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Então e a estratégia regional de combate às alterações climáticas?

Luís Godinho opinião | Gonçalo Figueiredo foto

Como já ninguém lê o Torga, poucos se lembrarão de um jovem pastor que habita nos “Contos da Montanha” e que um dia desceu do monte para casar com a filha do Jaime. “Não há riqueza como a nossa, ó Júlia!”, dizia o homem, já casado, “depois de regressar das lombas e comer o caldo”, debruçado à janela, a olhar para as “dez léguas” de terra onde sempre vivera. Tudo corre pelo melhor, até que a rapariga engravida. São precisos lençóis, toalhas, cueiros, é preciso ir à vila falar com a parteira. Pouco dado a pressas, e muito menos a afastar-se do monte e das cabras, o homem lá foi arranjando desculpas para adiar a ida à vila: pois como é que a criança ia nascer em janeiro, no pino do inverno, se podia deixar vir março para ter mais conforto? 

O que é que isto tem a ver com o agravamento das condições climáticas no Alentejo? Tudo. A começar por uma pergunta, que talvez resuma o pensamento de muitos dos decisores políticos: “Pois por que razão será preciso tomar medidas agora se podemos esperar pelo tempo que há de vir?”. No conto do Torga, como na vida, há sempre alguém mais avisado. “Quem bem fizer a cama…”, alerta o pai da rapariga, e a história até nem acabada mal. Já no clima… tudo se encaminha para o desastre anunciado.

A questão é que as alterações climáticas não são uma coisa do futuro, são uma realidade do tempo presente. “O Alentejo é uma das regiões mais afetadas pelas alterações climáticas na Europa devido ao efeito combinado dos aumentos de temperatura e diminuição da precipitação numa região que já se encontra numa franja climática próxima do limite da habitabilidade”, advertia, e bem, a Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas no Alentejo (2017/2019), promovida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e financiada por fundos comunitários.

Quando se perspetiva, para o próximo meio século, um aumento de 3,4 graus Celsius nas temperaturas máximas no distrito de Beja e uma redução de 25 por cento na precipitação anual, agravando a aridez dos solos, dir-se-ia que é por demais evidente a necessidade de executar medidas que permitam mitigar os problemas (através, por exemplo, de uma gestão racional da utilização da água, em particular na agricultura) e promover “a adaptação às alterações climáticas com base na articulação de medidas transversais, setoriais e territoriais”. 

Para essa estratégia regional – note-se, elaborada em 2019 – fizeram-se uns ‘workshops’, por onde até passou o ministro do Ambiente, duas conferências, elaboraram-se documentos, foram feitos diagnósticos, definidas medidas a tomar e… será distração minha ou nunca mais se ouviu falar de nada, de nada de concreto? Sim, as ondas de calor vão tornar-se mais intensas e o verão escaldante de 2003 (o tal dos 47,3 graus à sombra, na Amareleja) passará a ser o nosso verão habitual. Mas não basta anunciá-lo, nem nada se resolve se a decisão for a de ficar à janela: “Não há riqueza como a nossa, ó Júlia!”.

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