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Um em cada cinco residentes no Alentejo corre risco de pobreza

Margarida Maneta texto

Cerca de um em cada cinco alentejanos corre risco de pobreza. O aumento generalizado de preços, tanto dos produtos alimentares como dos combustíveis e da energia, deverão agravar um problema que já não atinge apenas os desempregados ou os idosos. Um jovem licenciado ou uma pessoa com trabalho fixo podem ver-se em situação de pobreza, com um rendimento mensal que não chega para fazer face às despesas.

Os dados são do Instituto Nacional de Estatística: 17,1% dos residentes na região do Alentejo correm risco de pobreza, uma percentagem ligeiramente abaixo da média nacional, que se situa nos 18,4%.  Especialistas ouvidos pelo Brados do Alentejo consideram os valores preocupantes, tanto mais que a pobreza se alastra não só entre quem está desempregado, como também entre quem trabalha ou é pensionista. 

“Antigamente pensávamos na pobreza como [abrangendo] quem não trabalhava ou quem estava doente, era idoso ou não tinha estudos. Neste momento, a pobreza já não escolhe”, começa por explicar Cidália Barriga, presidente do conselho geral do Núcleo Distrital de Évora da EAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza de Portugal. 

“Uma pessoa em risco de pobreza”, explica Cidália Barriga, “pode ser um licenciado, pode ser uma pessoa saudável, pode ser uma pessoa trabalhadora e até com trabalho fixo”. E, daqui a cerca de dois ou três anos, a presidente do núcleo distrital de Évora acredita que “já não estejamos só a falar de pessoas vulneráveis”, mas que “vamos estar todos vulneráveis porque temos uma das taxas tributárias mais altas da União Europeia, temos da eletricidade mais cara, temos dos combustíveis mais caros e temos o terceiro salário mais baixo”. 

Para inverter esta tendência, explica, o primordial, “e já vem tarde”, era o Estado “ter mão firme com o custo de vida”. “Ou elevam os salários ao nível da inflação e estabiliza-se a inflação ou tem de se baixar o custo dos produtos porque assim não será possível [combater a pobreza]”, defende.

Todas as medidas tomadas com o objetivo de inverter esta situação implicam vontade, articulação e comunicação das forças atuantes. “Legislação nós temos, meios específicos também. O problema é tirar do papel e pôr na prática”.  Sendo também fundamental “fazer-se uma boa avaliação para ver o que está a resultar, o que é que não resulta e o que tem de se fazer para que resulte. É aí que as pessoas mais vulneráveis têm que ajudar quem vai aplicar estes processos porque têm de ser ouvidas”.

Técnica desta associação, Maria José Guerreiro, aponta, a respeito do Alentejo: “Além dos trabalhadores pobres, que são aquelas pessoas que, ainda que tenham emprego, auferem do salário mínimo ou até menos, e não conseguem ficar com uma situação financeira que lhes permita ultrapassar as necessidades básicas, temos outros grupos muito vulneráveis” em situação de pobreza. 

É o caso, refere, “dos idosos, a viver em situações de isolamento e a passar imensas carências, com pensões ainda muito baixas” e das “comunidades ciganas que não têm acesso ao trabalho, ao emprego” e, mesmo tendo, “é com base em vínculos laborais fracos”. Também o acesso destas comunidades à habitação está longe do desejável. “Vivem em barracas e acampamentos, em condições abaixo do nível de dignidade”.

Segundo Maria José Guerreiro, a pandemia “veio agravar o problema porque houve pessoas que ficaram sem emprego”. Mas é “muito mais” do que isso. “A pandemia não pode servir de argumento para as situações de pobreza que se vivem aqui no Alentejo porque, na realidade, elas já existiam”. 

Para as reverter, a técnica aponta o Plano de Recuperação e Resiliência ou a Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza como possíveis caminhos. “Não nos faltam instrumentos para resolver estes problemas, faltam-nos vontade política e uma maior articulação do trabalho em rede. Não é uma questão de falta de cabimento financeiro. Nesta altura, Portugal vai ter uma situação de exceção que ou utiliza bem e consegue diminuir os níveis de pobreza ou não utiliza bem e não saímos daqui”, sublinha.

Presidente da União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Évora (UDIPSS-Évora), Tiago Abalroado aponta no mesmo sentido: “O que estamos a atravessar não é propriamente resultado de um período pandémico, porque nesse o Estado cumpriu as suas obrigações de dar suporte e retaguarda ao funcionamento do país, mas sim algo que é posterior à pandemia”. E que se traduz no “aumento do nível geral dos preços, concretamente, na inflação”. Os preços estão mais elevados. Mas o rendimento das famílias não se alterou na mesma medida.

“O custo de vida aumenta, mas o rendimentos das famílias não acompanha este aumento e é essa a principal causa” para os dados apresentados. “Não que a pandemia ou a guerra não tenham tido impacto, porque tiveram, mas esta é a principal causa do cenário que estamos a atravessar e é sobre essa causa que devemos focar a nossa atenção”, acrescenta Tiago Abalroado, lembrando que o conceito de pobreza nos dia de hoje não é igual ao conceito de pobreza de há uns anos. Já não se entende por pobre apenas quem “vive na miséria ou debaixo da ponte”. 

O conceito, explica, inclui pessoas e famílias que têm “um nível de vida abaixo do nível médio aceitável. Com isto, digo, um nível que permita fazer face às despesas e ao custo de vida e conseguir ainda algum grau de poupança. Quem não consegue estar nesta situação de, por um lado, cobrir os seus custos e, por outro, conseguir gerar poupança para eventualidades pode dizer-se que enfrenta uma situação de pobreza, de insuficiência de rendimentos. E neste cenário estão inúmeras famílias”.

Entre as medidas necessárias para inverter esta tendência de desigualdade social, o presidente da UDIPSS-Évora acredita que o Governo deve “procurar vias que possibilitem alavancar a economia do lado do rendimento das famílias através, eventualmente, do apoio à atividade empresarial para aumento de salários e, também, ao nível do bens sobre os quais existem impostos diretos, tentando reduzir a carga fiscal para, por via indireta, conseguir a redução dos preços”. 

Estas medidas, conclui, “têm de ser ajustadas no quadro específico que o país atravessa que é o de ter uma dívida pública altíssima, com indicadores macroeconómicos preocupantes”.

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