Natural moldavo, Ghenadie Belostecinic declara-se também ser alentejano, onde já viveu mais de metade da sua vida. “Não trocava o Alentejo por nada. Não é fácil viver no Alentejo para desenvolver os negócios, mas a paz, a qualidade de vida, do tempo que ainda se tem aqui… não conseguiria ter isso, noutro local”.
Alexandre de Barahona (texto e fotografia)
Foi numa das 15 repúblicas da antiga União Soviética que nasceu. Filho de uma professora e de um funcionário público, reconhece que na altura desfrutava de alguns direitos pelo seu posicionamento social e, talvez por isso, cresceu sem tristezas. Quando em finais de 1991, com a queda da URSS, na Moldávia (ou Moldova, pode-se dizer de ambas as formas) estourou uma crise sem precedentes, como aliás, em todos aqueles restantes países, quando se tornaram independentes, pensou em sair.
A Moldávia é um país três vezes mais pequeno que Portugal, com a configuração de um cacho de uvas, encaixado entre a Roménia e a Ucrânia, mesmo ao lado do Mar Negro. Na República da Moldova viviam dois milhões de habitantes, e a principal atividade económica era ainda a agricultura. Em profunda convulsão social, Ghenadie com 27 anos e a licenciatura da Escola Superior de Desporto no bolso, questionava-se, como muitos, sobre o futuro no seu país. “Foram tempos turbulentos, de muita confusão política e social, onde muitos moldavos emigraram para o ocidente, em busca de melhores condições de vida”, relembra. “Quase metade da população emigrou, nessa época”.
Tinha amigos e família na Alemanha, e poderia ter ido para outro país economicamente mais interessante. Atravessou França onde também tinha conhecimentos. No entanto, sendo uma pessoa muito honesta, recusava-se viver como clandestino e atravessou os Pirenéus. Rasgou a Espanha, entrando na fronteira do Caia, em Elvas. “Em Portugal, era mais simples obter a documentação de trabalho. Sempre gostei de respeitar e ser verdadeiro. Tinha um amigo em Évora, que me disse que cá seria mais acessível para a documentação legal e por isso aqui vim ter”.
Desde então trabalhou em Alcácer do Sal, nas pedreiras de Borba em turnos de 14 a 16 horas por dia. Vivia com outros funcionários numa casa pequena, onde a população os apoiava, vendo que eram “boa gente, gente trabalhadora”, como se diz entre nós. Com os alentejanos ia diariamente aprendendo a falar português. Com o nosso sotaque, começava passo a passo, a preparar um futuro estável.
Mais tarde, usufruindo da carta de condução de pesados, tornou-se condutor de camiões de frio, atravessando a Europa de lés a lés. O tempo passava e refletindo sobre o que pretendia percebeu que aquela vida não era a que ambicionava. “Não viera em busca de dinheiro, mas de felicidade”. Então, desceu dos camiões e observando as vinhas que circundam Évora recordou-se das vinhas da sua saudosa Moldávia, decidindo investir-se a trabalhar nesse sector. Primeiro labutando, aprendendo, e posteriormente assentando com a sua empresa de prestação de serviços, no campo, na agricultura.
“Naquela altura havia muito trabalho e fizemos empreitadas de Albufeira, no Algarve, até Chaves, no norte de Portugal”. Estávamos em 2003. Algum tempo depois a sua empresa alarga a atividade para a construção, e seguem-se oportunidades no sector do imobiliário rústico. Por fim, ainda “procurando algo mais consistente, mais espiritual, com outro sentido, que não apenas o económico” diz ele, e eis que surge o panorama das ervas aromáticas. “Era um projeto difícil, mas que me dava e ainda dá, uma grande riqueza espiritual”. Desenganem-se, o moldavo é um homem de negócios, mas também é um ser sensível que presta cuidado ao que o rodeia.
Do sonho aos pés na terra, percebe que por vezes, as coisas não são feitas da melhor maneira. “No papel os projetos que pedem e fazem em Portugal são muito bonitos, mas depois na prática é muito diferente”. Obrigarem a semear em determinados prazos, sem olhar que estamos no verão, com 40 graus centígrados, “só para um maluco”, ri-se. Lançam-se áreas de produção em Portugal, e depois acumulam as empresas de burocracia e desenhos que, na realidade, não são possíveis executar dessa forma. “Isso pode explicar o porquê de inúmeras empresas das ervas aromáticas estarem a fechar”, lamenta o empresário.
Comprou uma pequena herdade à saída de São Manços para Évora, e ali construiu a sua agricultura de ervas aromáticas, para chás e a gastronomia. Prestou atenção a todo o processo, mas recusou a ter um nome de marca inventado por si. A herdade chama-se De Palma, devido ao apelido dos antigos proprietários, que ele nem conheceu. Mas Ghenadie quis respeitar isso, pelo que por consideração às gerações anteriores que detinham aquele pedaço de terra manteve o nome, e assim nasceram as “Aromáticas de Palma”.
Ao contrário de muitos agricultores, o empresário moldavo não procura o conforto e continua a querer crescer. Viaja visitando inúmeras feiras agrícolas na Europa e fora dela e numa dessas ocasiões, em Nuremberga (Alemanha), deparou-se com a agricultura biodinâmica. A partir daí aprofundou os seus conhecimentos e baseou nesse conceito, desde 2012, a sua prática diária para a totalidade das ervas aromáticas que produz. Historicamente a biodinâmica deriva de Rudolf Steiner que, em 1924, desenvolveu a ideia de que cada exploração, cada quinta, deve ser estruturada como um organismo autossuficiente, uma entidade agrícola autónoma. Deve ter em si tudo o que precisa, para a sua própria manutenção. O solo, a vida do solo, os reinos vegetal e animal, todos eles dependem intimamente uns dos outros. E uma rotação de culturas diversificada tem de ser executada, utilizando fertilizantes biológicos, bem como uma pecuária apropriada.
Contudo “nunca é fácil”, lamenta. Em Portugal “promovem-se as oportunidades de negócios, mas depois falta o planeamento, falta a promoção internacional” nos mercados, para a venda dos produtos.
Hoje a “Aromáticas de Palma” é uma empresa que aposta em dar a conhecer o seu produto, na fonte. Gosto de “receber as pessoas na quinta, para lhes mostrar, explicar e permitir que possam escolher, colherem e criarem o seu próprio chá”. Ouvindo-o expressar-se, entendemos que as pessoas e a terra são a sua paixão, “interessa-nos tratar bem a terra e não a incomodar. Manter um bom ecossistema, um planeamento autossustentável, conjugar as plantas e animais, saber os melhores ciclos astronómicos, lunares, que são propícios para semear, cortar e preparar”.
Sobre a região diz: “Queremos levar o Alentejo, onde quer que formos. Cada vez que vou ao estrangeiro não estou a vender os meus produtos, estou a vender o Alentejo, a imagem do Alentejo”. No entanto, mostra-se apreensivo, quando compara a situação atual do nosso país com o passado recente.
Quem por cá conhece os excelentes vinhos moldavos? Somos poucos, porém deveriam provar, são de boa cepa. Tal como o Ghenadie, que por cá se estabeleceu com a sua família de sete filhos, os últimos nascidos no Alentejo. A nossa região, é na verdade de quem a ama, e faz dela a sua pátria.