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Exposição convida “à descoberta” de ofícios e sinais dos tabeliães

Alexandre de Barahona (texto e fotografia)

Quem eram os tabeliães? Há palavras como esta, surgindo em desuso, que soam a algo enigmático do género “os guardiões da arca perdida. Escutamos dizer “o tabelião”, e nuvens de poeira elevam-se no ar, encobrindo memórias arcaicas. Tema para uma exposição no Arquivo Distrital de Évora.

Célia Malarranha e Cândida Vieira, arquivistas do Arquivo Distrital de Évora (ADE), resolveram sem objetivos académicos ou pecuniários, dedicar-se de olhos e coração à empreitada de nos trazer das letras mortas os tabeliães de Évora e outros alentejanos, do século XVI ao século XIX. Dessa notável faina resultou uma exposição patente até final de outubro no ADE. “Talvez perdure ainda uns tempos, para lá desta data”, afirmam.

Remonta a designação de tabelião como tendo origem nos homens que escreviam em tábuas de cera, chamadas com os nomes de “tábula” ou “tabulários”. Os primeiros a exercerem tal prática na Roma antiga eram os tabelliones (ou tabulari), escribas de profissão a quem competia redigir os contratos a pedido das partes.

Consta que tabelião ou notário, persiste alguma confusão em saber se desempenhavam exatamente as mesmas funções, era a pessoa autorizada a praticar atos de natureza jurídica, nomeadamente como testemunho de concertações em documento. Desta forma se identifica na generalidade o termo tabeliães. Na realidade, reza a história que ambos os ofícios, sendo diferenciados, subsistiram a par um do outro. Apesar de os tabeliães terem surgido primeiro e terem papel mais relevante, será apenas no final do século XIX que o termo de notário suplanta definitivamente, o de tabelião.

Dado o relevo da função, dos registos avulsos, alguns ainda em pergaminho, surgiu a necessidade de os proteger do manuseamento e conservar, pelo que começaram a ser reunidos em cadernos, compilando o todo em livros. O livro de registo passaria assim, desde o início da história moderna da instituição, a ser um elemento imprescindível ao exercício da atividade de tabelião.

Os primeiros livros propriamente ditos datam de 1536 e serviram de ponto de partida para a exposição patente em Évora. “Fizemos uma seleção de nomes dos tabeliães e verificámos para surpresa nossa que muitos exerceram essas funções ao longo de 40 anos. De um deles sabemos que exerceu o cargo durante 57 anos”, diz Célia Malarranha. A mostra agora patente ilustra diversos pormenores, como por exemplo o de que “os tabeliães tinham três dias para entregar aos outorgantes a cópia ou certidão, período de tempo que poderia ser alargado em mais cinco dias se fosse fora da cidade”.

A arquivista descreve vários dos exemplares expostos, como “escrituras de fiança, dados genealógicos, elementos sobre obras no Convento da Cartuxa, quem as fez e que materiais utilizou… este, muito engraçado, é do perdão de um senhor que fora esfaqueado e que vem, por manifesto, perdoar o seu agressor, admitindo que teriam bebido a mais naquele dia. Existem inúmeras ocorrências que são muito interessantes para a história da mentalidade das diversas épocas”.

ACESSO DIFÍCIL

Não era tarefa simples tornar-se tabelião. Desde logo porque a iliteracia era gigantesca, o que por si só excluía inúmeros pretendentes. Depois, os candidatos eram examinados na Chancelaria Régia, onde era requerida uma concessão de licença. Para tal teriam de se submeter a um apertado exame e, se tudo corresse bem, seguia-se a obrigatoriedade de terem um fiador, disposto a deixar em garantia uma fiança, ou seja, alguém de renome que se dispunha a proteger o promitente tabelião, garantindo uma caução que poderia ser empregue no caso de serem cometidos erros ou fraudes, para cobrir eventuais prejuízos causados no exercício da profissão.

Concluídos os procedimentos, teriam por fim de traçar um desenho, por vezes muito elaborado, que depois de reconhecido pela Chancelaria Régia serviria de assinatura do tabelião. Tratava-se de uma espécie de carimbo, ao longo da vida repetido à mão. Chamavam-se sinais rasos, por serem unicamente desenhados a tinta e não possuírem volume.

No final de cada documento encontramos um sinal, desenhado pelo próprio tabelião, garante da veracidade oficial do texto lavrado. Por vezes assinavam e faziam o sinal, mas na grande maioria dos casos o testemunho era autenticado apenas pelo sinal. A legitimação era, como ainda hoje, um carimbo.

O caso de Afonso Guterres é muito interessante. Foi escrivão da chancelaria régia antes de ser tabelião de Lisboa, a partir de 1400. Exercer o ofício em Lisboa aproximava o tabelião da Corte, embora residisse a maior parte do tempo entre a capital e Évora. Dois dos seus filhos foram igualmente tabeliães, um deles tabelião geral de todo o reino.

A função de tabelião, era de facto, algo transmissível de pai para filho, ou sobrinho, ou genro se não tivessem filhos varões. Apesar disso, estes não se libertavam de toda a examinação régia, na Chancelaria, e a sua identificação documental pelo desenho dos sinais tinha a particularidade de ser inspirada no dos seus antecessores, muito parecidos, mas com leves alterações. De modo a se compreender a linhagem, mas separar as gerações.

Nesta exposição poderemos ver como um sinal foi evoluindo numa família de tabeliães durante mais de 120 anos, do bisavô ao bisneto, passando pelo avô e pelo pai. Detalhes transportando-nos no tempo, vários séculos atrás.

Outro documento narra a solicitação de um pai, ele próprio tabelião, que pede ao rei para nomear o seu filho para o mesmo ofício. E junta igual pedido de uma terceira pessoa, com influência na Corte, para assegurar uma afirmativa resposta. Além do mais, e porque tudo ficava assim gravado, permite-nos hoje datar ou nomear quem fazia o quê, pedreiros, ladrilhadores, pintores, todos estes misteres dos ofícios, servindo, portanto, como provas fundamentais para consolidação da história da arte em Portugal.

MAIORES E CASADOS

Dado que na generalidade os homens aprendiam a ler junto dos clérigos, os futuros tabeliães não poderiam enveredar pela vida eclesiástica, devendo ainda ser maiores de 25 anos e casados. Preferencialmente seriam possuidores de fortuna própria ou proprietários. A interdição de pertença ao clero é assegurada pelo rei D. Afonso II, empenhado em travar as doações à Igreja, num claro combate ao monopólio da propriedade imobiliária pelo clero.

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