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Freguesias criticam novas proibições na venda de tabaco

Ana Luísa Delgado texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Já perderam escolas, extensões de saúde, estações de correio, serviços públicos. Agora, quem vive nas freguesias do interior poderá ficar sem a possibilidade de comprar tabaco, sendo obrigado a deslocações de dezenas de quilómetros para o fazer. A proposta é do Governo. E vai ser debatida na Assembleia da República.

As contas, como se sabe, são fáceis de fazer: ora se entre Barbacena a Elvas existe uma distância de 18 quilómetros, visto que em Barbacena não existe qualquer tabacaria, para comprar um maço de cigarros qualquer habitante da terra terá de percorrer 36 quilómetros, mais uns quantos até encontrar estacionamento na cidade.

Será assim se o Parlamento aprovar a proposta de lei do Governo que transpõe para a legislação nacional uma diretiva europeia destinada a “reforçar as normas tendentes à prevenção e controlo do tabagismo” e que acaba com a venda de tabaco em cafés e restaurantes, limitando-a às tabacarias. Se quem vive em Barbacena terá de percorrer, pelo menos, 36 quilómetros, quem vive em São Manços ou na Azaruja terá pela frente mais de 40, até Évora, e os habitantes de Glória uns 20 até Estremoz, contabilizando os necessários para o regresso a casa.

“Não sou fumador, nem nunca o fui, no entanto acho que este projeto de lei tem características que a meu ver roçam o fundamentalismo”, desabafa o presidente da Junta de Freguesia de Glória, Óscar Fonseca, lamentando que em nome da saúde pública “não tenham sido acautelados todos os interesses em presença”, desde logo o dos fumadores, mas também os dos comerciantes, proprietários de cafés e restaurantes que ficarão privados de uma importante fonte de receita.

“Isto não faz qualquer sentido pois há muitas localidades por esse país fora que só dispõem de um café e que se encontram a uma grande distância de um local onde existe uma tabacaria”, acrescenta Óscar Fonseca, segundo o qual “teria sido mais honesto e frontal se, simplesmente, assumissem de forma clara a intenção de proibir o consumo de tabaco”.

Defendendo a necessidade de “controlar e restringir o acesso aos produtos de tabaco e produtos afins”, a proposta de lei do Governo, a ser aprovada, virá introduzir “medidas mais restritivas no que se refere aos locais” onde é permitida a venda de cigarros, entre as quais a proibição de venda “na generalidade dos locais onde é proibido fumar, com exceção de tabacarias”. Cafés e restaurantes ficam excluídos. Em feiras, mesmo ao ar livre, como a de São João, a FIAPE ou o São Mateus, passará a ser proibido fumar. 

O autarca de Glória não tem dúvida que “estes estratagemas” terão pouco impacto na prevenção de hábitos tabágicos, potenciando o aparecimento de mercados paralelos onde não sequer se pagam impostos: “Quando as leis são injustas surgem sempre caminhos alternativos que acabam por prejudicar a todos”.

Embora considerando que esta medida “não pode ser equiparada” a outras que conduziram ao encerramento de escolas, extensões de saúde, postos de correio e serviços públicos que existiam nas freguesias, Óscar Fonseca diz não ter dúvida de que, também ela, “revela um profundo desconhecimento da realidade local” por parte de quem governa. “Infelizmente fala-se muito do despovoamento do interior, uma realidade que todos conhecemos, mas quando chega a altura de fazer alguma coisa não saíamos plano das intenções e da demagogia”.

Já Florinda Russo, presidente da União de Freguesias de São Manços e São Vicente do Pigeiro (Vendinha), no concelho de Évora, concorda que os efeitos práticos destas medidas serão limitados: “Quem quiser comprar tabaco arranjará forma de o fazer, desde logo porque o fruto proibido é o mais apetecido”. Ou seja, proibir cafés e restaurantes de vender tabaco acaba por “apenas prejudicar os comerciantes” que deixam de poder vender, sendo que daí “não decorre qualquer benefício para os fumadores”, ao contrário do que sucederia, por exemplo, com medidas que facilitassem os tratamentos de cessação tabágica. “As medidas anunciadas não acabam com a venda, prejudicam os pequenos empresários e não previnem os consumos”, resume Florinda Russo. 

Mais assertivo, “é também por ser fumador, mas sobretudo em defesa da sociedade”, Jorge Madeira, o presidente da União de Freguesias de Vila Fernando e Barbacena lamenta a perda de direitos de quem fuma e os prejuízos que se perspectivam para os comerciantes: “Estamos a entrar num mundo que em certos aspetos consegue ser mais fascista do que no tempo do Salazar, pois tiram-se direitos a quem os tem e dão-se aos animais”.

Segundo Jorge Madeira, legislação deste tipo decorre de quem “está muito a leste da realidade” do interior do país, onde a perda de serviços tem sido constante. “Se proibirem, teremos de arranjar alternativas pois uma pessoa não se pode deslocar à cidade todos os dias para comprar cigarros e nem todas as pessoas têm possibilidades de chegar ali e comprar 10 ou 20 maços. Isto é vergonhoso”, desabafa.

DIRETIVA EUROPEIA NÃO DIZ O QUE O GOVERNO DIZ

Na proposta de lei entregue no Parlamento, o Ministério da Saúde justifica as novas restrições com uma diretiva europeia, a Diretiva Delegada (UE) 2022/2100, que se refere apenas à retirada de certas isenções aplicáveis aos produtos de tabaco aquecido, nada dizendo sobre restrições à venda em cafés ou restaurantes, nem à proibição de fumar em feiras e mercados. Essa diretiva remete para uma outra, a 2014/40/UE, já com mais de 9 anos, onde estas restrições também não se incluem. Mais, a legislação europeia até refere que os estados-membros “não podem (…) proibir ou restringir a comercialização de produtos do tabaco ou de produtos afins” e sublinha expressamente que “não harmoniza regras sobre ambientes sem fumo de tabaco, sobre regimes nacionais de vendas ou publicidade nacional” ou outros.

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