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Perda de poder de compra dos professores (2010-2021) – opinião

Manuel Baiôa texto

Artigo de opinião de Manuel Baiôa, professor de História e dirigente do Sindicato Democráticos dos Professores

A Função Pública e os professores do ensino básico e secundário sofreram desde 2009 uma perda de poder de compra de cerca de 13% no seu vencimento ilíquido, pela não atualização dos salários face à inflação. O que se conseguia comprar em 2009 (ano base: IPC=100) com 100 euros, compra-se agora com 113,7 euros, só por via da desvalorização face à subida dos preços (taxa de inflação), sendo que se verificou ainda uma diminuição significativa dos salários líquidos por via dos aumentos na ADSE (de 1,5% para 3,5%) e no IRS ocorridos na última década.

Portanto, considerando só os encargos diretos a perda de poder de compra cifra-se em cerca de 20% até 2021. Podemos ainda acrescentar a fiscalidade indireta (impostos indiretos) que agravaram o poder de compra dos portugueses durante estes anos, nomeadamente os impostos sobre o tabaco, os combustíveis, as bebidas alcoólicas, as bebidas açucaradas, entre outros, pagos pelos consumidores que subiram bastante nos últimos anos.

Durante os anos da “Troika” os funcionários públicos tiveram cortes nominais na ordem dos 20%, que, entretanto, foram revertidos. No entanto, ao longo destes últimos 12 anos os funcionários públicos tiveram uma perda de poder de compra da mesma ordem de grandeza devido à não atualização dos salários face à inflação e à subida dos impostos. Por isso existem milhares de professores que têm um salário líquido em 2022 inferior ao que tinham em 2010.

No ano de 2022 espera-se uma inflação de 7% a 8%, pelo que a confirmar-se o anunciado aumento dos funcionários públicos em torno dos 2%, teremos mais uma perda significativa do poder de compra destes trabalhadores, que já ultrapassará os 25%, tendo em conta o ano base de 2009.

Se fizermos uma análise considerando a evolução do salário mínimo em Portugal face aos salários dos professores, verificamos uma forte desvalorização salarial destes últimos. O salário líquido de um professor em início de carreira (1.º escalão) situa-se atualmente em torno dos 1000 euros. Em 2010 um professor em início de carreira ganhava um pouco mais de dois salários mínimos, hoje ganha 1,5 salários mínimos. Com cerca de 30 anos de serviço um professor está neste momento ainda no meio da carreira (estando entre o 4.º e o 6.º escalão devido aos congelamentos e às cotas no acesso ao 5.º e ao 7.º escalão) e poderá ter um salário de 1400 a 1500 euros líquidos neste momento.

Em 2010 um professor no meio da carreira ganhava três salários mínimos, hoje ganha dois salários mínimos. Neste momento poucos professores irão chegar ao 10.º escalão, fruto do congelamento da carreira (cerca de 10 anos, dos quais só foram recuperados 3) e dos garrotes no acesso ao 5.º e ao 7.º escalão. A classe docente está muito envelhecida e desmotivada por toda esta situação, o que tem reflexos óbvios no trabalho que desenvolve na escola.

Este desinvestimento nos salários dos professores é uma das componentes da diminuição do investimento na Educação por parte do Estado nos últimos 12 anos, pois a despesa em percentagem do PIB passou de 6,7% em 2010 para 4,5% em 2019.

O salário baixo é a principal razão para a falta de professores que existe atualmente em Portugal e para o desinteresse dos jovens em seguir esta carreira. É claro que existem muitos outros motivos que levam a esta situação, nomeadamente, a instabilidade laboral, devido às mudanças contínuas de escolas que um professor tem de passar nas primeiras décadas da profissão, a dificuldade em entrar na carreira (muitos professores só ganham vínculo ao Estado com mais de 40 ou 50 anos de idade), a carreira pouco atrativa e a diminuição da oferta universitária de cursos de formação de professores.

Nos últimos anos milhares de professores com uma formação sólida abandonaram a profissão para seguirem outros empregos com perspetivas mais aliciantes. No entanto, muitos regressariam à escola se as condições de trabalho fossem outras.

O governo e os sindicatos têm de procurar estabelecer um pacto para a próxima década no sentido de recuperar o poder de compra dos professores e da função pública em geral. Seria razoável procurar ter aumentos salariais todos os anos 1% acima da inflação. Seguindo esta proposta em 2033 os funcionários públicos continuariam a ter uma perda de poder de compra face ao ano base de 2009, mas recuperariam rendimentos face ao momento atual.

Outra proposta razoável é a recuperação faseada dos sete anos de serviço congelados dos professores. Os governos autónomos da Madeira e dos Açores negociaram com os sindicatos uma proposta de recuperação gradual do tempo de serviço prestado, mas não contabilizado na carreira dos professores.

Se esta trajetória de perda contínua do poder de compra dos professores não for alterada, teremos de recorrer brevemente a profissionais com capacidades e conhecimentos limitados, que se contentem com um salário baixo para “darem umas aulas”.

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