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Portalegre: Torre do Atalaião está à venda na Internet

Luís Godinho texto

Construção de finais do século XV, mandada edificar por Diogo da Azambuja, capitão famoso, tanto pela bravura dos seus feitos, quanto pela longevidade com que serviu a três reis”, a Torre do Atalaião, em Portalegre, foi colocada à venda através de uma agência imobiliária. Autarquia tem em curso processo para a classificar como Monumento de Interesse Municipal.

A Quinta da Azambuja, descrita pela imobiliária como “uma das mais emblemáticas” da cidade de Portalegre, está à venda por 585 mil euros. A proposta inclui quatro edifícios urbanos, o maior dos quais com 160 metros quadrados, e um terreno de 1,3 hectares com oliveiras e “diversos sobreiros de boa cortiça”. A “cereja no topo do bolo”, assim referida pelo promotor imobiliário, é a Torre do Atalaião, com “uma das vistas mais bonitas para a cidade de Portalegre”. Diz o vendedor que, aqui, “poderá ser desenvolvido um restaurante [ou] um bar com uma vista extraordinária”.
“De um ponto de vista público”, refere o historiador Francisco Bilou, “o que mais importa não é a quinta, mas garantir  salvaguarda da Torre, parte integrante da defesa militar da cidade”. Coautor, com o também historiador Rafael Moreira, do artigo “Dois monumentos esquecidos”, um dos quais o Atalaião, publicado no número especial da revista “Monumentos” dedicada a Portalegre, Francisco Bilou vê nesta venda uma possibilidade de o Estado intervir, “em particular a autarquia”, no sentido de “avaliar a possibilidade de trazer o monumento para a esfera pública, retirá-lo do estado de abandono em que se encontra e dar-lhe leitura histórica”.

Em setembro de 2020 a Câmara de Portalegre abriu o procedimento de classificação de diversos imóveis do concelho como Monumentos de Interesse Municipal, “edifícios e estruturas que representam valores culturais, arquitetónicos e paisagísticos significativos e cuja proteção e valorização se apresentam essenciais para a respetiva salvaguarda”. 

Entre eles está a Torre do Atalaião, também apelidada de Torre da Vigia ou Atalaia que, a partir desse momento, passou a ser considerada “em vias de classificação”, pelo que qualquer intervenção terá de ser obrigatoriamente “objeto de autorização e acompanhamento” por parte do Estado. Ainda assim, a autarquia optou por não delimitar zonas de proteção, “visto que os instrumentos de gestão territorial em vigor asseguram o enquadramento necessário à proteção e valorização dos bens imóveis” a classificar.

Rafael Moreira (do Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e Francisco Bilou (doutorando do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra) descrevem a Torre do Atalaião como “um monte de destroços, que apenas pode dizer algo a um arqueólogo”, dizendo-a “esquecida de todos (…), rodeada de mata, ao abandono, em zona privilegiada da cidade”. E, ainda assim, “até há pouco [tempo] superava os prédios mais altos, e ainda domina a cidade do alto, com a sua presença de sombra, qual espectro obscuro e silencioso”.

Erguido, provavelmente, sobre uma anterior construção do reinado de D. Dinis, o atual fortim datará de finais do século XV. “As paredes são espessas e têm aproximadamente 16 metros de lado (…) No alto, encontram-se restos de adarve [caminho de ronda] sem qualquer sinal de ter havido ameias. A face nordeste – caída em 1996 – tinha balcões de matacães [estruturas salientes com abertura na parte inferior para observar o inimigo ou para deixar cair projécteis] angulares (…), tendo a meio porta retangular, a 1,50 metros acima do solo, e cinco matacães sobre ela. A face noroeste mostra uma porta comum com balcão de matacães descentrado, a sudoeste três e a sudeste dois – hoje todos abertos – , não enviesados, mas perpendiculares ao plano do muro”, escrevem os autores de “Dois monumentos esquecidos”.

No interior subsistem “restos de três compartimentos separados por espessos muros de pedra, formando dois espaços quadrados na metade ocidental e um vasto pátio a oriente na zona voltada à serra”. Era aqui que se “concentrava” a defesa da estrutura, “ao passo que o disparo dos canhões de largo alcance visava mais os ângulos de tiro sobranceiros à cidade. Seria uma torre de vigia, sem dúvida; mas também um forte avançado para defesa e contra-ataque”.

HISTÓRIA DE ABANDONO

Ainda de acordo com Rafael Moreira e Francisco Bilou, a primeira imagem do monumento é uma gravura de 1704 “que descreve o cerco posto nesse ano à cidade pelo exército castelhano de Filipe V, que a conquistaria”. O mais provável, dizem, é que a aparência do monumento,  por essa altura, já fosse “diferente” da torre que surge na gravura. Isto porque alguns anos depois, nas “Memórias Paroquiais”, o pároco de São Lourenço refere que Portalegre “tem castelo e torres antigas, e uma fortaleza chamada o Atalaião distante da cidade um tiro de bala mas também destruída”. 

Certo é que a construção do fortim, como hoje ainda o vemos, se deve a Diogo de Azambuja, nascido em Montemor-o-Velho em 1432, “figura central da expansão portuguesa”, um “capitão famoso, tanto pela bravura dos seus feitos, quanto pela longevidade com que serviu a três reis”. 

Homem da “confiança pessoal” de D. João II, foi chamado da Mina no verão de 1484 e “convidado a assistir à morte, por traição, do duque de Beja”, tendo-lhe sido “confiado o cargo de alcaide-mor de Monsaraz”.

Aqui residia em 1494, antes de decidir fixar-se na Serra de São Mamede, junto a Portalegre. Revelam os historiadores que “aí viveu os anos suficientes para criar uma tal ligação à terra que justificaria que o seu nome ficasse na memória local, na torre e casa forte que erguera – a Quinta do Azambuja”. A mesma que agora surge à venda numa página de Internet.

OUTRO MONUMENTO ESQUECIDO

No artigo que publicaram na revista “Monumentos”, editada pela Direção-Geral do Património Cultural, os historiadores Rafael Moreira e Francisco Bilou chamam a atenção para outro monumento “esquecido” da cidade de Portalegre: a casa-torre quatrocentista da Quinta dos Cantarinhos, mandada construir pelo “fidalgo e erudito” Manuel de Sousa (1490-1550), alcaide de Arronches. Sublinhando os “singulares elementos artísticos que sobreviveram ao abandono e ao gosto de novos proprietários”, os autores destacam “o ambiente classicista do conjunto, ao modo de villa senhorial”.

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