Fundada em 1934, a Associação Humanitária celebra nove décadas de socorro às populações. Apesar das dificuldades, sobretudo financeira, uma segunda Equipa de Intervenção Permanente estará para breve.
Ana Luísa Delgado (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)
Os Bombeiros de Arraiolos estão a assinalar o 90.º aniversário. Fundados a 1 de janeiro de 1934, a “formatura” para festejar a data realizou-se no passado fim de semana, no que o presidente da direção, Luís Gomes, classifica como “um encontro dos bombeiros de ontem e de hoje”, momento para recordar “os bons momentos”.
Sendo o momento de festa, Luís Gomes lamenta a que a instituição esteja “limitada” em termos de receitas. “Estamos a funcionar graças a um empréstimo de 300 mil euros e a uma conta caucionada de 100 mil. Ou seja, foi preciso recorrer à banca para podermos manter as portas abertas”, diz o presidente da associação, lembrando o papel “imprescindível” dos bombeiros no socorro às populações. Tanto mais que, em Arraiolos, as urgências do centro de saúde durante o fim de semana encerram às 15h00, obrigando os doentes, muitos deles idosos,. a deslocar-se a Évora.
Quando é que começaram estas dificuldades de financiamento?
É um problema que se arrasta desde 2002, quando deixámos de ter alguma disponibilidade financeira. Nós prestamos socorro às populações, as únicas receitas que temos são relativas ao transporte de doentes não urgentes, porque o transporte dos doentes é feito através do INEM, e, como tal, os táxis e empresas de ambulâncias de transporte de doentes foram-nos fazendo concorrência.
Diz Luís Gomes que a concorrência, propriamente dita, “não está em causa”, mas a verdade é que a Associação Humanitária começou a perder alguns serviços. De acordo com o presidente da associação, uma “grande valência em termos de receita” é proveniente da Câmara de Arraiolos, que agora atribui aos bombeiros um subsídio anual de 80 mil euros, além de apoios pontuais para infraestruturas ou equipamentos. “Ofereceu-nos um autotanque pois o que tínhamos já estava com o ‘peito no pasto’, como costumamos dizer”.
Os Bombeiros de Arraiolos vão ter uma segunda Equipa de Intervenção Permanente (EIP)?
Temos uma equipa, que como sabe é custeada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e pela Câmara. Candidatámo-nos a uma segunda EIP, já aprovada, mas que não entrou ainda em atividade… bom, estamos à espera que sejam resolvidas algumas questões pendentes. É importante esta segunda equipa pois há muita dificuldade em arranjar pessoal disponível para prestar serviços. Temos um quadro com, com o comando e chefias, ronda os 70 bombeiros voluntários. Como, felizmente, há muito pouco desemprego, há uma necessidade de pessoal no dia-a-dia. Quando toca a sirene os voluntários estão presentes, sempre assim foi, mas essa segunda EIP seria uma mais-valia para o socorro no concelho.
Quantos bombeiros são contratados?
À volta dos 36 elementos.
Calculo que estejam a sentir mais dificuldades devido ao aumento do preço dos combustíveis.
E de que maneira! O preço que está estabelecido por quilómetro não acompanha o aumento do combustível. Isto é notório e do conhecimento de todos. Se a memória não me falha é-nos pago 0,71 cêntimos por quilómetro e, se fizermos as contas, o custo por quilómetro será superior. Estamos a perder dinheiro. Alguém até poderia dizer que se estivéssemos parados seria melhor, de um ponto de vista financeiro, mas não podemos ficar parados porque a população precisa de nós.
Há corporações que têm tido dificuldade acrescida em recrutar voluntários e o número de bombeiros tem diminuído. Qual a situação em Arraiolos?
Nós temos procurado sempre recrutar, tivemos a “Escolinha de Bombeiros”, antes da covid-19 tínhamos à volta de 30 crianças que queriam ser bombeiros, mas depois veio a pandemia e tudo isso parou. Estamos a tentar novamente, a ver os que ficaram e querem continuar. Claro que o voluntariado em Portugal em crise porque surgem outras opções na sociedade. Em boa verdade, nós vamos mantendo a casa “mais ou menos cheia”, mas notamos alguma desmotivação da malta mais jovem. Daí a importância desse trabalho com os mais novos.
O aniversário foi assinalado com o hastear da Bandeira Nacional, primeiro no quartel dos bombeiros, depois nos Paços do Concelho. O dia também foi de missa, sessão solene e romagem ao cemitério. “Quisemos recordar todos aqueles que por aqui passaram e que para nós continuam presentes, nomeadamente na pessoa do comandante Caixeiro que foi a pedra basilar que iniciou este corpo de bombeiros em 1934”, conta Luís Gomes.
Reza a história que a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Arraiolos foi fundada em 1 de janeiro desse ano, com um efetivo de 20 homens. A primeira sede situava-se no Bairro Serpa Pinto, conhecido por Vendas, mas as instalações eram insuficientes mesmo para os reduzidos meios humanos e materiais disponíveis na altura. Nos primeiros anos a corporação teve muita dificuldade em desenvolver o seu trabalho, que então se centrava essencialmente no combate a incêndios.
Por falta de recursos financeiros eram frequentes as subscrições públicas, como a que foi aberta nas páginas do jornal “O Arraiolense”, destinada à compra de material. E foi assim que os bombeiros puderam adquirir as primeiras viatura: uma Peugeot, que eles próprios transformaram em pronto-socorro, e um automóvel ca companhia americana Marmon convertido em ambulância (ou auto-maca, como se dizia na época). O atual quartel foi inaugurado em janeiro de 2007, projeto que levou mais de uma década a concretizar e que representou um investimento de 1,2 milhões de euros
Ao longo destes 90 anos, assinala Luís Gomes, os Bombeiros de Arraiolos tiveram apenas três comandantes: o comandante Caixeiro, António Gabriel e o atual, António Campos. “Isso significa muito, significa que sempre souberam estar à altura de comandar os homens e as mulheres que, voluntariamente, se dedicam a ajudar os outros”, conclui.