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Seca deixa gado sem pastagens, num ano “terrível”

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Os produtores pecuários de Santo Amaro (Sousel) voltaram a cumprir uma tradição centenária com a “benção do gado”. Num ano particularmente difícil, dizem que só “um milagre” pode ajudar alguns agricultores que já estão “de cabeça perdida”, sem possibilidade de dar de comer aos animais e com todo o verão ainda pela frente.

“Temos de nos reinventar para ter o gado em condições”. Momentos depois de ter levado parte do seu efetivo pecuário a passar frente à imagem de Santo Amaro, recebendo a benção do pároco de Sousel, Salvador Taborda reconhece que os tempos não estão fáceis para a agricultura, muito menos para a pecuária. A chuva intensa caída no final do ano passado permitiu encher charcas e barragens. Mas choveu apenas dois dias, pelo que ninguém sabe quanta água se infiltrou no solo, as captações subterrâneas podem secar de um momento para o outro e, pior, não voltou a cair pinga de água, nem no resto do inverno, nem nas primeiras semanas de primavera. 

Não há pasto para os animais, um problema particularmente grave em explorações como a de Salvador Taborda, que soma cerca de 800 cabeças de gado. Alimentar todo este efetivo, num ano de seca, não se revela tarefa fácil. Acresce que o preço de palhas e fenos tem vindo a aumentar, consequência da seca que também se regista em Espanha e França. E que este é já o segundo ano consecutivo em que a falta de chuva se faz sentir, com particular intensidade nos campos do Alentejo.

“Estamos a viver todo este período com muita preocupação, estamos a ser penalizados por uma seca muito grande, choveu muito em dezembro, mas num espaço de tempo muito curto. Isso foi bom para encher as barragens e as charcas, mas não voltou a chover, a primavera foi muito seca e não há alimento para o gado”, diz o produtor pecuário.

“Bem que precisávamos de uma benção do Santo Amaro para enfrentar todos estes problemas”, acrescenta Salvador Taborda, presença assídua na benção do gado, em Santo Amaro, concelho de Sousel, onde este ano voltou a levar parte do efetivo. Sabe bem do que fala. A agricultura, lembra, “é uma fábrica a céu aberto” que obriga os agricultores a “reiventarem-se para ter o gado em condições”. O problema é que as condições meteorológicas nem sempre ajudam, as alterações climáticas estão a conduzir a secas mais frequentes e mais prolongadas e este é já o segundo ano em que a falta de chuva deixa os campos sem pasto suficiente para alimentar os animais. 

“Vamos ter meses muito difíceis pela frente”, antecipa. Para os produtores pecuários restam duas soluções: ou alimentar “à mão” o efetivo pecuário, com todos os custos que isso implica, ou reduzir o número de cabeças, o que, em situações extremas, pode colocar em causa a própria sustentabilidade das explorações.

“Pela frente temos o verão, sempre com temperaturas extremas nesta região, não há qualquer perspetiva de chuva, pelo que teremos de fazer o sacrifício de adquirir alimentos para o gado, é a única forma de aguentar as explorações”, acrescenta. “Espero que Santo Amaro nos ouça e faça um milagre para melhorar o caso de muitos agricultores que estão de cabeça perdida”.

Reza a lenda que a atual igreja paroquial da freguesia, datada do século XV, foi construída precisamente no local onde apareceu uma imagem do santo, padroeiro dos criadores pecuários. É aqui, que todos os anos, em maio, se concentra a população da aldeia para a “benção do gado, uma das tradições mais antigas da aldeia”, segundo o historiador João Richau. “Esta festa secular é bem representativa da cultura alentejana, reunindo todos os anos centenas de pessoas na aldeia. Para além da parte religiosa da festa, onde o gado é benzido pelo pároco da aldeia, promovem-se os produtos endógenos da região, com destaque para o bolo branco, um ícone da freguesia”. 

Celebrada a missa, a imagem de Santo Amaro é conduzida em procissão até um local previamente determinado, em pleno montado, para onde ovelhas, vacas e cavalos são conduzidos. Pároco de Veiros e de Santo Amaro, Policarpo Pereira fala “numa tradição muito antiga arreigada na fé das pessoas e uma festa lindíssima” com um objetivo preciso: “Agradecermos a Deus pelas colheitas e pelo animais que ajudavam na agricultura constituindo o sustento das comunidades locais”. O que, acrescenta, “ganha um significado especial” num ano “muito difícil, em que a seca está a ser vivida com muita preocupação pelos agricultores”.

QUASE TODA A REGIÃO EM SECA

O Ministério da Agricultura e da Alimentação reconheceu a situação de seca severa e extrema em cerca de 40% do território nacional, incluindo todo o Alentejo, à exceção dos concelhos de Gavião, Nisa, Castelo de Vide e Marvão. Para esta situação, refere o despacho assinado pela ministra da Agricultura e da Alimentação, contribuíram os valores das temperaturas média e máxima acima do normal, bem como o registo de ondas de calor que, conjuntamente com a reduzida precipitação durante o mês de março e abril, resultou num baixo teor de água no solo. 

“Esta situação meteorológica afeta fortemente a atividade agrícola e o rendimento dos agricultores. É de máxima importância o reconhecimento desta realidade para que possamos ajudar os agricultores”, acrescentou Maria do Céu Antunes, dizendo esperar da Comissão Europeia “um apoio firme para fazer face a esta situação estrutural”.

À ESPERA DE BRUXELAS

A declaração de seca permite a aplicação de um conjunto de medidas de apoio aos agricultores, como o pastoreio em áreas de pousio, mas estas ainda terão de ser aprovadas pela Comissão Europeia. Segundo o Governo, está ainda a ser “preparada a operacionalização de um pacote de medidas excecionais para o setor agrícola”, no valor de 180 milhões de euros.

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