Luís Godinho texto
O presidente da Associação de Produtores do Mundo Rural da Região de Montemor-o-Novo (Apormor) considera que a “estrutura de preços ao longo da cadeia alimentar está desvirtuada”, a favor da distribuição.
“Quem produz os bens [alimentares] perde dinheiro, quem os comercializa vende por um preço cuja margem é aquela que entende”, disse Joaquim Capoulas durante uma audição na Comissão Parlamentar de Agricultura.
Sublinhando que “o sistema financeiro acumula lucros, enquanto a economia agrícola só vai sobrevivendo com as ajudas da Política Agrícola Comum (PAC)”, o presidente da Apormor, que representa cerca de 300 associados, classificou a grande distribuição como “um negócio financeiro, pois compra a crédito [aos agricultores] e vende a pronto”, tendo um peso negocial “incomparavelmente superior” ao da produção
“[As grandes cadeias de supermercados] chegam a comprar lá fora a preços superiores, só para controlar os que se praticam cá dentro”, sublinhou Joaquim Capoulas, lembrando que Portugal “não é só um país de serviços e de turismo”, pelo que é “fundamental que os agricultores voltem à sua função natural de produzir alimentos” como forma de garantir a soberania alimentar. “Como será se argentinos ou brasileiros deixarem de mandar carne [para Portugal], como sucedeu com os cereais?”, interrogou.
Lamentando os cortes nas ajudas à pecuária incluídos no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), o presidente da Apormor referiu que os produtores em regime de extensivo “são os que menos tempo e dinheiro têm para fazer lobby” junto dos organismos europeus. “Foi tirado dinheiro ao sistema extensivo para ser entregue a outros. Não queremos entrar em conflito, mas no caso do tomate ou do arroz, [setores que] conseguiram convencer as pessoas que decidiram as regras do PEPAC. Mas isso não pode ser [feito] à nossa custa”, sublinhou.
De acordo com a DECO – Associação de Defesa do Consumidor, no espaço de um ano, “o preço das frutas e dos legumes aumentou 30,5 por cento. Comprar exatamente os mesmos produtos custa agora mais 7,21 euros do que em 2022, antes de a guerra na Ucrânia começar”. Segundo a associação, entre 23 de fevereiro de 2022 e 22 de fevereiro de 2023, “o preço de um cabaz de alimentos essenciais aumentou 23,40%, representando agora uma despesa adicional de 42,97 euros para as famílias, que têm de gastar 226,60 euros para abastecer a despensa”.
Ainda segundo a DECO, comprar uma cesta com sete diferentes variedades de carne pode agora custar 39,60 euros, considerando apenas um quilo de cada produto. Trata-se de um aumento de 22,81% face a há um ano. Na véspera do início da guerra na Ucrânia, os mesmos produtos custavam, em média, 32,24 euros. “A análise aos preços registados no último ano mostra que o custo total dos produtos desta categoria sofreu um aumento abrupto entre o início de março e meados de maio de 2022, logo depois do início da guerra, estabilizando depois até ao final de julho. Desde então, a tendência tem sido de subida contínua, com a categoria a registar o seu preço mais elevado a 18 de janeiro deste ano: 39,62 euros”, acrescenta a associação.
“A sustentabilidade da produção pecuária está a bater no fundo”, disse Joaquim Capoulas perante os deputados da Comissão Parlamentar de Agricultura. “Talvez seja por isso que os preços da carne, de uma maneira geral, estão a subir, em contra-ciclo com a inflação que dá sinais de descer”, acrescentou, lembrando a existência de uma “acentuada diminuição do número de vacas produtoras”, por um lado porque o atual efetivo “cresceu muito devido aos anteriores estímulos da PAC”, por outro porque “os custos da alimentação [animal] em período de carência [de pastos] são incomportáveis”.