguengos de Monsaraz a Mourão, é uma das muitas que já não existem. Os esteios, muito provavelmente, encontram-se num conjunto de pedras amontoado a poucos metros do local. A destruição acentuou-se com a intensificação da agricultura, seja com a instalação de vinhas, ou movimentação de terras para plantação de cereais ou de forragens para alimentar o gado. 

“Temos três ou quatro monumentos musealizados, próximos de Monsaraz, mas tudo o resto está ao abandono”, critica o historiador, segundo o qual o processo de classificação “enforma de vários erros”, ao incluir estruturas que já não existem e ao fornecer localizações erradas: “É um processo feito a partir dos escritórios em Évora… encontrei uma anta que está a 500 metros do sítio onde a localizaram. Ou seja, estão a propor a classificação de uma pedra qualquer quando a anta, de facto, está muito ao lado”.

Advertindo para o risco deste processo destrutivo “se manter, ou até agravar”, pois o que se encontra “ao redor” de muitas das antas que restam está a ser permanentemente lavrado, “fragilizando os esteios” que as suportam, Luís Lobato de Faria lamenta que “não se dê o devido valor a esta paisagem do Alentejo agrícola, humanizada desde há milhares de anos, não só aos monumentos megalíticos, mas a todo o património rural”, como pontes ou ermidas.

“Fazem-se processos de classificação que não têm nada a ver com o que se passa no território, depois vão-se buscar uns dinheiros da Europa em que se valorizam uns monumentos, mas de tudo isso pouco sobra passado algum tempo”, critica o historiador, segundo o qual “a destruição do megalitismo no concelho de Reguengos de Monsaraz não é uma questão local, antes deveria ser encarada como um problema nacional”.

CULTURA CORRIGE DADOS

A Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) procedeu à revogação do despacho que determinou a abertura do procedimento para classificar como conjunto de interesse nacional os monumentos megalíticos do Alentejo e, em simultâneo, determinou a abertura de um novo processo que inclui um conjunto de retificações. Em nota de imprensa, a DRCA indica que à proposta “urgente e excecional” de classificação apresentada em fevereiro de 2022 e que integrava 2049 monumentos, seguiu-se uma “revisão completa dos dados em colaboração com as autarquias e diversos investigadores”, tendo sido excluídos 497 monumentos “por insuficiente informação sobre a sua conservação e localização precisa”. O processo avança, assim, com um conjunto de 1628 monumentos, 135 dos quais já classificados.

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