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Joaquim Vermelho, a “ânsia da libertação” e a entrega a Estremoz

Luís Godinho texto

Percursos de vida no Teatro Bernardim Ribeiro. Atividade literária e jornalística na Biblioteca. No Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz o seu legado na preservação e valorização desta manifestação artística. Três exposições lembram a vida e obra de Joaquim Vermelho, “uma das personalidades que mais marcou a cidade”, 20 anos depois da sua morte.

“Um vício”, lembrou um dia Joaquim Vermelho, “é uma escravidão, mas esta de escrever liberta porque preso se encontra o indivíduo que tem algo para dizer e não diz, algo para escrever e não escreve”. Como que “libertado” pela escrita, afirmava “uma vocação maior” para se exprimir em verso, mas também se confessava um “grande apaixonado” pelas coisas do teatro. 

“Direi que em tudo o que tenho pegado o tenho feito com a mesma sinceridade com que escrevo versos, com que a dou a meus pais, com que acredito no Homem. É essa crença que me faz desdobrar, multiplicar em mil pequeninas coisas onde deixo sempre um pouco de mim, mas que me faz mestre de tudo e oficial de nada”, confessa, numa entrevista ao jornal “A Planície” em janeiro de 1958. 

Joaquim Vermelho tinha, à época, 31 anos e uma já intensa colaboração no “Brados do Alentejo” onde reconhece ter aprendido “os bastidores da imprensa” de província. “Com Marques Crespo e João Falcato colho ensinamentos”. Por essa altura, somava experiências de teatro em “grupos acidentais” e andava empenhado na fundação do Cineclube de Estremoz. Aspetos de uma vida intensa, dedicada à cidade onde nasceu, e onde agora, na passagem do 20.º aniversário da sua morte, está a ser homenageado em três espaços expositivos.

“Questões de ordem familiar e económica retêm-me em Estremoz e, se me têm limitado os voos, jamais calaram ou calarão em mim a ânsia de libertação constante a que me dou através de tudo, a que me dou desde que seja trabalho de espírito, melhoria ou aproximação de indivíduos”, acrescentava na entrevista à “A Planície”, com a qual colabora na década de 50.

Essa sua relação com a imprensa, em particular com o “Brados do Alentejo”, onde aos 14 anos já escrevia crónicas literárias e publicava poemas, encontra-se bem documentada na exposição biográfica patente no Teatro Bernardim Ribeiro. Lá está, por exemplo, a reprodução de uma fotografia do Conselho de Redação do “Brados”, datada de 1992, em que Joaquim Vermelho surge sentado, na fila da frente, com João Albardeiro e José Sena à sua direita, e com Inácio Grazina à esquerda. Na fila de trás encontram-se José Guerreiro, Hermegenildo Abegoaria, João Jaleca (atual chefe de redação) e Teodósio Caeiro.

Surgida em criança, quando se entretinha a escrevinhar jornais caseiros com notícias da terra e crónicas literárias, a paixão pelo jornalismo levou-o a colaborar com diversos publicações. Além do “Brados” e de “A Planície”, foi colaborador da “Democracia do Sul”, chefe de redação do “Jornal de Estremoz” e correspondente do “Jornal de Notícias” e do “Primeiro de Janeiro”, entre outros.

A exposição, refere a Câmara de Estremoz, “surge com o objetivo primeiro de homenagear uma das personalidades estremocenses que mais marcou a cidade” no século XX, marcas que “subsistem ainda no Museu, na Biblioteca, na investigação de história local, nos artesãos e noutras pessoas que com ele trabalharam, privaram ou estiveram atentas à sua atividade”.

“Pretendemos historiar a sua vida, passando pelos grandes momentos, quer a nível pessoal, quer profissional, de modo a dar a conhecer as suas conquistas pessoais e a vasta ação cultural que desenvolveu ao longo de décadas”, acrescenta a autarquia.

UMA VIDA DEDICADA À CIDADE

Nascido a 1 de março de 1927, no Largo General Graça, haveria mais tarde de lamentar “o meio provinciano” com “bem poucos ou nenhum” estímulos à produção artística e cultural. Cumprido o serviço militar, em Tavira e em Évora, já com longa colaboração na imprensa, torna-se professor de trabalhos manuais na Escola Industrial e Comercial de Estremoz, à época instalada no imóvel da atual Pousada. “Marçano, empregado de escritório, cobrador, funcionário público nos intervalos da minha preparação escolar. Fiquei-me por funcionário”, dirá.

O teatro foi outra das suas paixões, em que se iniciou, ainda criança, pela mão de Roberto Alcaide e da sua esposa, Maria de Santa Isabel. Haveria de ser dramaturgo, ator e encenador, tendo igualmente colaborado em programas de teatro declamado. “A luta por um teatro sério aqui, em Estremoz, tem sido intensa. O meio, agarrado à revista e à opereta popularucha, nada mais vê que isso”, lamenta.

Em 1968 começa a trabalhar na Biblioteca Municipal. Na década seguinte “inicia uma atividade cultural intensa”, fundando o Círculo Cultural de Estremoz, de que é o responsável pela secção literária, e o Núcleo de Animação Cultural, através do qual são organizadas exposições e conferências destinadas a dinamizar a biblioteca e o museu municipal.

Se a atual exposição no Teatro Bernardim Ribeiro lembra o percurso biográfico de Joaquim Vermelho, a da Biblioteca Municipal recorda-o como escritor, jornalista e poeta. No Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz o convite é para a descoberta do seu legado na preservação e valorização do Figurado de Estremoz, aqui se encontrando parte da coleção que doou ao Museu.

No registo de inscrição do Figurado de Estremoz como Património Imaterial é reconhecido o seu papel na “produção de conhecimento” sobre esta manifestação artística, desde logo com a publicação de “Barros de Estremoz”, em 1990. “Nesta [obra] procura fazer a história da arte, evoca as/os artífices e descreve a técnica, procurando também as origens dos diversos modelos que compõem a tradição. Este patrono do Museu e seu antigo diretor carismático, grande divulgador da arte bonequeira, para além de diversas conferências, realizou ainda um considerável número de exposições de finais da década de 70 até 2002 sobre as figuras e artífices desta arte, confrontando saberes e dirigindo o gosto dos barristas num eterno retorno ao fundamental – a tradição”.

Foi por diversas vezes homenageado em Estremoz. O seu nome foi atribuído ao Museu Municipal. “A cultura”, lembrou Joaquim Vermelho há 70 anos, “continua um fantasma que faz sorrir… a ignorância está cada vez mais atrevida porque tem um grande número de fatores a apoiá-la”. Morreu em agosto de 2002.

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