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“Fecham escolas… depois como querem que nasçam crianças?”

Alexandre Barahona, texto e fotografia

António Bagão Félix diz-se “naturalizado” alentejano, já que tem casa em Sousel, onde vive há mais de 25 anos. Vindo a Évora, à Fundação Eugénio de Almeida, participar num debate sobre a pobreza em Portugal, reconheceu que no Alentejo interior ela é ainda mais acentuada, dado que hoje a pobreza é palpável quantitativamente, mas também qualitativamente.

Em entrevista à SW Portugal/Brados do Alentejo, o antigo ministro das Finanças e da Solidariedade Social lembra que, “a cada dia, acrescentam-se 30 pessoas com mais de 65 anos a viverem sozinhas, isoladas”, sendo que isso, garante, “também é pobreza”. Segundo Bagão Félix, no Alentejo, “mais ainda do que a pobreza”, há o problema da “precariedade da vida, em virtude das políticas públicas” seguidas pelos diversos governos.

“Olhe, nestes últimos 25 anos vi desaparecer estruturas como os correios, postos da GNR, agências bancárias, nomeadamente do Estado, fecham escolas, desaparecem creches, postos de saúde… depois como querem que nestas povoações nasçam crianças?”, interroga.

Considerando que as maiores cidades do Alentejo funcionam como “íman que tem puxado até si” as gentes das vilas e aldeias, contribuindo para acentuar o despovoamento da região, o ex-ministro recorda que as autoestradas, feitas com o objetivo de desenvolver o interior, acabaram por “não trazer mais pessoas, mas levá-las” para o litoral.

“Tudo isto leva ao despovoamento. Eu não gosto da palavra desertificação, porque se trata de pessoas, e por isso prefiro chamar-lhe despovoamento. Mas depois não vale a pena ficarmos admirados que as pessoas saiam e vão para as maiores cidades e para o litoral”.

Bagão Félix classifica o envelhecimento da população como sendo “dramático” e acrescenta que “o nascimento de mais crianças só se resolve criando condições” para isso. “Não são discursos, mas condições efetivas para as pessoas poderem fixar-se e terem condições de vida, nestas povoações”.

Já o combate à pobreza, sublinha, faz-se com crescimento e o desenvolvimento, “palavras que nos habituámos a escutar”. Contudo, o crescimento de que se fala é em termos económicos, enquanto o desenvolvimento é aquilo que toca no dia a dia das pessoas, a chamada “vida real”.

Ora, Bagão Félix defende que “a distribuição da riqueza gerada não deve ser uma reparação” de perdas, antes feita em função das diferentes condições humanas. Porque apenas existem duas formas de redistribuir, ou por via dos organismos sociais, ou por via fiscal. Nesse sentido, “o Estado não pode considerar como rica a classe média baixa e aplicar taxas de IRS de 40% a quem recebe dois mil euros mensais”.

O antigo ministro também lamenta a solução do Banco Central Europeu (BCE) para travar a inflação, aumentando as taxas de juro de referência, porque as condições dos empréstimos não são as mesmas em todos os países europeus, e especificamente em Portugal, essas medidas “penalizam muito” as famílias. No entanto adverte que “a inflação tem um risco enorme, que é a subida dos preços, e o mais grave reside no facto dos rendimentos não acompanharem essa subida, como depois dos momentos de crise esses preços já não descerem”.

E porquê esta recente sensação de que, as finanças de Portugal até estão bem, contudo as dos portugueses continuam mal? Bagão Félix é perentório: “O bem-estar das pessoas é o bem-estar de Portugal. Assistirmos a debates nas televisões, horas a fio, sobre 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) é anedótico e esconde o fundamental. Redistribuído por todos nós, 0,1% do PIB equivale a uma bica. Cuidado com as estatísticas, que são importantes, mas manipuláveis. O PIB, se for analisar, só tem somas, nunca tem subtrações. Quanto aos pobres, zero no PIB”.

DOIS MILHÕES ABAIXO DO LIMIAR DE POBREZA

Poderemos questionar o que representa a pobreza em Portugal nos dias de hoje. Em números frios, em Portugal representa quase dois milhões de portugueses, que continuam a viver abaixo do chamado “limiar da pobreza”. Ou seja, que sobrevivem com um rendimento igual ou inferior a 554 euros mensais. “Sem os apoios sociais, 4,4 milhões de portugueses são pobres”, diz Luísa Loura, diretora da Pordata. Todos os estudos revelam que não se trata de uma realidade marginal ou passageira na sociedade portuguesa, antes assume características de um problema social extenso, perene e resistente.

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