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Falta de incentivos e baixos salários afastam bombeiros dos quartéis

Ana Luísa Delgado texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

É cada vez menor o número de bombeiros nos quartéis. Nos últimos 15 anos, no Alentejo, a perda de efetivo chegou aos 41%. Corporações criticam falta de incentivos ao voluntariado e baixos salários aos profissionais.

Eram mais de mil os bombeiros que, em 2006, prestavam serviço em todas as corporações do Alto Alentejo. Hoje, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), não chegam aos 600, o que representa uma quebra de 43% ao longo dos últimos 15 anos. Trata-se de uma redução de efetivos comum a toda a região (que, para efeitos estatísticos, inclui os municípios da Lezíria do Tejo). 

Nos quartéis do Alentejo Central o problema agrava-se, existindo menos 455 bombeiros, ou seja, uma diminuição de 48% face a 2006.

Neste período de tempo, e por motivos diversos, 1830 bombeiros deixaram os quartéis alentejanos, o que significa uma diminuição de 41%, apesar de os serviços prestados terem aumentado 62%, se retirada da equação a prestação de cuidados de saúde, uma vez que a legislação foi alterada.

“A sociedade mudou muito e os jovens, hoje em dia, se não tiverem incentivos ao voluntariado procuram outras coisas”, diz o presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Évora, Paulo Alves, acusando os diversos Governos de terem “deixado de investir” nos bombeiros, o que fez com que as associações “perdessem capacidade” de atrair mais jovens à prática do voluntariado. “As consequências são óbvias, quanto menos bombeiros existirem mais difícil é assegurar a prestação de socorro às populações”.

Paulo Alves defende a necessidade de ser criado um programa de incentivos para “cativar” os jovens: “Vamos tentar, por exemplo, que os bombeiros tenham acesso a descontos no Imposto Municipal de Imóveis ou no pagamento da água, acesso livre aos diversos equipamentos municipais e que as famílias possam usufruir de desconto nos livros escolares”.

Uma medida que “poderia ajudar”, acrescenta, seria o reembolso das propinas e das taxas de inscrição pagas pela frequência dos ensinos secundário ou superior, contemplado no Estatuto Social do Bombeiro, mas de difícil aplicação prática. De acordo com Paulo Alves, “a lei apenas isenta do pagamento de propinas os bombeiros, não os estagiários”. Como o estágio se prolonga, no mínimo, por um ano, a isenção, na maioria dos casos, chega quando o jovem já está a concluir a licenciatura. “Já foi proposta várias vezes a alteração dessa norma, para permitir a sua aplicação aos estagiários, mas foi sempre chumbada”, lamenta.

Paulo Alves, presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Évora

O presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Évora aponta ainda os baixos vencimentos pagos aos bombeiros profissionais como sendo um fator que contribui para “afastar” as pessoas dos quartéis. “Na maior parte dos casos, as associações não podem pagar mais do que o salário mínimo, acrescido de 25% do subsídio de disponibilidade, a funcionários da casa que chegam a fazer 12 e 14 horas diárias no transporte de doentes e no socorro a pessoas e bens”, explica Paulo Alves, lembrando que quando um bombeiro deixa a atividade, trocando-a por outra “com melhores vencimentos e menos exigência, perde-se o profissional, que também faz voluntariado, e é assim que o número de bombeiros vai diminuindo”. 

As dificuldades de pessoal são também sentidas pelas equipas de intervenção permanente (EIP), cada uma formada por cinco bombeiros profissionais “com elevada especialização e com competências em áreas diferenciadas”, pagas pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC)e pelos municípios. “Estão criadas a nível nacional mais de 700 EIP, mas há várias que não funcionam devido à falta de profissionais”.

“A EXIGÊNCIA DE FORMAÇÃO E DE SERVIÇO É MUITO SUPERIOR”

“O que acontece é que muitos elementos que estavam no quadro de bombeiros trabalhavam nas suas empresas e vinham aos fins de semana, não havia obrigatoriedade de horas… hoje, para se ser bombeiro é preciso ter alguma disponibilidade, cumprir horas de serviço, como manda a lei, ter formação. A exigência de formação e de horas de serviço é muito superior, correspondem a 200 horas por ano, pelo que é mais difícil enquadrar uma atividade profissional com a de voluntário”, resume Nuno Pinheiro, comandante dos Bombeiros de Vila Viçosa, realçando que esta corporação “não teve uma perda” de recursos humanos tão expressiva como a média regional. 

Nuno Pinheiro revela que os bombeiros de Vila Viçosa “já têm autorização” da ANEPC para criar uma terceira equipa de intervenção permanente. “Passaremos de 10 para 15 elementos nas EIP, o que nos vai dar uma prontidão mais eficaz. Poderemos ter mais elementos, mais jovens, mas se formamos as pessoas e as conseguimos fazer bombeiros e depois não lhes damos condições salariais… acabam por sair”. 

O comandante lembra que a formação “tem de ser renovada a cada cinco anos”, incidindo em várias áreas, do socorro em acidentes de viação ao combate a incêndios florestais ou industriais e aos serviços de urgência. “Há uns anos, 25% dos bombeiros trabalhavam na associação e 75% tinham outras atividades. Hoje, com a terceira EIP e com os restantes elementos, a percentagem inverte-se”, acrescenta Nuno Pinheiro, que está na corporação desde os 14 anos, começou como voluntário e, também por isso, não deixa de criticar o “pouco incentivo” dado a quem quer ajudar os outros. “Em 2022 promovi cinco elementos a bombeiros de terceira, tenho mais dois que vão começar a formação inicial. Para vestir a farda é necessário gostar de ajudar os outros e estar disponível para o fazer, a qualquer hora do dia ou da noite”, conclui.

“QUEM TRABALHA POR GOSTO NÃO CANSA”

Miguel Silva conta que o “desafio” para ser bombeiro surgiu há coisa de cinco anos por intermédio de um colega de escola, estava ainda no 10.º ano de escolaridade. “A verdade é que não sabia bem o que isto era e decidi experimentar. Tenho aqui uma segunda família”. Pensou seguir multimedia, ainda tentou a GNR, acabou por ficar na corporação de Vila Viçosa. “Não é fácil ficar aqui trancado, saber que a família e os amigos estão numa festa ou noutro local, mas quem trabalha por gosto não cansa”. Tiago Canhoto também “contrariou” a tendência estatística: “Fiz o estágio, surgiu a oportunidade de ficar a trabalhar nos bombeiros e cá estou”. Foi há três anos, a convite de amigos, que acabou por se inscrever. “Para se estar aqui tem de gostar… alguns têm-se mantido, outros foram trabalhar ou estudar para fora e só quando podem é que vêm”, refere.

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