Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)
Exposição na Galeria Aqui d’El Arte, em Vila Viçosa, reúne trabalhos de Filipe Mirante, Jorge Freire e Susana Piteira. É mais um passo para a criação de um centro artístico destinado à escultura em mármore, projeto do Cechap.
Conta Jorge Freire, escultor, que a sua “paixão” pelo trabalho da pedra começou quando, ainda criança, brincava pelas ruas de Borba e se entretinha a ver a labuta dos velhos canteiros. “Faziam pias e eu, com uma maceta e um ponteiro velho, lá ia desbastando a pedra e tentando fazer uma igual para dar às galinhas”. Começou por aí, a arte veio depois. Bateu-lhe à porta por influência de João Coelho, artista plástico já falecido, que lhe intuiu o valor artístico e o incentivou a perseguir o sonho.
Primeiro foram pequenas peças de artesanato, brincos e pulseiras, que vendia nas praias e pelas ruas – “era jovem…” -, depois a escultura em mármore. “Esta peça representa uma ligação entre dois elementos, aquela é um mármore rosa e branco, uma união de facto”, diz Jorge Freire, numa visita guiada aos trabalhos da sua autoria que integram a exposição coletiva de escultura “Marmor”, promovi- da pelo Centro de Estudos de Cultura, História, Artes e Património (Cechap) e patente na Galeria Aqui d’El Arte, em Vila Viçosa.
“A peça está na pedra, mas temos de a ver primeiro na cabeça”. Foi assim que Jorge Freire esculpiu Discórdia, uma escultura meio figurativa, meio abstrata, ou Germinação, em cujo processo de execução o maior desafio terá sido a execução de uma base em círculo. “Fazer estas formas redondas num torno é uma coisa, assim é outra”. É preciso talento, mas também muita técnica. E Jorge Freire já soma “quase 40 anos a bater na pedra”.
Filipe Mirante e Susana Piteira completam o coletivo de artistas com trabalhos expostos e cujo engenho, escultórico e artístico, “nos remete, em primeiro lugar, para a organicidade das formas da natureza e para o equilíbrio de elementos modulares e rítmicos que se repetem e desenvolvem em crescendo”. Palavras de Ana Cravo e Conceição Cordeiro, autoras de “Marmor e a Organicidade das Formas”, texto escrito para o catálogo da exposição.
“A contemporaneidade dos artistas Filipe Mirante e Jorge Freire empresta, simultaneamente, um classicismo ao tratamento do mármore polido, com acidentes de textura e de inacabado”, acrescentam as autoras, sublinhando ainda que “o tratamento polido da pedra mármore nas suas cores branca, cinza e rosa acentua a sensação táctil, o sensualismo que nos convida a ver de perto ou ao toque”.
Susana Piteira lembra que “marmor” é o termo latino que “remete para o início da extração de mármore” na região de Estremoz e “para a relevante dimensão simbólica que lhe foi atribuída no império romano” e continuada até aos dias de hoje. Lamenta a artista que a escultura “de carácter objetual e/ou moderno” tenha ficado “para segundo plano” nas opções de muitos curadores e de instituições, facto a que “não é alheio um certo preconceito relacionado com a dimensão das matérias mais convencionais”, uma “dimensão plástica” que nos dias de hoje tem de “concorrer com o primado da imagem, que nos parece apelar a todos os sen- tidos sendo por isso, amiúde, desdenhada”.
PREENCHER O VAZIO
Ainda segundo Susana Piteira, “tendo em conta que os mármores do Alentejo representam 30% de todas as jazidas europeias (…) parece natural que o Cechap possa não só acolher como promover o trabalho artístico neste material”. Carlos Filipe não poderia estar mais de acordo “Temos de entender a arte de esculpir, a arte de talhar o mármore, a partir destas memórias vivas, de quem tem competência e sabe lidar com este recurso e isso é fundamental para podermos transmitir a nossa mensagem de investigação do ponto de vista histórico e patrimonial”, diz o diretor-geral do Centro, revelando que está a ser desenvolvido um projeto destinado a “fixar” artistas na região.
“Os artistas precisam de ser apoiados nas suas necessidades de afirmação”, acrescenta Carlos Filipe, lembrando a “concorrência” de Carrara [Itália], um dos grandes centros de escultura em mármore. “Temos escultores que passam uma temporada aqui e outra em Carrara e outros cada vez valorizam mais essa deslocação por uma razão simples: os clientes vão lá. E aqui perdeu-se esse estímulo”.
Uma das causas, admite, poderá ter sido a extinção do Cevalor, “que apoiava o trabalho dos canteiros e dos escultores”, mas que acabou por encerrar. “Todos os escultores que tinham residência aqui na região, e foram vários, todos zarparam… foram para os Estados Unidos, para o Japão, para outros países da Europa e ficou um vazio”.
Carlos Filipe lembra que em Portugal existem alguns centros de exposição vocacionados para este tipo de escultura, “localizados mais a norte, Sintra é uma exceção”, tendo o Alentejo ficado “num completo vazio”, apesar da existência de algumas intenções para o preencher. “Estamos no centro mais importante do país em matéria de rochas ornamentais, em que o mármore é o principal recurso. Fará todo o sentido, num futuro próximo, criar uma localização de residência para artistas e um espaço para exposições temporárias. Não vamos desistir desse projeto”, garante.