Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)
Eis a história de um produtor que rumou à Vidigueira para fazer vinhos de “fusão” entre a tradição alentejana da talha e a sua herança nortenha.
A casa onde Hamilton Reis vive com a família fica por cima da adega que construiu na propriedade que apelidou de Monte Natus, a dois passos de Vila de Frades. Encontramo-nos no último dia de vindimas. Está uma manhã nublada e chuvosa. As uvas já foram retiradas do cacho (desengaçadas), esmagadas e colocada numa enorme dorna, bem no centro da adega. Mas a entrevista ainda terá de esperar.
Primeiro, há que limpar as mangueiras, a maquinaria e o chão do edifício. “É só mais um minuto”. Depois, Hamilton ainda irá buscar o trator para carregar os engaços e uns ramos de oliveira lá mais para baixo, junto à vedação que delimita o pequeno monte de 1,5 hectares. “É só mais um minuto”. Um minuto para beber uma cerveja e acertar contas com o grupo de homens, vindo de Ferreira do Alentejo, que o ajudou a colher as uvas logo às primeiras horas da manhã.
Ainda irá soltar os dois cães juvenis que fazem o encanto da família – “estão-me a destruir os móveis da casa, já vão ver” -, desafiar o amigo (e jornalista de vinhos) Manuel Baiôa a saltar para dentro da dorna (não o fez durante toda a manhã) e então, sim, vamos lá à entrevista, que haveria de começar com uma pergunta à qual já terá respondido dezenas de vezes, destinada a perceber como é que um homem nascido no Porto e com raízes no Minho acaba a fazer vinho no sopé sul da Serra do Mendro.
“Foi estar no sítio certo à hora certa”, desabafa. O sítio era o bar da Universidade Católica do Porto, onde fazia uma pós-graduação em Enologia e Viticultura. Estava acompanhado por um colega de faculdade, Luís Ribeiro, irmão de Pedro Ribeiro, atualmente enólogo e proprietário da Herdade do Rocim, quando este telefonou a perguntar se o irmão conhecia alguém para fazer um estágio durante a época das vindimas na Herdade dos Grous, a dois passos da cidade de Beja, onde então trabalhava.
“Aceitei logo o convite”, lembra Hamilton Reis, que rumou a sul. “Foi a minha primeira vindima profissional. Comecei a vindimar logo pelos meus seis, sete anos, com os meus pais, o amor e a dedicação ao vinho é algo que está presente desde a minha génese”. Sim, claro, gostou da experiência, e no final da vindima haveria de receber o convite para ficar. Não aceitou. Queria conhecer outros mundos, acabou por rumar à Austrália e à Nova Zelândia, países do “novo mundo” dos vinhos.
De regresso ao Alentejo, aos Grous, em 2005, é de novo um telefonema que irá dar um rumo inesperado à sua vida. “Era um senhor chamado Hans Kristian Jorgensen, proprietários das Cortes de Cima, que queria falar comigo. Ao fim de 15 minutos de conversa pessoal as coisas resolveram-se, fiquei por lá cerca de14 anos como diretor de enologia”.
Ora, se para os amores cantados por Paulo de Carvalho, 10 anos “é muito tempo/ muitos dias, muitas horas a cantar”, não admira que 14 anos fossem mais do que suficientes para Hamilton Reis ganhar “amor à terra”. Foi mais que isso: “Ganhei raízes, trouxe a minha família, construí o Natus… o tempo passou muito depressa e cá estou”. Neste seu projeto pessoal – que corre a par do trabalho como responsável pelos vinhos da Herdade do Mouchão – a aposta passa por criar um ponto de fusão entre as tradições locais e a sua “herança” minhota. O resultado são vinhos “mais abertos na cor, mais leves, mas com o paradigma da terra cota, da talha onde fermentam”. Acrescente-se que o Natus tinto (maioritariamente Trincadeira e Castelão) é apenas vinificado em talha, enquanto o branco (Roupeiro, Antão Vaz e Gouveio) “faz uma parte” em talha e outra na barrica.
“Fui beber aos antigos, à vitivinicultura alentejana da tradição e procurei projetá-la para os dias de hoje, para a tipicidade que ando à procura para os meus vinhos, no respeito pela Vidigueira, pela componente do que é o paradigma do Alentejo a produzir vinho”, resume.
A vinha foi plantada em 2018. Os primeiros vinhos chegaram ao mercado em 2022, sendo que Hamilton Reis tem vindo a adicionar algumas parcelas com o objetivo de aumentar a produção. Primeiro porque a aceitação tem sido boa, tanto junto de consumidores como da crítica. Depois porque este é o seu projeto de família: é ele quem trata da vinha e dos vinhos, apenas com a ajuda (e não é pouco) da mulher e das filhas.