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Crianças com “sinais preocupantes” de perturbação do sono

Luís Godinho jornalista | Luisella Leoni fotografia

Cerca de metade das crianças que frequentam o 1.º Ciclo do Ensino Básico no concelho de Évora “tem sinais preocupantes de perturbação do sono”, o que gera um “forte impacto” na sua capacidade de aprendizagem.

Um estudo da Universidade de Évora, realizado entre os anos letivos de 2018/19 e 2021/22, concluiu que 44% dos alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico no concelho de Évora “têm sinais preocupantes de perturbação do sono”, problema que, praticamente, não é reconhecido pelos encarregados de educação, apesar de gerar um “forte impacto” na capacidade de aprendizagem e no comportamento das crianças.

Só um terço dos alunos dorme o suficiente, ou seja, cerca de nove horas diárias. A esmagadora maioria (70%) das que registam um valor do índice de perturbação do sono (IPS) superior ou igual a 48, ou seja, um “valor com significado clínico para crianças com problemas de sono”, é acordada habitualmente por pais ou irmãos, sendo que uma em cada quatro “tem dificuldade” em sair da cama. 

De acordo com os dados, mais de metade destas crianças “têm dificuldade em dormir fora de casa e medo de dormir sozinhas”, precisando da presença dos pais no quarto, para adormecer, o que é demonstrativo da “ansiedade associada ao sono”. Mais, um terço acorda pelo menos uma vez durante a noite, sendo frequente procurar a cama dos pais e duas em cada três têm o sono agitado. 

Apesar destes indicadores, “mais de oito em cada 10 encarregados de educação referem que os seus educandos dormem o que é necessário”.

Segundo os coordenadores do estudo, “o sono insuficiente foi associado a hábitos como o de ir dormir tarde, ter dificuldade em adormecer sozinho e ficar a ver televisão e outros ecrãs antes de dormir”, sendo que as principais causas de perturbações do sono na infância “estão relacionadas com o stress, cansaço, falta de regras na hora de dormir, privação de sono, problemas respiratórios, temperamento difícil e problemas emocionais”. 

Por outro lado, verificou-se que as crianças que praticavam atividade física durante pelo menos 60 minutos todos os dias têm “melhor qualidade” de sono. Ainda assim, conjugando a prática de atividade física desportiva com uma saída da escola em horário mais tardio (17h00) regista-se uma “maior propensão em ter valores muito elevados” de sonolência durante o dia. “Apesar de ser muito importante a prática de atividade física regular, é necessário insistir com os clubes e associações desportivas para não terem treinos tardios que interfiram com o horário de dormir”.

Outros dados: mais de quatro em cada 10 alunos do 1.º Ciclo têm televisão no quarto. E um em cada cinco tem telemóvel, sendo que as crianças “que possuem aparelhos eletrónicos no quarto dormem menos tempo, têm mais dificuldade em adormecer sozinhas e têm o sono mais agitado”. A conclusão dos especialistas é que os telemóveis “devem estar desligados e fora do quarto durante a noite”, desde logo porque  as crianças nesta faixa etária “não precisam de telemóvel”, depois porque as que os utilizam neste período “adormecem mais tarde e podem voltar a usar o dispositivo às escondidas durante a noite”.

No ano letivo 2020/21, o primeiro marcado pela pandemia de covid-19, as crianças “apresentaram um menor valor do índice de sonolência diurna e um maior valor no índice de ansiedade associada ao sono (valor que não difere significativamente do obtido em 2021/22)”. Por outro lado, as do 4.º ano registam menores valores no índice de resistência em ir para a cama e as de 1.º ano registam maiores valores neste índice e no da ansiedade associada ao sono.

Liderado por investigadores do Centro de Investigação em Matemática e Aplicações da Universidade de Évora,  e envolvendo uma equipa multidisciplinar composta por representantes da Câmara de Évora, Hospital do Espírito Santo, Administração Regional de Saúde do Alentejo e agrupamentos de escolas, o estudo sublinha que as perturbações do sono nas crianças “têm um forte impacto na sua capacidade de aprendizagem, no seu comportamento e humor, bem como na qualidade de vida das famílias”. Trata-se, portanto, de “um problema de saúde pública, sendo imperativo atuar ao nível da prevenção, alertando encarregados de educação e professores para a importância desta temática”. 

ÉCRANS GERAM “CONTEÚDOS VIOLENTOS”

Em entrevista ao Brados do Alentejo, a neurologista Teresa Paiva, especialista portuguesa em medicina do sono, sublinha a existência de “uma mudança de paradigma com repercussões negativas para as crianças”, uma vez que se “deixou de considerar normal que uma criança durma bem”. Trata-se, por isso, de uma “situação bizarra” o entendimento segundo o qual, “quando uma criança dorme, acha-se que há um problema”.

Uma outra alteração é quando a criança passa a ser “o rei ou a rainha” da casa, o que Teresa Paiva avalia como “bastante negativo”, na medida em que ela “vai sofrer com esse isolamento que lhe é provocado”, em vez de “ser integrada” como elemento da família”. 

“A par desta educação centrada na criança apareceram os chamados ladrões do sono que vieram roubar tempos de sono, como as televisões, os jogos, as playstation… os écrans”, acrescenta, recordando que alguns destes conteúdos são “muito violentos” para as crianças. “Esses conteúdos violentos vão afetar o sono com sonhos e pesadelos, tenho essa experiência clínica”. São jogos e aplicações em que as crianças “têm de se defender”, acabando por “sonhar com isso, principalmente os miúdos mais sensíveis e que ficam perturbados” com essa realidade ficcionada.

Ainda de acordo com Teresa Paiva, as crianças “devem brincar e estar muito tempo ao ar livre”. Ou seja, “este excesso de exigência, ao porem os miúdos no futebol para virem a ser como o [Cristiano] Ronaldo ou no bailado para virem a ser não quem… é um disparate, estraga as crianças. Este excesso de atividades que cai em cima das crianças não é uma coisa boa, as crianças devem encontrar a sua própria criatividade na brincadeira. São crianças. E começam a não brincar, começam a ser entretidos”.

PROBLEMAS FREQUENTES

As conclusões do estudo realizado em Évora estão na mesma linha de um outro publicado em 2020 pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, segundo o qual “os problemas comportamentais do sono e a privação do sono são frequentes no nosso país, mas culturalmente aceites por uma grande parte dos pais”. Elaborado por especialistas da Universidade Nova, o trabalho lembra que “os problemas do sono têm consequências no comportamento” dos jovens durante o dia, “uma vez que correspondem a um aumento da sonolência diurna, com potencial repercussão na regulação emocional, no comportamento e na aprendizagem”.

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