Conheça a receita de um património que iguala o dos tapetes de Arraiolos.
Alexandre de Barahona (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)
Acredita-se que as nossas belas empadas de galinha terão a sua origem na cozinha medieval, nos pastelões portugueses e franceses que eram enormes tortas salgadas, com recheios diversos. Atualmente ainda existem nessa configuração maior, como as inglesas “melton mowbray pie” ou as norte-americanas “chicken pie”, recheadas de frango e cogumelos. Aliás, sem ofensa, é o que lhes vale na gastronomia britânica, porque com “fish and chips” não se safam. Ficaram na história desde Dom João II, rezando as crónicas que abarrotou o banquete do casmento do príncipe, seu filho, de empadas provindas da região eborense.
No século XIX chamavam-lhes os pastelões pequenos ou ainda as empadas de caixa, e tornou-se num salgado muito popular por Portugal fora. Apesar disso, as empadas alentejanas, tornaram-se as mais famosas, com carne de porco ou de frango. Hoje, são como a internet, há de todos os gostos, mas um só feitio: com carne de javali, de perdiz, de camarão ou cachaço com castanha, de farinheira, atum com cogumelos, cogumelos com alho francês, requeijão com abóbora e noz, bacalhau, vitela, pato com laranja, cozido à portuguesa entre outros sabores.
Contudo como os gostos não se discutem, mas antes se educam, a mais afamada, continua sempre a ser a de galinha.
E onde se comem as melhores empadas no Alentejo? É sempre um exercício transbordando de parcialidade, este de escolher “a melhor”, a mais bela, a campeã das empadas. Diz quem sabe, que nos dias que correm é mais difícil escolher a Miss Portugal do que a rainha das empadas, porque estas são oriundas de Arraiolos. De tal forma que a Câmara da vila, além de dar a cara pelos seus simbólicos tapetes, resolveu também registar uma marca com as empadas e todos os anos organiza um evento comemorando esta delícia gastronómica, onde chegou a promover um concurso. O vencedor era quase sempre o mesmo, o senhor José Franco.
Encontrámo-nos na praça do município, sentados numa esplanada em dia chuvoso. “Aqui nesta praça era onde tudo se passava. A Câmara, o registo, a praça do peixe, os cafés, a paragem das camionetas, o pão, os carros cruzavam-se e paravam aqui, a entrega do leite… tudo se passava nesta praça. Naturalmente, foi também aqui e nas ruas em redor que as melhores empadas nasceram e ainda agora permanecem”
Tudo terá começado em 1934, com a dona Maria Joana, segundo a documentação existente. Foi essa senhora que impôs a nossa empada, e muitos ainda contam, como os seus avós falavam dela. O segredo é a subtilidade de quem a cozinha. Porém existe uma linha condutora da empada de Arraiolos: o insubstituível sabor a manjerona e o indelével toque a vinagre. “Alguns dizem que por vezes está azeda, mas não é. É aquela gota de vinagre, que aqui lhe pomos sempre”, assegura José Franco.
Antes diziam que era feita com massa tenra, mas também não, é sempre uma massa quebrada. E “feita com o caldo que fica da cozedura da galinha”. A receita foi custosa de tirá-la, ao amigo José Franco: “Coze-se a galinha, com toucinho e linguiça, manjerona obrigatória, vinagre, vinho branco, salsa e alho, a cebola e o louro”. Diz aquilo como se contasse até 10, rápido e de salteado. “Mais um pouco de cravinho e há quem ponha mais algumas ervas aromáticas”.
Confidencia que antigamente o toucinho e a linguiça não se misturavam, mas “colocavam-se na parte de cima, antes de fechar a massa com a tampa”. No característico furo que vemos por cima, ao centro, “deita-se depois o molho no seu interior, para evitar que a carne fique seca”. E ornamenta com um bordado em redor, que desconhecemos se seria apenas decorativo, ou alusivo a outros produtos.
Nos dias de hoje produzem-se muitas na vila, que vão diariamente para as grandes pastelarias de Lisboa. A entidade municipal acautela pela autenticidade das empadas, que como marca oficial tem somente cinco produtores autorizados.
Nos aos 80 o nosso interlocutor emigrou para a Suíça e quando regressou, uma década depois, descobriu no seio da sua família o prodigioso potencial do mundo das empadas. A “minha tia Luísa Casmarrinha, com a dona Élia Valente e Ana Rosa Faria mantiveram viva esta tradição. É bom recordar os seus nomes”.
Assevera José Franco que começou por aprender a fazer a massa quebrada, que era “a tarefa mais espinhosa”. Mais tarde, a tia amparou o sobrinho a entender o segredo dos detalhes. A sua mestria, vem daí. Nos cinco concursos que a Câmara organizou, ficou duas vezes em segundo e nas seguintes edições ganhou os primeiro e segundo lugares. “É o campeão das empadas!”, digo-lhe. Ri-se. “Felizmente agora, há muita gente a fazer muito bem as nossas empadas. É um valor nosso que já não se perde”.