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O monte alentejano onde nasceu a Revolução de Abril

Há 50 anos, 136 militares militares reuniram-se no Monte do Sobral. Foi o primeiro passo para a criação do MFA. Ana Luísa Delgado (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

9 de setembro de 1973. Junto ao Templo Romano de Évora e numa bomba de gasolina que então existia na entrada sul da cidade, dezenas de capitães recebem discretamente, um a um, o croqui do percurso que teriam de realizar até ao ponto de encontro. Vasco Lourenço, um desses capitães e, hoje, presidente da Associação 25 de Abril, guardou um desses croquis.

O mapa aí esboçado indicava o caminho: saída de Évora pela estrada das Alcáçovas, passagem de uma linha de caminho-de-ferro, hoje inexistente, antes de São Brás do Regedouro, e de uma outra, percorridos cerca 10 quilómetros, embora o documento advertisse que “as distâncias indicadas são apenas aproximadas”.

Aqui chegados, depois da estação ferroviária de Alcáçovas, havia que virar à esquerda, percorrer mais quatro quilómetros e virar à direita, em direção ao Monte do Sobral, por um caminho de terra batida, logo a seguir a uma vedação com arame farpado. “Aqui se reuniram 136 capitães, com motivações diversas, a maioria em atitude de contestação aos decretos que violentavam os mais elementares direitos dos oficiais atingidos pelas medidas daí resultantes”, lembra Vasco Lourenço, 50 anos depois.

Em causa, explica Maria Inácia Rezola, comissária executiva das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, estavam dois decretos-lei assinados pelo ministro do Exército, Sá Viana Rebelo, publicados em julho e em agosto de 1973, através dos quais “o regime pretendia fazer face à falta de candidatos à Academia Militar e, consequente, de oficiais na frente de combate em África”.

Por promoverem a “rápida passagem dos oficiais milicianos ao quadro permanente” das Forças Armadas, estes dois diplomas estavam a ser duramente criticados pelos militares de carreira. “Não deixa de surpreender a sua [de Sá Viana Rebelo] falta de visão e de cálculo num momento tão delicado como o que então se vivia, em que era óbvio o desgaste provocado por mais de uma década de guerra colonial”, sublinha Maria Inácia Rezola.

A reunião no Monte do Sobral foi organizada por um conjunto de seis capitães: Vasco Lourenço, Carlos Camilo, Rosário Simões, João Bicho Beatriz, Carlos Clemente e Diniz de Almeida, a quem se ficou a de- ver a escolha do local. Mandava a prudência que uma reunião clandestina, ainda para mais envolvendo militares no ativo, se realizasse em sítio discreto.

Foi por isso que Diniz de Almeida se lembrou de pedir ajuda a um primo, chamado José Leitão, que namorava com uma rapariga cujo pai, Celestino Garcia, era rendeiro de um monte nas proximidades de Alcáçovas.

Num artigo publicado na revista “O Referencial” (julho/setembro de 2013), José António Santos conta o embaraço de José Leitão na abordagem ao futuro sogro com o pedido para fazer uma reunião no monte. “[A certa altura] o rendeiro Celestino Garcia intuiu querer o rapazote o monte para um encontro subversivo e, à queima-roupa, disparou-lhe: se querem o monte para conspirarem ou fazer uma revolução empresto já”. E assim foi.

Reunidos num barracão e sentados em fardos de palha, os capitães haveriam de aprovar um abaixo-assinado, posteriormente enviado ao presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, no qual assinalam que os dois decretos-lei então publicados continham medidas “conducentes à revolta de espírito e à desmoralização”, constituindo “um profundo golpe num equilíbrio já de si instável” e permitindo “ultrapassagens” na carreira militar, “mais do que inconvenientes, imorais”. Estava criado o Movimento das Forças Armadas que, passados oito meses, haveria de protagonizar a queda do regime.

Na reunião do Monte do Sobral, lembra Vasco Lourenço, participaram militares “guiados pela vontade de aproveitar o enorme descontentamento” que se fazia sentir no Exército para “resolver” o “problema magno” que os preocupava, a continuação “de uma guerra sem sentido”, iniciada mais de 10 anos antes. Prova disso, acrescenta, é que um dos militares presentes foi José Luís Cardoso, mais tarde advogado e Governador Civil de Évora, “que beneficiaria pessoalmente dos decretos, [sendo] por isso impensável ser visto como contestatário dos mesmos” diplomas.

Com a reunião no Monte do Sobral, Francisco Carvalho, presidente da Junta de Freguesia de Alcáçovas, diz que a terra ficou com o seu nome “incontornavelmente marcado na história contemporânea portuguesa”, tendo ali nascido “uma revolta mais ampla, mais consistente e mais consequente”.

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