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“Financiamento dos corpos de bombeiros é insuficiente”

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Os bombeiros de Estremoz festejaram 90 anos. Em entrevista ao Brados do Alentejo, o presidente da associação, Carlos Ferreira, lembra o esforço de “muitos heróis anónimos” que ao longo dos anos se entregaram ao socorro de pessoas e bens, mas lembra as responsabilidades do Estado, cujo financiamento tem sido “insuficiente” para reequipar as corporações e, principalmente, para atrair e fixar voluntários e profissionais.

E no princípio, no princípio, a 26 de junho de 1933, não foi o verbo, mas o fogo. Um incêndio num olival próximo de uma serração de mármores, em Estremoz, ao qual “acorreu muito povo”, sem meios para o apagar. Logo depois houve uma reunião que juntou três homens, o capitão de cavalaria Gustavo Castelo Branco, Cipriano Caeiro e Daniel Pereira, sendo que o encontro teve por palco a barbearia deste último. Começou assim a ganhar forma a criação de um corpo de bombeiros na cidade de Estremoz, que em agosto desse ano já contava com 36 inscritos.

Nem de propósito. A 7 de outubro de 1933, a cidade foi assolada “pelas maiores inundações de que há memória”, tendo a nova corporação sido “obrigada a demonstrar na prática as nobres intenções” com que havia sido criada. “Tendo algumas pessoas dado gratificações a alguns bombeiros quando há dias houve a inundação, roga-se o obséquio de o não tornar a fazer, porque pelo regulamento é punido o bombeiro que receba qualquer gratificação por serviço prestado em socorro de qualquer natureza”, assinalava Gustavo Castelo Branco em artigo publico no Brados do Alentejo.

Estavam criados os bombeiros de Estremoz. Aqueles “heróis anónimos” a que se refere o atual presidente, Carlos Ferreira. “É já uma caminhada longa, com algumas deceções, algumas falhas, mas muitos momentos de alegria. Cá estamos para cumprir a nossa missão e temos a capacidade de continuar a cumprir o que a população espera de nós”, acrescenta o presidente da Associação Humanitária, referindo que hoje, como nesses tempos iniciais, o voluntariado continua a ser “essencial” ao cumprimento das missões de socorro

“Todo o socorro aos fins de semana e feriados e durante a madrugada é assegurado, ainda, por serviço voluntário”, revela Carlos Ferreira, lembrando que as missões atuais “são muito diferentes” das do passado. “Há coisas que já não se compadecem com tocar a sirene e ficarmos à espera que as pessoas venham a correr para ir ajudar quem precisa. Tem de haver no quartel gente em prontidão para sair”. Daí que a corporação tenha no ativo duas Equipas de Intervenção Permanente (EIP), cada uma das quais composta por cinco elementos, e que garantem a resposta durante 16 horas diárias, todos os dias do ano.

“Temos toda a outra atividade de transporte de doentes, isso é à parte, estes elementos estão exclusivamente afetos ao socorro, a qualquer emergência. É uma resposta imediata e altamente profissionalizada. E este é outra das grandes diferenças em relação ao que sucedia há 20 anos: a profissionalização e a capacidade técnica dos nossos elementos é agora muito superior”, diz Carlos Ferreira, revelando existir a “expectativa” de criação de uma terceira EIP. O concurso está aberto para preencher os cinco lugares necessários, mas até ao momento surgiram apenas duas candidaturas. 

“Não sei se vamos conseguir concretizar esse projeto”, garante o presidente da associação, lamentando a pouca “capacidade para atrair e fixar” bombeiros nos quartéis, não apenas no de Estremoz. “A sociedade está diferente, há muitas outras apetências e também não temos capacidade financeira para tornar a carreira [de bombeiro] mais atrativa, para que os jovens pensem nisto como uma carreira de futuro que lhes permite fazer a sua vida. Captar novos bombeiros e manter os que cá estão é uma das grandes preocupações que temos”, sublinha. “Para a nossa responsabilidade, para tudo aquilo a que temos de responder, o financiamento do Estado é insuficiente”.

São preocupações a que se somam outras, como a da idade das viaturas. “Esta deve ter mais de 30 anos, aquela terá a mesma idade e esta também. Não há renovação do parque de viaturas e nós não temos capacidade financeira para o fazer”. Para as ambulâncias, cujo preço ronda os 60 a 70 mil euros, ainda tem sido possível encontrar soluções. “Mas uma viatura de combate a incêndios”, refere Carlos Ferreira, “custa de 270 a 300 mil euros e é completamente impensável que tenhamos capacidade para as substituir”. 

Há anos que se fala na necessidade de um plano de reequipamento das corporações de bombeiros. O problema é que as respostas “tardam em aparecer” e as boas ideias demoram a sair do papel. Acresce que a provecta idade deste parque automóvel faz com que as despesas de manutenção pesem, “e de que maneira”, no orçamento da associação. “Só no ano passado gastámos, em oficina externa, 120 mil euros em reparação de viaturas. É muito dinheiro. Se fossem mais recentes gastaríamos menos”.

“NÃO NOS METEMOS EM CAVALARIAS”

De um ponto de vista financeiro, diz Carlos Ferreira, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Estremoz está “estável” e isso decorre de a instituição “não se meter em cavalarias a que não pode responder”. Dito de outra forma, “poderíamos ter feito um empréstimo para comprar uma viatura nova de combate a incêndios, mas depois, de calhar, não teríamos dinheiro para a pagar”. Assim, a solução está em investir “o possível” na manutenção, evitando que os problemas se agravem.

“Se não vier apoio para a substituição das viaturas e, principalmente, um reforço financeiro para que possamos pagar melhor aos bombeiros, as coisas complicam-se”, antecipa o presidente da associação, garantindo que os bombeiros de Estremoz “estão em condições de cumprir plenamente” as missões de socorro para que são chamados.

FALTAM APOIOS

O presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Estremoz reconhece que “para as capacidades técnicas e para a responsabilidade” que é exigida aos bombeiros, o que as associações têm para oferecer “não é muito atrativo”. E, por isso, defende a necessidade de um “reforço do financiamento” por parte do Estado, bem como a adoção de incentivos ao nível dos municípios. “Temos estado a desenvolver um protocolo com a Câmara de Estremoz para, de alguma forma, ajudar a captar ou a manter alguns voluntários, e que inclui incentivos desde isenção de algumas taxas, redução de impostos municipais, entradas gratuitas em eventos e equipamentos municipais”. 

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