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Já há mais de 200 linces à solta do Vale do Guadiana 

Ana Luísa Delgado texto

Há 20 anos, o lince estava praticamente extinto. Programas de conservação implementados ao longo das últimas duas décadas permitiram minimizar o risco. Ainda há perigos. Mas no Vale do Guadiana já há mais de 200 linces em liberdade, incluindo 31 fêmeas reprodutoras.

A população de linces em liberdade está a aumentar. De acordo com o último censos, divulgado pelo Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas, já há 209 exemplares da espécie à solta, no Vale do Guadiana, incluindo 31 fêmeas que deram à luz 70 crias em 2021. Em Espanha encontram-se recenseados mais 1156 linces, metade dos quais na Andaluzia. 

Em 2002 a espécie estava praticamente extinta, não existindo mais de uma centena de exemplares em toda a Península Ibérica. “O declínio das populações de lince-ibérico em liberdade foi uma constante desde os anos 50 até, pelo menos, 2004, em toda a sua área de distribuição”, recorda o ICNF, sublinhando que a perseguição humana e a escassez de coelho-bravo foram as principais causas do declínio desta população, levando a espécie “ao limiar da extinção”.

Na sua tese de mestrado na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, Ivo Tiago Santos lembra que em Portugal o declínio da população de lince-ibérico “foi tão acentuado que em meados da década de 1970 o primeiro estudo científico a incidir sobre a população portuguesa da espécie estimou a existência de um total de 50 indivíduos distribuídos por três zonas distintas, Algarve, Vale do Sado e Serra da Malcata”. 

Mais tarde, já no início da primeira década do século XXI, “um estudo da população, conduzido em conjunto entre Portugal e Espanha, levando apenas em consideração métodos que permitissem a identificação inequívoca da presença de linces revelou a não existência de indícios da espécie em Portugal”. 

Mesmo “não sendo possível confirmar a extinção do lince em Portugal” nesse período, sublinha Ivo Tiago Santos, “o facto de a última presença confirmada da espécie serem fezes colhidas em 2001 na zona de Moura-Barrancos deixou a descoberto uma situação muito preocupante”.

Para contrariar este cenário foram executados, ao longo dos últimos 20 anos, vários programas de conservação tendo em vista o desenvolvimento da reprodução em cativeiro e a posterior libertação dos linces na natureza. “Graças a este grande esforço de conservação, a população de lince-ibérico tem continuado a crescer numericamente e em relação à sua área de presença nos últimos anos”, acrescenta a mesma fonte.

É também possível antecipar uma tendência de crescimento do número de exemplares em liberdade, uma vez que serão serão libertadas mais 40 “crias viáveis” geradas em 2021 nos centros de reprodução dos dos dois países ibéricos (22 machos e 18 fêmeas). “Esta quantidade final de crias produzidas coincide com as quantidades estimadas no início da temporada, quando se definiram os diferentes emparelhamentos que se deveriam levar a cabo para satisfazer as necessidades dos programas de conservação para esta espécie”, garante o ICNF, assinalando que uma fêmea com 15 anos (chamada Coscoja) conseguiu gerar uma cria, sendo “a primeira vez que, no âmbito do programa de reprodução em cativeiro, uma fêmea com esta idade produz descendência viável e consegue cuidar da mesma, do que resulta informação muito valiosa para a gestão genética do programa”.

No caso português, a maioria dos exemplares nasceu no Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico, em Silves, e foi libertada no Vale do Guadiana. Em Silves foi inaugurado já este ano um complexo de treino e recuperação, equipamento que possibilita, através dos dois cercados de treino, “verificar se os jovens linces destinados a libertação no habitat natural (com cerca de 10 meses de idade) dispõem de condições físicas e comportamentais adequadas para a sua subsequente sobrevivência, bem como treinar e reforçar comportamentos que os tornem mais resilientes perante os estímulos e fatores de risco que irão surgir num meio natural não controlado humanamente, quando ocorrer a libertação (entre os 11 e 12 meses de idade)”.

Segundo o ICNF, este complexo permite ainda “acolher temporariamente, tratar e recuperar exemplares de lince-ibérico, provenientes da natureza, doentes ou feridos, e que apresentem condições de recuperação viável, em condições de biossegurança, isto é, sem interferirem com os espaços físicos e com as operações de maneio dos exemplares detidos em cativeiro – progenitores e crias ou juvenis”.

Pioneira em projetos de recuperação da espécie, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) recorda que o declínio do lince-ibérico se ficou a dever a diversos fatores, entre os quais “a regressão da sua principal presa, o coelho”, em resultado da febre hemorrágica, o abandono de práticas agrícolas tradicionais e a “deterioração do seu habitat” em resultado da substituição dos matagais e bosques mediterrânicos por espécies florestais de crescimento rápido e da construção de grandes infraestruturas, como barragens e estradas.

Segundo a LPN, trata-se do “único grande mamífero” endémico da Península Ibérica e o “mais ameaçado” da Europa. Os critérios internacionais indicam que a autossustentabilidade da espécie só será atingida quando o número de fêmeas reprodutoras chegar aos 750. Como ainda não existem mais de 280, o perigo de extinção permanece, embora minorado.

“Queremos acreditar que todo o trabalho que foi feito vai permitir dizer que o lince foi salvo da extinção”, refere o presidente do ICNF, Nuno Banza, reconhecendo ser “preciso mais tempo” para consolidar o trabalho já feito. “Para esta situação muito positiva tem contribuído a colaboração de proprietários e de gestores de herdades e de zonas de caça, uma gestão sustentável do território, a abundância de coelho-bravo, uma atitude favorável evidenciada pela população local à presença do lince e a conectividade da população de linces do Vale do Guadiana com as presentes noutras áreas de Espanha, fundamental para o incremento da variabilidade genética”.

A área de reintrodução em Portugal foi selecionada em 2014, no âmbito do projeto LIFE Iberlince. A área do Vale do Guadiana compreende territórios dos concelhos de Mértola, Serpa e zonas adjacentes, para onde os linces se dispersaram naturalmente, situadas nos concelhos de Alcoutim, Castro Verde e Beja. “Estas áreas estão agora a ser consolidadas, ampliadas e interligadas no âmbito do projeto LIFE Lynxconnect, liderado pela Junta de Andaluzia, iniciado em setembro de 2020”, refere o ICNF, parceiro neste projeto de entidades como a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo e a Infraestruturas de Portugal. 

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