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Os seis alentejanos que embarcaram na aventura de Magalhães

José António Martins (historiador) texto

No dia 20 de setembro de 1519, cinco naus com mais de 240 tripulantes intentam a aventura de chegar às Molucas por ocidente, naquela que ficaria para a História como a primeira viagem de circum-navegação ao planeta. Liderada pelo capitão-mor português Fernão de Magalhães, a armada castelhana integra seis alentejanos, três dos quais de Estremoz. A “aventura” terminaria três anos depois quando uma das cinco naus – a Victória – regressou à Andaluzia com 18 homens a bordo. Só um dos alentejanos sobreviveu à viagem por ter regressado mais cedo. 

Quando a “Armada da Especiería”, assim referida na documentação e também conhecida por “Armada das Molucas”, saiu de Sanlúcar de Barrameda (cidade localizada no sul da Andaluzia), Juan Sebastian Elcano, um basco com cerca de 32 anos de idade, entrou como tripulante da nau Victoria, sendo seu mestre (encarregado do aparelhamento e das velas da embarcação) e sob o comando de Juan de Quesada. Seria ele a comandar a nau quando esta regressa à Andaluzia, três anos depois. 

Contudo, é por demais evidente que sem a liderança do capitão-mor da armada, o português Fernão de Magalhães, e sem os seus amplos conhecimentos e experiência de “homem do mar”, esta viagem não se teria concretizado, cabendo a Carlos I de Espanha a visão de ter acreditado num estrangeiro, o qual intentou num objetivo, embora interrompido, no dia 27 de abril de 1521, por uma escaramuça, tornada batalha, entre castelhanos e indígenas, pensando que os enquadraria nos desígnios da sua liderança, sem ter ponderado o número das forças em presença e os meios usados pelos atacantes, desvalorizando a sua estratégia de combate. 

Tratou-se de uma viagem difícil, marcada pela fome (chegou-se ao limite extremo de ser necessário comer ratos e couros das velas das naus), sede, frio polar (alguns homens morreram em virtude das suas mãos terem caído por congelação), temperaturas extremas de calor abrasador, motins que tiveram um fim cruel e aterrador e até ciladas, ficando célebre a acontecida em Cebu onde, a pretexto de um banquete, ocorreu uma chacina.

Do conjunto da tripulação distribuída pelas cinco naus, sabemos que a maior parte era constituída por homens ligados ao mar e por tantos outros, muito novos, que desejavam singrar na vida, como capitães, pilotos, mestres, contramestres, marinheiros, grumetes ou pajens. Desses homens, 20 eram carpinteiros e calafates; três barbeiros e um era cirurgião. Outros 20 tinham funções diversas, tais como religiosos, escrivães, tradutores, despenseiros ou “sobressalentes”. 

Do número total de portugueses que se alistaram como tripulantes (pouco mais de 30 homens), apenas se conhecem 17, como oriundos de localidades bem documentadas, entre os quais Fernão de Magalhães. Destes 17 homens, a maior parte tem origem no Alentejo e a terra portuguesa que contribuiu com maior número de homens foi Estremoz, onde se alistaram um pai (Álvaro Mesquita), o seu filho (Francisco Mesquita) e um outro natural desta vila alentejana, de seu nome Gonçalo Rodrigues. 

Aliás, Álvaro Mesquita, integrando-se como “sobressalente” na nau Trinidad e mais tarde como capitão da nau San Antonio, viria a ter um protagonismo assinalável no decurso dos acontecimentos durante a viagem, tendo sido preso quando chegou a Espanha em 6 de maio de 1521, provindo da nau desertora San Antonio, sendo libertado graças ao testemunho dado por Elcano, quando este regressou no ano seguinte. Porém, o seu infortúnio maior seria a perda do filho, Francisco Mesquita (que ingressara na nau Trinidad como pajem de Fernão de Magalhães) e que falecera no dia 1 de maio de 1521, em Cebu, vítima de uma cilada perpetrada pelo chefe da ilha. 

Não sendo nosso intento caracterizar, em pormenor, neste espaço, o conjunto dos tripulantes portugueses em geral, e dos alentejanos em particular (considerando que no atual estado dos nossos conhecimentos muito trabalho há que fazer, uma vez que será necessário consultar, sobretudo, a vasta documentação existente no Arquivo Geral das índias, em Sevilha), centremo-nos naquilo que existe à nossa disposição para conhecer estes homens do Alentejo. 

Contudo, convém não esquecer que a homenagem a todos estes portugueses que ingressaram como capitães, criados, despenseiros, ferreiros, grumetes, homens de armas, pajens e “sobressalentes” (também designados como “supranumerários”) será algo que não podemos esquecer no decurso de cerca de ano e meio que nos falta para findar a efeméride, isto é, até 6 de setembro de 2022, quando se completarem 500 anos do regresso de Juan Sebastían Elcano. 

SEIS ALENTEJANOS FIZERAM A VIAGEM 

Provindos do Alentejo, e por ordem alfabética das localidades, estiveram homens (alguns muito jovens) de Estremoz, Elvas, Montemor-o-Novo e Moura. O exemplo de Estremoz apresenta-se como singular ao conjunto de todos os portugueses, constituindo a única localidade com três elementos que se alistaram como tripulantes. Tal facto terá sucedido em virtude de dois desses homens (Álvaro e Francisco de Mesquita) serem parentes de Fernão de Magalhães e o terceiro (Gonçalo Rodrigues) ser amigo de ambos. Basta ver em que categorias ingressaram para comprovar este raciocínio, pois todos estavam sob as ordens do capitão-mor e na mesma nau, a Trinidad. As funções a que estavam afetados também nos induzem neste raciocínio, pois estavam sob a dependência do capitão da nau.

Álvaro Mesquita (cerca de 25 anos de idade) foi “sobressalente” [na documentação a expressão utilizada é “sobressaliente” e também se pode designar por “supranumerário”]. Do conjunto total de 67 tripulantes inseridos nesta categoria, as suas funções estavam ligadas ao uso de armas e defesa da embarcação, isto é, a combater. Também eram designados como criados ou gente de confiança dos capitães. 

Francisco Mesquita (entre 8 e 15 anos de idade) foi contratado como pajem mas, embora inscrito nessa categoria, ficou sob a supervisão de Fernão de Magalhães. Num conjunto total de 12 pajens que se incorporaram, havia dois tipos desta categoria funcional. Existiam os pajens recomendados, que estavam sob a proteção de um oficial superior e que tinham o intuito de iniciar uma carreira. A outra tipologia seria formada por aqueles jovens que não tinham um protetor e obedeciam a todos. A estes estavam destinados os trabalhos mais penosos. 

Gonçalo Rodrigues (mais de 25 anos de idade), seguiu viagem como criado, tendo entrado no conjunto da tripulação sob as ordens de Fernão de Magalhães. Antes tinha sido também criado de D. Martinho de Castelo Branco. 

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