Margarida Maneta texto
Em Pavia, no concelho de Mora, nasceu um projeto que quer “replantar” o solo. O objetivo do Purposeflow passa por plantar 15 mil árvores nos próximos cinco anos, mas não só. A harmonia com a vida e a natureza, a aposta na economia circular e relações simbióticas também estão entre os propósitos deste projeto. Em entrevista, o fundador do projeto, Anthony Ryan (AR), e Ana Carrero (AC), uma das participantes, explicam que a ideia é “encorajar a economia circular e regenerativa”.
Quais os objetivos a curto e longo prazo deste projeto?
Anthony Ryan (AR) – Os objetivos a curto prazo prendem-se com a utilização de técnicas regenerativas para recuperar o solo, capturar mais água seja da chuva ou dos aquíferos que estão por baixo e já se encontram quase secos, bem como reflorestar esta zona e trabalhar com outros projetos e empresas para encorajar a economia circular e regenerativa. A longo prazo temos como objetivo expandir este projeto. Temos a plena consciência de que seis hectares não é muito, em termos globais, daquilo que podemos fazer pelo ambiente.
E é que mais vasto?
Ana Carrero (AC) – É importante educarmos e inspirarmos outras pessoas a fazerem o mesmo, ou parecido, mas com o foco em regenerar as suas terras, cidades e ambientes em que se encontram. Queremos trazer escolas, crianças, outras empresas e fazer retiros aqui com empresas e municipalidades, trabalhando a um nível mais expansivo, atraindo cada vez mais pessoas e fazê-las ver de que isto é possível, mesmo no Alentejo onde não há água e ou está muito calor ou muito frio.
Como é que surgiu este projeto?
O projeto começou quando o Anthony se mudou para Portugal. Os seus pais compraram esta propriedade há uns 14 anos, mas, entretanto, não se mudaram para aqui. O Anthony veio estudar para a Nova SBE em Carcavelos e acabou por ficar aqui, durante três meses, sozinho, para se reconetar, perceber que significado a vida tinha para ele e como é que queria continuar a viver. Muitas das palavras que lhe vieram à cabeça na altura foram harmonia, amor, união, pessoas mais felizes e saudáveis. Claro que percebeu que se perguntasse à maior parte das pessoas no mundo se querem viver numa realidade assim, elas diriam que sim. Só que na prática é mais difícil.
E daí?
AC – Por isso, decidiu abrir este espaço que tinha o privilégio de ter, para trazer mais pessoas aqui. No primeiro ano e meio do projeto tivemos mais de 150 voluntários de 50 nacionalidades. São pessoas que também têm esta visão, que procuram a harmonia com a natureza, consigo mesmos e com o que os rodeia. Nós não somos especialistas, não sabemos tudo nem queremos que as outras pessoas façam igual a nós. Queremos saber mais e fazer melhor. E todos aqueles que aqui vêm têm isso em comum connosco.
Em termos práticos, que atividades desenvolvem?
AR – Uma das coisas mais importantes que temos feito aqui é trabalhar com sistemas circulares, um dos princípios de permacultura. A natureza em si não reconhece o desperdício. Há coisas que para um animal é um desperdício, mas para outro é comida. Se agora escolhermos plantar umas sementes, essas sementes darão uma planta que depois terá flores e atrairá insetos como abelhas. As abelhas produzem mel, ao mesmo tempo que nós comemos parte da planta e aquilo que vemos como desperdício podemos dar às galinhas ou fazer compostagem. Há sempre um ciclo, uma ação em cadeia. É importante percebermos a partir daqui que devemos fazer algo não só para o nosso benefício, mas também para beneficiar o ecossistema. Devemos sair do “eu quero para mim” e olhar para o “eu quero para todos”.
Têm parcerias locais?
AR – Localmente estamos a colaborar com várias empresas, por exemplo, com a Arquiled, em Mora… recolhemos as paletes velhas, que eles já não querem, e damos-lhe uma nova vida. O nosso galinheiro foi feito dessa forma. O que procuramos fazer é benéfico para todas as partes envolvidas. A Arquiled não precisa de alguém para ir buscar o desperdício deles, e nós vemos as paletes como recurso. Procuramos as relações simbióticas sempre.
De que forma é que este projeto foi e é financiado?
AC – Os voluntários vêm de uma plataforma ou das redes sociais com base numa troca: nós damos-lhe comida e casa e eles dão-nos 25 horas semanais de trabalho, o que equivale a cinco horas por dia durante cinco dias da semana. Podem também optar por fazer só quatro horas diárias e pagar uma pequena contribuição. Já tivemos aqui pessoas durante meses, outras durante uma semana. Os voluntários é que decidem quanto tempo ficam aqui a ajudar o projeto, sendo que procuramos que seja algo simbiótico. Ao mesmo tempo, queremos que eles possam aprender sobre coisas que se vivem numa cidade não conseguiriam, como a permacultura, ou encontrar um sítio para relaxar. No início do projeto, o Anthony tinha feito parte de vários negócios na África do Sul e utilizou essas poupanças. Como não tinha de pagar renda, conseguiu minimizar os custos de vida. Agora temos alguns investidores, campanhas de crowdfunding e estamos em processo para sermos uma associação não-governamental e recebermos fundos oficiais.
E como é que vão aplicar esses fundos?
AR – Para conseguirmos reflorestar a propriedade precisamos de cuidar das árvores. Não podemos plantar e esperar que elas sobrevivam e cresçam, sobretudo em condições que não são ideais, como é o caso agora com a seca. Tudo isto vai demandar que tenhamos sistemas de captação de água, o que fará com que precisemos de uma escavadora, por exemplo. O dinheiro estará focado aqui para conseguirmos cuidar das árvores que vamos plantar. Preparamo-nos para receber seis mil árvores. E depois, estando este projeto estabilizado, acabaremos por ir procurar inspirar e educar socialmente, trabalhando mais com empresas e escolas, fazendo visitas para as quais precisaremos de recursos humanos. Eventualmente teremos também aqui um viveiro em que poderemos plantar mais árvores pequenas para outras pessoas que queiram reflorestar as suas propriedades ou fazer os seus próprios projetos. Precisamos, por isso, de fundos para manter esta vida aqui e fazê-la crescer para podermos apoiar outras pessoas que queiram fazer o mesmo ou parecido, regenerando bocadinhos de terra que tenham.
Se tivessem de descrever este projeto numa frase qual seria?
AC – É um espaço onde podemos aprender juntos o que significa trabalhar com a natureza e em harmonia com a vida.