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Recurso mantém vivo processo às obras na Casa do Alcaide

Luís Godinho, texto

O Ministério Público arquivou o inquérito aberto na sequência de uma queixa da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos (APAC) relativa a obras realizadas na Casa do Alcaide-Mor, em Estremoz. A notícia foi avançada pela própria associação que anunciou a apresentação de um recurso hierárquico.

De acordo com a APAC, o inquérito aberto pelo Ministério Público (MP) há cerca de um ano e meio, na sequência de uma queixa-crime que a associação apresentou contra várias entidades envolvidas no processo de licenciamento da adaptação da Casa do Alcaide-Mor de Estremoz a um novo hotel de charme, foi agora arquivado.

“Inconformada com a insuficiente fundamentação desse arquivamento, e, em particular, com a decisão de pôr termo ao processo iniciado com a queixa, a APAC suscitou intervenção hierárquica, solicitando que o inquérito fosse reaberto e as diligências de investigação continuassem tendo em vista as finalidades do inquérito, o que foi tido por pertinente, sendo agora determinada a continuidade da investigação”, acrescenta a mesma fonte.

Classificado como Monumento Nacional, o edifício foi mandado construir em meados do século XV por D. Sancho de Noronha, alcaide-mor, para sua residência privada, “valorizando o burgo medieval com a mais interessante fachada de arquitetura civil da zona alta de Estremoz”.

Depois de um longo período de abandono que a deixou em ruínas, em 2018 a Casa foi adquirida em hasta pública pelo antigo presidente da Portucel e ex-administrador da EDP, Jorge Godinho. Comprou-a por 180 mil euros com o objetivo de recuperar o imóvel e transformá-lo em unidade hoteleira, num projeto assinado por Álvaro Siza Vieira e Carlos Castanheira.

As obras avançaram em 2021 e incluíram a demolição do edifício, solução que a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA) diz ter sido tomada por terem sido identificados “diversos danos e patologias estruturais muito preo- cupantes” que colocavam “graves questões de segurança estrutural e inviabilizavam a sua recuperação”.

A APAC reconhece que o imóvel se encontrava “num lamentável estado de decaimento, fruto de dé- cadas de desuso, ausência de manutenção, destelhamento e consequente exposição à intempérie de parte do seu interior” e diz que o projeto de arquitetura submetido a aprovação da Câmara “preservava razoavelmente as preexistências, nomeadamente a repartição do es- paço interior, mantendo uma boa parte das paredes mestras de alvenaria e, sobretudo, a nobre fachada principal”.

“Sobre este projeto”, acrescenta, “foram emitidos diversos pareceres por arqueólogos e arquitetos da Direção Regional de Cultura do Alentejo, sempre no sentido da salvaguarda das componentes mais relevantes do edifício, do ponto de vista patrimonial e do recurso, na sua reabilitação, aos materiais e técnicas construtivas originais”. No comunicado, a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos lamenta que “com base num simples termo de responsabilidade e passando por cima de vários pareceres anteriormente elaborados”, tenha sido proposta à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) “a aprovação de um projeto de execução que preconizava o desmonte – leia-se demolição – de grande parte do monumento, incluindo o seu elemento mais valioso, ou seja, a própria fachada principal, e a construção em seu lugar, de uma estrutura constituída por pilares, vigas e lajes de betão armado”.

O documento então entregue à DGPC pelo projetista, e aprovado por este organismo, indica a necessidade de demolição da totalidade as paredes acima do 1.º piso, na ala situada a poente e adossado à muralha, bem como da totalidade das paredes e outras estruturas da ala situado a nascente, incluindo as fundações, exceto a parede da fachada, a manter até ao nível do primeiro piso, prevendo ainda a “construção de uma estrutura constituída por lajes, vigas e pilares de betão armado assente sobre as partes da estrutura de alvenaria remanescente da ala poente”.

“DESRESPEITO PELAS BOAS PRÁTICAS”

Ainda de acordo com a APAC, “tal abordagem, em flagrante desrespeito pelas boas-práticas na reabilitação do edificado antigo, mormente quando em presença de construções com reconhecido valor histórico-artístico, conduziu à completa desvirtuação” do Monumento Nacional, o que a levou a apresentar queixa-crime contra várias entidades, incluindo a autarquia e a DGPC.

“Mais do que punir os responsáveis”, a associação diz estar interessada em “tirar ilações que possam contribuir para que o património cultural do nosso país, em particular na sua vertente construída, sem prejuízo da sua adaptação a novos usos pela geração presente, seja objeto da atenção e dos cuidados que permitam o seu usufruto também pelas futuras gerações”.

Numa intervenção apresentada no Fórum do Património, realizado em Estremoz em outubro do ano passado, Vítor Cóias, engenheiro civil especializado em recuperação do património, lembrou que a obra “foi dada por concluída e o estaleiro levantado, encontrando-se a construção ao abandono”, como ainda hoje se encontra.

“Presentemente encontram-se expostas à intempérie – não se sabe por quanto tempo – as estruturas que escaparam à campanha de demolições, além da própria fachada reconstruída, criando condições para uma novo ciclo de degradação do que resta do Monumento Nacional”, criticou Vítor Cóias, apontando a existência de “seis atentados” contra o património, com décadas de abandono, “péssima solução construtiva e estrutural” e “aprovação pela DGPC contra os pareceres técnicos dos serviços, suportada por um simples termo de responsabilidade”. 

PROJETO DE ÁLVARO SIZA VIEIRA

Na única vez que se pronunciou publicamente sobre esta obra, o arquiteto Álvaro Siza Vieira atribuiu a polémica suscitada à “ausência de informação sobre o projeto” e à “opinião frequente em Portugal” segundo a qual intervenções em “edifícios ou grupos de edifícios de reconhecida qualidade” acabam por “estragar tudo”. Álvaro Siza Vieira – que assinou o projeto juntamente com o arquiteto Carlos Castanheira – refere que essa “desconfiança em relação à arquitetura de hoje pode ter por vezes justificação”, mas disse não ser “justo nem imediatamente generalizável tal pressuposto”.

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