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Quatro décadas de associativismo valem prémio a Alfredo Latas

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Dirigente da Sociedade Columbófila Rainha Santa Isabel durante 39 anos, 24 dos quais como presidente da direção, Alfredo Latas foi distinguido com personalidade do ano pela Confederação do Desporto de Portugal, que também lhe entregou o prémio de mérito desportivo.

Marcamos a entrevista para a sede da Sociedade Columbófila Rainha Santa Isabel, dias depois de ter sido distinguido pela Confederação do Desporto de Portugal com o prémio de mérito desportivo. Sentamo-nos frente a frente, na sala com o seu nome. E as emoções pelo reconhecimento público de uma longa carreira dedicada ao associativismo desportivo continuam à flor da pele. 

“Imagine o que representa estar ali, perante uma plateia de 300 ou 400 pessoas, e chamarem-me para uma homenagem daquelas… mais do que o meu nome, chamarem o presidente da Santa Isabel! Foi um grande orgulho”, diz Alfredo Latas, incapaz de disfarçar a emoção.

Mas comecemos por coisas mais sérias. Primeira provocação: porque é que a columbofilia é desporto se os pombos é que se exercitam? A resposta surge pronta: “Também não queria que fosse o columbófilo a fazer 700 quilómetros num dia. Aí é que não haveria campeões”. Segunda: e como é que os pombos conseguem regressar a casa? “Esse, meu caro, é o segredo deles. Não me pergunte pois ninguém sabe”.

Era Alfredo Latas ainda adolescente quando se afeiçoou à columbofilia. Por essa altura vivia na Rua Alexandre Herculano, mas sempre que podia esgueirava-se para a zona do castelo. “Havia por lá uns cinco ou seis columbófilos, entre eles o Carapeta, e entretinha-me a olhar para o céu, como ainda hoje me entretenho, a ver os pombos. De modo que comecei a ganhar-lhe o gosto”, lembra. 

Às subidas ao castelo juntou-se, pouco depois, a frequência da Sociedade Columbófila cuja sede, por essa altura, ficava nas proximidades do pelourinho. Era o melhor de dois mundos. Além de estar com pessoas que partilhavam o mesmo entusiasmo, ainda tinha uma boa desculpa para justificar as saídas à noite. “Não havia sítio para onde ir. Hoje é que toda a rapaziada anda na rua às horas que quer e leva a chave de casa. Naquela altura era muito diferente”.

Aos 14 anos torna-se columbófilo. “O senhor Alexandre Madeira deu-me dois borrachos, uma senhora que também vivia na Alexandre Herculano deu-me outros dois e encontrei um ovo numa caixa junto ao pelourinho onde, por essa altura, finais da década de 60, se faziam soltas pelas Festas de Setembro”. Proprietário de cinco pombos, lá tratou de fazer uma “barraquita” para os instalar e treinar, mandando-os às provas de velocidade.  Uma “coisa pequena” que depois foi crescendo, à medida que o número de exemplares aumentava. 

Conta Alfredo Latas não ter sido difícil aprender a treinar os pombos. “O bichinho, pela inteligência dele, tem logo a tendência de vir para casa, onde é bem alimentado”. Por essa altura, lembra, nem havia ração feita. “Íamos ali ao Rossio [Marquês de Pombal], ao Mourinha, e comprávamos milho, gramicha, favas… fazíamos a mistura e dávamos aos pombos. Não havia vitaminas nem nada disso”.

Ora se os pombos, por norma, regressam a casa, então o segredo está em treiná-los para o fazerem de forma rápida. “Pois, fazerem-no depressa é que é pior. Chegar chegam, mas temos de trabalhar muito para que estejam em condições de participar nas provas”. É aqui que entram a perícia e a sensibilidade do treinador ou, para utilizar as palavras de Alfredo Latas, “está tudo na internet menos o kit de olhos e o kit de mãos, menos a habilidade de cada um”.

No seu caso continua a “voar os pombos” como sempre o fez. “Quando comecei só se levavam às provas os pombos acasalados e as fêmeas, quando têm borrachos pequeninos ou quando estão no choco entusiasmadas com os ovos, vêm mais rápido. Eu continua a voar assim, mas agora há muita gente que voa com os pombos separados”. Quer isto dizer que as fêmeas só veem os machos quando chegam o que as leva, por norma, a fazer melhores tempos.

“QUASE NUNCA ESTIVE PARADO”

Mobilizado para a tropa, é a mãe que fica encarregada de alimentar os pombos. O 25 de Abril “apanha-o” na Guiné, regressa em setembro de 1974, em setembro houve eleições para a Santa Isabel e inicia aí o seu percurso de dirigente associativo. “Desde essa altura quase nunca estive parado, se não era num órgão associativo era noutro. Tenho 39 anos de participação nos órgãos sociais, durante 24 anos fui presidente da direção desta casa. A columbofilia foi o meu trabalho cívico”, sublinha.

Dos seus mandatos à frente da Sociedade destaca a realização de uma exposição ibérica em janeiro de 2005, “que ainda hoje é uma referência a nível nacional”, bem como a  mudança para a atual sede e a “dinâmica” associativa que, apesar dos tempos, ainda se vai mantendo. “Esta é das poucas coletividades que abre todos os dias, à noite. Se não vêm mais pessoas, vêm menos, mas está aberta”. E a isso não é alheia a personalidade de Alfredo Latas, cujo interesse “sempre foi a existência de mais desportivismo e de menos campionite”.

Um dos maiores problemas do associativismo, acrescenta, decorre da alteração dos tempos, talvez do facto de os jovens “já não precisarem de desculpa para sair à noite”. A convivência nas coletividades começou a perder-se. E a evolução tecnológica não veio ajudar. “Há uns 20 anos as pessoas vinham à Sociedade para o encestamento [dos pombos], depois vinham buscar e trazer o relógio para marcarmos os tempos, depois, durante a semana, passavam duas e três vezes para verem os resultados. Hoje os pombos têm chip, a entrada é registada de forma eletrónica e os resultados estão na internet. Perdeu-se a necessidade de virem à coletividade”.

PAREDE DOS CAMPEÕES

Em matéria de columbofilia, uma prova de velocidade é aquela em que os pombos percorrem até 300 quilómetros. No meio-fundo fazem de 300 a 500. Acima disso são as provas de fundo. “Todo o maratonista corre 100 metros, ainda que mais devagar, mas nem toda a gente que corre 100 metros consegue acabar uma maratona”, lembra Alfredo Latas, garantindo que os pombos “é igual”. Por isso o treino é fundamental. E é aí que se fazem os campeões. Em Estremoz há vários. “Olhe, essa pomba, por exemplo, foi segunda classificada numa prova olímpica”, diz, apontando para uma parede da Santa Isabel, onde estão colocadas as fotografias dos pombos de sócios da coletividade que se sagraram campeões nacionais.

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