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Euclides Silva: “O despovoamento é o grande problema”

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Nas últimas cinco décadas, a freguesia de Cano (Sousel) perdeu mais de metade da população. Para o presidente da Junta de Freguesia, o despovoamento é o “grande problema” da terra, que chegou a ser concelho. Em projeto está o arranjo do Rossio. À agricultura, principal base da economia local, soma-se a atividade de empresas familiares como a salsicharia Canense, onde pontifica Octávia Rebelo, “património” da gastronomia nacional.

“As ruas são compridas, mas muitas casas estão fechadas. Talvez metade. E muitas das restantes apenas ganham vida aos fins de semana ou em dias de festa”. O desabafo de Euclides Silva, o novo presidente da Junta de Freguesia de Cano, traduz uma preocupação crescente com o despovoamento do interior do país, particularmente sentido nas terras mais pequenas. As cidades perdem população para o litoral. Vilas e aldeias ficam vazias. “Os alunos vão estudar para fora e já não regressam, é por lá que fazem a sua vida”, diz o autarca, sabendo bem do que fala, ou não tivesse um filho a trabalhar em Lisboa.

Cano é um bom exemplo desse despovoamento contínuo que tem marcado a região. Em meados do século anterior, viviam na vila mais de três mil pessoas. No último censos, realizado em 2021, restavam 1266 habitantes, um terço dos quais com mais de 65 anos. “Esse é o grande problema. É um problema nosso e de todo o Alentejo, embora se note mais nestas terras mais pequenas. Os mais novos abalam, os mais velhos vão morrendo e não é fácil sair deste ciclo, até porque faltam oportunidades de emprego”.

À hora a que nos dirigimos para a Fonte das Bicas, construída em 1826 e um dos locais de paragem para quem visita a vila, as ruas estão quase desertas. Para os mais de seis hectares que se estendem frente à Fonte, o Rossio, está prevista desde 2017 uma intervenção destinada a tornar o espaço “mais atraente e confortável, tanto para a população como para visitantes”.  

O projeto, elaborado pela Câmara de Sousel, integra o Programa Estratégico de Reabilitação Urbana de Cano e inclui diversas intervenções como a criação de um circuito de manutenção e de áreas de encontro e de convívio, iluminação pública e arborização, além de uma nova rotunda “como forma de enfatizar a transição de ambientes rodoviários, nomeadamente, do meio rural para a entrada no aglomerado urbano”.

“É um dos grandes projetos para a freguesia”, reconhece Euclides Silvas, dizendo-se “esperançado” na sua concretização durante o atual mandato. A preços de 2017, as intervenções no Rossio e nos espaços adjacentes e a reabilitação da Casa do Povo, convertendo-a em lar/residencial de apoio ao Centro de Atividades Ocupacionais, estavam orçadas em 3,2 milhões de euros.

No âmbito do programa foi feito o levantamento do estado dos diversos edifícios da freguesia, tendo os técnicos concluído que cerca de 46% (175 edifícios) necessitam de intervenções, algumas das quais “mais complexas, que podem obrigar a trabalhos de demolição e reforço estrutural”. 

Autor de vários livros sobre a história do concelho de Sousel, João Richau explica que a “fartura de água” fez com que o território fosse ocupado desde tempos pré-históricos, como o comprovam a Anta do Medronhal ou os vestígios do povoado de São Bartolomeu. O documento mais antigo a referir a povoação data de 1279. Trata-se de uma “Carta de Composição” através da qual o Bispo de Évora, D. Durando Pais, e o mestre da Ordem de Avis. D. Simão Soares, procuram regular as relações entre as duas instituições.

Quanto à origem do topónimo, João Richau diz que “se não derivar do árabe qanāt (conduta de água subterrânea), é muito provavelmente derivado do termo latino canna (que significaria juncos, caniços ou canas)”. A vila teve foral, atribuído por D. Manuel I em 1512, tendo o concelho sido extinto em 1836. O pelourinho remete-nos para esse período e é local de visita obrigatória, tal como a Igreja Matriz, ali ao lado, mandada construir sobre um templo primitivo no início do século XVI. Tudo isto estava dentro do castelo, do qual não restam vestígios.

Então como hoje, lembra Euclides Silva, a agricultura “continua a ser o principal suporte” económico da freguesia. A que se juntam “algumas empresas familiares com tradição na vila”, entre as quais as queijarias Saianda e Lameirinha, a padaria Boavista ou a Salsicharia Canense, onde pontifica Octávia Rebelo, 74 anos, 

de onde saem os mais variados enchidos de porco alentejano, além de uma cabeça de xara, receita antiga, “capaz de fazer cair em tentação quem se recusa a comer porco por questões religiosas”, como escreveu Edgardo Pacheco, no “Público”, classificando a arte de Dona Octávia como “património nacional”.

OCTÁVIA REBELO aprendeu com a sogra o “segredo” dos enchidos tradicionais

Nascida em casa de gente pobre, numa família com seis irmãos, Octávia começou a trabalhar no campo, tinha os seis anos acabados de fazer. Aos 16 mudou-se para casa dos sogros, aí aprendendo o “segredo” dos enchidos. “Aprendi com a minha sogra, Joana Maria Rato, e com a avó do meu marido, que se chamava Maria José. A alegria da minha sogra era ver uma chaminé de carne bem feita. E eu continuo a fazer como os nossos antigos faziam, e com o gosto que eles tinham por isto”, conta.

Por aqui todos os pormenores contam. A carne é apenas de porco alentejano, a tripa é natural, “como sempre se fez”, o pimentão em rama e o alho são comprados na terra, as ervas aromáticas vêm do quintal. O lume é de chão, pelo que os enchidos são todos feitos de outubro a maio, alimentado exclusivamente com lenha de azinho. “Como os nossos antigos faziam”, recorda.

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