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Museu promove património identitário do Cante alentejano

Maria Antónia Zacarias texto | Bruno Lino Vassalo e Museu do Cante fotografia e vídeo

Dar a conhecer o Cante a todos e para todos, preservando uma herança que provém da vontade coletiva. Esta é uma expressão em que o passado se impõe como elemento unificador de uma “comunidade de partilha”, de comunicação e de fazer política, assumindo-se como uma forma de resistência em determinados tempos da história. Salvaguardar este património cultural é o objetivo do Museu do Cante, projeto da Câmara de Serpa dedicado a esta manifestação cultural que a UNESCO classificou em 2014 como Património Imaterial da Humanidade. E da qual Serpa é a comunidade representativa.

João Matias, coordenador do Museu do Cante Serpa, salienta que este espaço cultural foi criado para apoiar o movimento associativo constituído pelos grupos corais, “através da atribuição de subsídios, transportes e programação do Cante alentejano pelos grupos corais”, bem como concretizar o plano de salvaguarda resultante do reconhecimento pela UNESCO que “assenta na ajuda à divulgação, à investigação, realização de medidas de consolidação deste património, sendo de destacar o ensino do Cante nas escolas”. 

A classificação como Património da Humanidade trouxe ao Cante uma muito maior notoriedade a nível nacional. Segundo João Matias, foi feito um levantamento de todos os grupos corais, entre 2014 e 2020, tendo-se concluído que foram criados mais de 50 grupos, embora tenham desaparecido 28, o que perfaz um total de 193 concentrados no distrito de Beja e na zona de Lisboa. 

“Isto significa que mais investigadores começaram a interessar-se por este património, os jovens reaproximaram-se do Cante alentejano, começaram a existir mais solicitações para espetáculos e isto fez com que se reiniciasse o processo de composição de novas modas e de novas músicas”, explica o diretor do museu, segundo o qual “todo o Cante se reativou”. 

Atualmente, João Matias explica que há uma tendência de convidar os grupos corais para outros projetos musicais, como jazz, ou trazendo instrumentos musicais para o interior dos grupos. Quer com isto dizer que o Cante “está em transformação”, o que pode ter aspetos benéficos, mas traz igualmente alguns riscos a nível de uma eventual descaraterização. O problema, assinala João Matias, terá de ser solucionado pela própria comunidade, pois são as populações “que sabem o que é e não é Cante alentejano”.  Quanto ao futuro, antevê, “será o que os cantadores quiserem”. A transmissão já não se faz apenas de pais para filhos, muito menos através do convívio dos trabalhadores rurais com as gerações mais jovens. Esse é um mundo já desaparecido. Hoje em dia, o Cante aprende-se nas escolas, “está em todo o lado, está vivo”, e vai continuando a despertar o interesse das novas gerações.

O Museu do Cante é constituído por uma exposição permanente dedicada ao canto coral tradicional, em que se pode viajar pela história desta prática poético-musical, conhecer os seus aspetos mais importantes, ouvir e cantar modas que são hoje Património da Humanidade. Nascido da já existente Casa do Cante, que possuía o Centro Documental Manuel Dias Nunes, o Centro Interpretativo/Museu é constituído ainda por diversos espaços de fruição e conhecimento como uma galeria de exposições temporárias, um auditório e uma loja.

Na galeria existem salas para exposições dedicadas ao Cante alentejano e a outras temáticas que com ele se cruzam, compreende uma pequena biblioteca e uma discoteca especializada, assim como um espaço de consulta e de apoio à investigação dedicado a Manuel Dias Nunes (1809), comerciante de Serpa, editor da revista “A Tradição” que entre 1899 e 1904 editou o primeiro cancioneiro alentejano.

No auditório é possível ouvirem-se grupos corais ao vivo, ou assistir a outros eventos relacionados com o Cante alentejano, ficando a saber-se que, nos primórdios, esta era uma prática que estava ligada ao baile e aos instrumentos musicais.

A informação existente apresenta-se em suporte físico e digital, havendo a destacar “a box do cante” que permite ao visitante fazer uma espécie de karaoke e sentir-se um “cantador” de um grupo coral.

Na loja estão à venda produtos ligados ao Cante alentejano, tais como CD, livros e lembranças, sendo que a aquisição de edições dos grupos corais é uma forma de contribuir para a sustentabilidade deste património da humanidade.

Este equipamento cultural teve a Direção Regional de Cultura do Alentejo como parceira no projeto de museografia, tendo representado um investimento de cerca de 350 mil euros, cofinanciado em 85 por cento pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa Alentejo 2020. A candidatura foi promovida pela Câmara de Serpa, em conjunto com a Casa do Cante, e teve o contributo da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, da Casa do Alentejo, em Lisboa, da Confraria do Cante Alentejano e da Moda – Associação do Cante Alentejano.

O CANTE “ENCARNA UM FORTE SENTIDO DE IDENTIDADE”

No formulário de Candidatura a Património da Humanidade da Unesco é afirmado que o Cante alentejano é um género de canto tradicional em duas partes, executado por grupos corais amadores no sul de Portugal e nas comunidades migrantes na Área Metropolitana de Lisboa.

O repertório é constituído por melodias e poesia oral (modas) e é executado sem instrumentos musicais. Os grupos de Cante reúnem até 30 cantadores que se dividem em três papéis: o “ponto” inicia a moda, seguido pelo “alto” que duplica a melodia uma terceira ou uma décima acima. Todo o grupo coral se junta em seguida. O “alto” é a voz orientadora que se ouve acima do grupo em toda a música.
Existe um vasto repertório de poesia tradicional, bem como versos contemporâneos. As letras exploram tanto os temas tradicionais como a vida rural, a natureza, o amor, a maternidade ou a religião, como as mudanças no contexto cultural e social. 

O Cante constitui, deste modo, “um aspeto fundamental da vida social das comunidades alentejanas, permeando reuniões sociais em espaços públicos e privados”. A transmissão, entre os membros mais velhos e mais jovens, ocorre principalmente nos ensaios dos grupos corais. Para os seus praticantes e apreciadores, o Cante “encarna um forte sentido de identidade e de pertença. Reforça também o diálogo entre diferentes gerações, géneros e indivíduos de diferentes origens, contribuindo para a coesão social”.

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