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Fazer diferente, sem perder a identidade. Eis a “receita” de Duarte

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Duarte está a realizar digressão por palcos de França e Inglaterra, enquanto prepara um novo trabalho para assinalar 20 anos de carreira. A matriz artística é a de sempre: pôr o fado a “dançar” com outras áreas e com outras linguagens, sem nenhuma delas perder a identidade.

O som da harpa, tocada por Salomé Pais Matos, remete para uma ambiência, não diria de melancolia, talvez de superação, nem tanto de tristeza, embora ela seja evidente, mais de angústia pela necessidade de recomeço. E depois, depois surge a voz de Duarte: “Não venhas cá com merdas. Não inventes/ Não olhes nos meus olhos. Sai apenas/ E poupa-me aos discursos eloquentes/ e às farsas do adeus. Não faças cenas”. A música é a do tradicional “Fado Licas”, escrita por Armando Machado (1899/1974) e a letra é de José Carlos Barros.

Para quem não conhece, a descoberta é fácil de fazer: basta entrar na página oficial de Duarte no Youtube. É o primeiro vídeo que ali se encontra. “Não Inventes” foi lançado em finais do ano passado por ocasião da Womex, um dos maiores eventos musicais do mundo, que reuniu em Lisboa cerca de 300 artistas de mais de 50 nacionalidades. Duarte tocou no Cinema São Jorge, dia 21 de outubro, seguido pela brasileira Bia Ferreira e por Tito Paris, um dos nomes maiores da world music. Além de “Não Inventes”, o músico alentejano apresentou-se em palco com temas de “No Lugar Dela”, disco lançado em plena pandemia. E não só conquistou novos públicos, como abriu caminho para reforçar a internacionalização da sua música.

“O nosso concerto correu muito bem, foi dos mais aclamados pela crítica, e a partir daí começaram a desenvolver-se contactos para levar este concerto e a minha música a palcos internacionais”, diz o fadista, que atuou nos passados dias 3 e 4 de fevereiro em Nantes, no Festival La Folle Journée. 

Regressará a França a 11 de março para um concerto em Anjou. Em abril estará por Inglaterra. Aos concertos em Shropshire (dia 27) e Birmingham (28), seguir-se-á uma atuação no Festival La Línea, em Londres, dedicado à música latina, pelo qual irão igualmente passar Jorge Drexler, Emicida, Suzana Baca, entre outros. 

Antes de deixar a Inglaterra para atuar na Córsega (13 de maio), Duarte dará mais um concerto, desta vez na paróquia de Speldhurst, em Kent. “O que vamos fazer é um apanhado daqueles que são os temas mais fortes dos meus cinco discos, sendo que a base de construção do espetáculo é o meu último trabalho discográfico”, revela. A aposta é a mesma de sempre, ou seja, uma música cuja matriz é o fado, mas que também nos conduz pelas sonoridades do cante e da música popular portuguesa.

A bem da verdade, é importante sublinhar que boa parte da carreira de Duarte tem sido feita em França. “Vou ser muito sincero, gostava de tocar mais em Portugal. Mas o mercado português é muito pequeno. E, pelo menos desde há 10 anos, tenho um espaço cimentado no mercado francês, onde vou com regularidade, e com atuações noutros países, ainda que de forma mais esporádica”, diz o fadista, nascido em Évora a 20 de novembro de 1980 e que viveu toda a sua infância e adolescência em Arraiolos. Aos sete anos já cantava fado, mas durante a adolescência experienciou outras vivências artísticas, mais na linha do pop/rock.

EMPATIA E PENSAMENTO CRÍTICO

“Fui parar ao fado quase a brincar, ainda criança. Mas depois chateei-me”, conta Duarte, lembrando que o reencontro com este género de música aconteceu no final da adolescência: “Já na universidade, fui limpar os cadernos de escrita e comecei a perceber que muitas das coisas que escrevia tinham a ver com uma linguagem muito fadista, muito portuguesa, da história de vida”. É nessa altura que se interessa “sobre o que era esta coisa do fado”, assumindo que poderia estar aqui uma “matriz” para se expressar enquanto artista, mas sobretudo como cidadão. 

“Percebi que poderia usar as músicas do fado tradicional para cantar as minhas coisas, os meus lugares, a minha gente. Foi aí que comecei a desenvolver o meu trabalho sobre as músicas do fado tradicional – são só músicas – e a adicionar-lhes uma linguagem mais minha”, sublinha. Depois surgiram as composições – “assim quase que em jeito de ver o que acontece” -, a que se seguiu o primeiro disco, “Fados Meus” (2004) e o reconhecimento a nível nacional, desde logo com o prémio “revelação masculina”, atribuído em 2006 pela Fundação Amália Rodrigues.

“A minha música”, diz Duarte, “tenta pôr as pessoas a pensar nas histórias de vida que vamos vivendo. Não são as minhas histórias, são as de muita gente. Tento também remeter para dois conceitos: o da empatia, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, e o do pensamento crítico, que tanta falta nos faz nos dias que correm”.

Voltando a “Não Inventes”, como exemplo do que tem sido o seu trabalho, a ideia é fazer diferente, mas não apenas pela busca (por vezes) inconsequente da diferença. “Tento que este fado tradicional, que conheço e que é a minha matriz de construção, possa dançar com outras áreas e com outras linguagens, sem que nenhuma delas perca a identidade”. E este é, simultaneamente, o desafio e o “segredo” da sua afirmação enquanto fadista. “Às tantas estamos a tentar fazer fusões, coisas diferentes, e perdemos a identidade do ingrediente original que estamos a usar. Não quero isso. Tendo que a matriz do fado tradicional não se perca, mas que tenha espaço e que se possa relacionar com outras linguagens musicais”.

“CONSTRUIR O NOSSO VAGAR” 

À beira de assinalar 20 anos de carreira, Duarte revela que esse momento não será assinalado com a edição de um disco à moda de best off, como por vezes sucede. A ideia é “construir, com o nosso vagar alentejano”, um trabalho que o leve à redescoberta de algumas canções que passaram pelo seu caminho, cantando-as “com amigos com quem me cruzei”.

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