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Grupo Cidade contesta concessão da Casa das Fardas em Estremoz

Luís Godinho (texto)

Renda de 3500 euros anuais. Concessão por 50 anos. Recuperação e requalificação do imóvel a cargo de quem o quiser concessionar. O Governo procura interessados na Casa das Fardas, em Estremoz, edifício há muito abandonado, mas a sua inclusão no Programa Revive não é pacífica.

O grupo Cidade – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz diz existirem questões que “inquietam” e causam “apreensão”, desde logo por estar em marcha uma “privatização do espaço público para utilização privada”, mas também pela perspetiva de uma “transferência de mais-valias do público para o privado”. A concessão da Casa das Fardas, acrescenta, coloca ainda questões relativas ao aproveitamento turístico do imóvel, designadamente para os setores da hotelaria e restauração, “reservando à cultura uma componente acessória, ou quase residual, com prejuízo” para as populações locais.

“São questões que nos inquietam e nos causam apreensão em termos do futuro que no presente estamos a construir, que merecem reflexão de todos nós, mas também o esclarecimento por parte dos poderes instituídos, sejam eles central, regional ou local”, resume o movimento, num comunicado onde recorda que a reabilitação da cidadela (zona da cidade intramuros do castelo medieval) tem estado envolta em polémica, com o processo relativo à reabilitação da Casa do Alcaide-Mor a ter sido “objeto de ação criminal devido a diversas irregularidades, processo esse que ainda decorre”.

Esta tomada de posição surge depois de a Casa das Fardas – imóvel que também inclui o Paiol de Santa Bárbara, a Casa da Guarda e uma vasta área exterior – ter sido colocada pelo Estado a concurso, no âmbito do Programa Revive, para restauro e instalação de um estabelecimento hoteleiro ou outro projeto de vocação turística.

Iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, da Cultura, das Finanças e da Defesa, o Revive visa “promover e agilizar os processos de reabilitação e valorização de património público que se encontra devoluto, tornando-o apto para afetação a uma atividade económica com finalidade turística, promover o reforço de atratividade dos destinos regionais, a desconcentração da procura e o desenvolvimento do turismo nas várias regiões do país, gerar riqueza e postos de trabalho, concorrendo, assim, para a coesão económica e social do território”.

Fonte oficial explica que o modelo do Programa Revive “passa pela recuperação de imóveis públicos de elevado valor patrimonial que não estão a ser usufruídos pelas comunidades e seus visitantes, através da realização de investimentos privados que os tornem aptos para afetação a uma atividade económica lucrativa, com vocação turística”.

Foi assim, por exemplo, que a Coudelaria de Alter ou o Convento de São Paulo, em Elvas, foram concessionados ao Grupo Vila Galé. E é assim que a Casa das Fardas está atualmente a concurso, terminando no próximo dia 19 de outubro o prazo para apresentação de propostas de concessão tendo em vista “a realização de obras, incluindo de infraestruturas, e posterior exploração para fins turísticos, como estabelecimento hoteleiro (…) ou outro projeto de vocação turística”.

De acordo com o caderno de encargos, o imóvel “está inserido na Zona Especial de Proteção do castelo de Estremoz e integra troços de muralha do século XIII, assim como dois baluartes do século XVII (Baluarte de Santa Bárbara ou das Ferrarias e Baluarte das Fardas ou da Cruz)”, classificados como Monumento Nacional.

Datado do século XVIII, o edifício construído como Assento Real, mas conhecido como Casa das Fardas por ter sido utilizado como Armazém de Fardas do Exército da Província do Alentejo, serviu também como padaria militar, chegando a cozer diariamente cerca de 40 mil pães para todo o exército instalado no Alentejo.

Numa memória histórica sobre o edifício, que acompanha o caderno de encargos, lê-se que o imóvel, projetado pelo Marquês de Tancos, apresenta planta retangular oblonga, tendo sido originalmente construído com dois andares interiores. “A Casa das Fardas, juntamente com o Paiol de Santa Bárbara, o edifício da Cozinha da Casa das Fardas e outras pequenas edificações, como a antiga Casa do Guarda do Paiol, estão cercados pelo Revelim das Fardas ou de Santa Cruz, encostado aos muros do Assento e pelo Baluarte de Santa Bárbara ou das Ferrarias, no ângulo sudoeste, guarnecido de guaritas, flanqueando o Arco de Santarém”, prossegue o documento, assinalando o objetivo de “recuperar e valorizar este património histórico e cultural”.

Ora, lembra o grupo Cidade, esse foi também o objetivo de outras iniciativas anteriormente realizadas em Estremoz. Em 2017/18, sublinha, “a autarquia pretendia a posse da Casa das Fardas, embora sem ter definido uma utilização específica”, tendo-lhe sido pedido pelo Estado um valor de 285 mil euros para a respetiva concessão, “o que foi contestado, embora sem quaisquer consequências”.

O próprio Cidade – que projetava a criação de um Centro Interpretativo da Arquitetura Militar na Região do Alentejo – chegou a “desenvolver diligências” junto dos ministérios da Defesa e das Finanças no sentido de avaliar a viabilidade dum projeto daquela natureza num daqueles imóveis (Casa das Fardas ou Paiol de Santa Bárbara)”, tendo-lhe sido pedidos 285 mil euros pelo primeiro e 104 mil pelo segundo.

“Qualquer daqueles imóveis poderia ser cedido a custo zero caso fosse apresentado um projeto de utilização pública e uma estimativa do investimento a realizar”, prossegue o movimento de cidadãos, lamentando que “antes da formalização de um projeto com alguma consistência” o edifício tenha sido integrado no Revive. 

REABILITAÇÃO DA CIDADELA DE ESTREMOZ

O grupo Cidade – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz, em parceria com a Universidade de Évora – Centro Ciência Viva de Estremoz, apresentou em setembro de 2021 o projeto “A Cidadela de Estremoz e a sua reabilitação”, focado na reutilização dos dois imóveis principais. No Paiol de Santa Bárbara seria instalado o “Centro de Interpretação: defender a fronteira construir o território”, da responsabilidade do próprio Cidade.

Já a Casa das Fardas seria dedicada à mostra “Dos mármores e outras rochas ao castelo de Estremoz: uma História antes da História”, da responsabilidade do Centro Ciência Viva de Estremoz. “Deste projeto foi dado conhecimento aos organismos responsáveis pelo Programa Revive, embora sem qualquer efeito”, lamenta o movimento.

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