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“Túlio Espanca, um paradigma”, por Rui Arimateia

Rui Arimateia texto

Há uns tempos escrevi um texto cuja temática tinha tudo a ver com a vida, a obra e o legado de Túlio Espanca. Intitulado O direito à cidade usufruindo um património comum”, constava de um conjunto de reflexões acerca da perspetiva da intervenção pública no âmbito do património ‘lato sensu’.

Sublinhava o mesmo a importância de uma necessária e contínua abordagem e intervenção no património, por parte dos cidadãos e das instituições, em todas as suas vertentes complementares. O património edificado, o cultural material, o cultural imaterial e, finalmente, o natural e paisagístico, olhados de um modo integrado e com uma atenção permanente.

Em primeiro lugar observávamos que a “coisa pública” deveria ser encarada como responsabilidade última dos cidadãos, cuja construção e manutenção deveriam igualmente ser consideradas como factos reais e fundamentais para a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva das próprias comunidades.

Por outro lado, entendíamos que não poderíamos deixar de considerar importante o olhar as realidades que nos rodeiam e que connosco interagem, refletindo sobre três conceitos subjacentes a toda a intervenção no real: a memória (o passado), a identidade (o presente) e a partilha (o futuro).

É claro que não poderemos considerar estes três conceitos em compartimentos estanques: o passado, o presente e o futuro encontram-se num diálogo permanente e em mutação contínua, interagindo uns com os outros e a todo o momento, para a construção de um “eterno presente”, este que nós vivenciamos em verdade.

Só partilhando e dialogando no momento presente vislumbraremos algum futuro construtivo e luminoso. Importa edificar uma praxis de intervenção equilibrada. Finalmente, um outro conceito importante a ter em conta é o da “participação dialogante”, uma construção em conjunto e para um bem comum. 

E TÚLIO ESPANCA, A SUA VIDA E A SUA OBRA, COMO SE ENQUADRAM NESTAS REFLEXÕES? 

Túlio, tal com o bem lembrava Vítor Serrão, “era um operário da escrita”. Era um erudito com o dom inato da comunicação. Tenhamos em conta a sua obra, não só escrita, mas também oral: visitas guiadas, palestras, aulas, explicações, conversas… A observação, o estudo e a partilha eram qualidades inatas em Túlio Espanca. As quais ele fazia questão de partilhar com todos quantos solicitavam do seu saber.

Trinta anos após o seu desaparecimento, Túlio Espanca continua vivo e atuante, nomeadamente através da obra que nos legou. Assim sendo, consideramos a sua mensagem e o seu exemplo extraordinariamente atuais, pertencendo simultaneamente a um passado, a um presente e a um futuro que continuamente nos encontramos a alcançar, a construir.

A desocultação da história e da arte eborenses, a  sua divulgação, aliadas a uma prática de democratização do conhecimento adquirido por esforço próprio desde a sua adolescência, fez com que Túlio Espanca tenha desde sempre construído pontes entre uma erudição sólida e autêntica e o entendimento que ele conseguia transmitir a quem o procurava, sem fazer quaisquer distinções de classe social, de género, de idade ou de religião.

ALGUMAS REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS

No dia 2 de maio de 2023 passaram 110 anos do seu aniversário natalício e no dia 8 de maio perfez 30 anos que deixou fisicamente de conviver connosco. Contudo, a sua presença por Évora nos alvores do terceiro milénio perdurará enquanto trabalharmos a sua imensa obra sobre a História da Arte em Évora e no Alentejo.

Durante praticamente 80 anos de vida atravessou e viveu diferentes tempos históricos, culturais e sociais por que passou a sociedade portuguesa. Formou a sua personalidade-base durante os conturbados tempos dos finais da 1.ª República. Viveu os dramáticos tempos das duas Guerras Mundiais. Desenvolveu a sua formação intelectual durante todo o período do Estado Novo. Viveu intensamente o dia 25 de Abril de 1974, com o ressurgimento da democracia e da liberdade em Portugal. Deliciava-se e emocionava-se a escutar Zeca Afonso a interpretar a canção da Liberdade – “Grândola, Vila Morena”!

Em julho de 1940 foi nomeado “cicerone” da Comissão Municipal de Turismo de Évora, tinha sido o melhor classificado no curso de “cicerones” organizado no ano anterior pelo Grupo Pro-Évora. A partir dessa altura, a sua presença era praticamente obrigatória em qualquer visita à cidade de Évora. Anos mais tarde, a 15 de maio de 1948, foi lida na Academia Nacional de Belas Artes em Lisboa um dos seus trabalhos, intitulado “Pintores em Évora nos Séculos XVI e XVII”, sendo posteriormente publicado no Boletim “A Cidade de Évora” n.º 15-16 do mesmo ano.

Este trabalho e a publicação regular do Boletim “A Cidade de Évora” – de que foi editor desde o primeiro número até à data da sua morte – foi causa de notoriedade por parte de importantes personalidades ligadas à História e à Arte e que anos mais tarde culminaria com o convite para ser o compilador e organizador dos Inventários Artísticos do Concelho e Distrito de Évora e, já nos anos 80 do Distrito de Beja.

Túlio foi um erudito que teve dois grandes enquadramentos institucionais ao longo da sua carreira: o Grupo Pro-Évora e a Câmara de Évora, tendo sempre como pano de fundo a investigação sobre Évora e sobre o Alentejo e a sua divulgação. Responsável pela descoberta e posterior publicação de incontáveis documentos, de factos históricos, de memórias há muito esquecidas. Verdadeiro artífice da escrita e coresponsável pela preservação da cidade de Évora, das suas ambiências histórico-culturais, a par com o Grupo Pro-Évora e com o Município Eborense. Como corolário do seu intensíssimo trabalho, foi conseguida a Classificação de Évora como Património Mundial, concedida pela UNESCO em 25 de novembro de 1986.

O Túlio Espanca passado poderá ser caracterizado pela sua memória; o Túlio presente, não haverá dúvida que será constituído pela sua obra publicada; o Túlio do futuro, no fundo, será aquilo que nós fizermos com o seu legado e com a sua memória.

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