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Fernanda Sesifredo, a escrita como homenagem à vida

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Com o conto “Liberdade”, evocação de um neto por nascer, Fernanda Sesifredo ganhou o Prémio Literário Hernâni Cidade. Natural de Redondo, conta que a escrita a ajudou a enfrentar as limitações físicas decorrentes da esclerose múltipla, uma doença degenerativa para a qual não existe cura.

Sobre Bernardo, sobre Bernardo e a liberdade, escreve Fernanda. “Somente o meu neto para me devolver às minhas primeiras incursões nas palavras polissílabas, algumas com um valor inestimável e nem sempre explicadas com rigor às crianças”. A Bernardo, neto saído da imaginação de Fernanda Sesifredo, pede a autora “somente que rebolasse na relva para sempre” e que guardasse uma folha onde escreveu a frase “liberdade é o direito de viver e o dever de pensar”.

O conto, profético como se verá, valeu-lhe o Prémio Literário Hernâni Cidade, atribuído pela Câmara de Redondo. Escreve Fernanda a um neto imaginário, ansiando “que o meu querido Bernardo chegue a este mundo e à minha vida um Ser livre, com saúde e uma discreta fome em conhecer os livros que tenho para ele”. E eis que, conto escrito e enviado a concurso, a autora recebe uma inesperada notícia, a notícia de que pela primeira vez iria ser avó. Profético, pois claro. Já agora, será avó não de um Bernardo, mas de uma Amélia.

“Foi um prémio a duplicar pois no momento em que escrevo sobre um tema tão delicado, tão bonito e tão puro como é a liberdade e, ao mesmo tempo, sobre um desejo tão grande que esta criança viesse ao mundo, surge o prémio e a notícia de ir ser avó”, conta Fernanda Sesifredo. “São os desígnios do destino”.

Bernardo, rapaz que aprende a “brincar a ser livre e a oferecer aos outros igual oportunidade”, é uma das muitas vidas que habitam em Fernanda Sesifredo e às quais a autora também dedicou o Prémio Literário Hernâni Cidade. “As personagens que crio habitam o meu universo, são todas as pessoas que trago em mim, que estão à minha volta, todas as vidas e todos os elementos que me inspiram, como o sol, o mar ou o vento. Todas as pessoas têm algo de belo que me inspira a escrever sobre elas. É uma forma de aliviar as nossas dores”.

E de dores, bom, de dores Fernanda sabe exatamente do que fala. Aos 21 anos, pouco depois de ter sido mãe pela primeira vez, trabalhava então no gabinete de comunicação da Câmara de Redondo, acordou com uma paralisia facial. Fez exames. Foram-lhe detetadas alterações neurológicas e diagnosticada esclerose múltipla, uma doença autoimune que atinge o sistema nervoso central, uma doença degenerativa, incapacitante, sem cura. A sua vida mudou. “Tive de reaprender a viver”. 

A doença foi-lhe diagnosticada em 2001. Em 2010 reformou-se. E a escrita, agora já não de comunicados, boletins municipais ou agendas culturais, passou a ser a “paixão” da sua vida. “É a minha forma de amar e homenagear a vida. Não sou escritora. Sou uma pessoa que que tem uma grande paixão pela língua portuguesa, pela leitura e pela escrita. Só assim sou inteira e livre”, refere numa página de internet onde publica com regularidade muitos dos textos que tem escrito.

Fernanda Sesifredo olha para a sua escrita como uma forma de vida, não como terapia. “A escrita acaba por ser, não digo uma fuga, e também não acho que seja uma terapia, mas é a doença, a minha própria limitação física, que me faz ir buscar, não sei onde, tudo isto que gosto de escrever. Ao ler-me a mim própria parece ter sido outra pessoa, que não eu, a escrever”.

Lembra a autora que depois da “grande partida” que a esclerose múltipla lhe pregou, e sobretudo depois da aposentação por invalidez, ficou “sem saber o que fazer, muito perdida, sem trabalho”. No seu caso, a “saída” foram as palavras, as palavras escritas: “Encontrei forma de escrever sobre aquilo que sinto, uma escrita livre e criativa. Este exercício de pensar e de escrever é magnífico”.

“Às vezes”, conta Fernanda Sesifredo, “as pessoas que me leem pensam que estou triste ou alegre. Nada disso. Atrás de cada texto está uma palavra que ouvi ou uma imagem que vi, uma pessoa com quem me cruzei. Sou uma escritora do quotidiano”.

PRÉMIO COM 163 OBRAS A CONCURSO

A 27.ª edição do Prémio Literário Hernâni Cidade teve 163 obras a concurso. Além de “Liberdade”, de Fernanda Sesifredo, o prémio, que este ano decorreu na modalidade de conto, distinguiu as obras “A Última Liberdade”, de Ana Marisa Gonçalves, e “O Supremo”, de Marcos Campos. Através desta iniciativa, a Câmara de Redondo pretende homenagear a memória do escritor e professor Hernâni Cidade, natural da vila, e “estimular a criatividade literária entre jovens e adultos”. Ensaísta e investigador, Hernâni António Cidade, doutorado em Filologia Românica, foi professor de liceu e das faculdades de Letras do Porto e de Lisboa, tendo contribuído para o estudo da história da cultura e da literatura portuguesa, da qual é considerado um “grande especialista”.  Colaborador de “A Águia”, “Seara Nova” e do “Primeiro de Janeiro”, foi ainda diretor do “Diário Liberal” e deixou o seu nome ligado à fundação da “Colóquio: Revista de Artes e Letras” e da “Colóquio/Letras”.

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