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Exposição assinala meio século de arte das irmãs Flores

Maria Antónia Zacarias, texto | Gonçalo Figueiredo, fotografia

Vocação e paixão que perdura no tempo, mas que teve o seu início por mero acaso. As irmãs Flores, Maria Inácia e Perpétua tinham traçados caminhos diferentes e costumam dizer que ainda não sabem como conseguiram chegar até aqui. O certo é que chegaram e estão a comemorar meio século de produção do figurado de Estremoz.

O que começou por um mero ofício, para assegurar a subsistência, transformou-se em “saber fazer” e despertou uma vontade crescente de ir mais além. Tudo isto enquanto aprendiam a moldar o barro, “com o coração”. A exposição de 50 figuras, patente até ao próximo dia 2 de setembro, na Galeria D. Dinis, em Estremoz, é uma mostra que ilustra o percurso de meio século de trabalho, amor e dedicação ao Boneco de Estremoz, uma arte popular única que em 2017 viu o seu saber-fazer ser classificado pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Nascidas no final da década de 50 do século passado, em São Bento do Ameixial (concelho de Estremoz), as duas irmãs têm apenas um ano de diferença. Maria Inácia é a primeira das irmãs Flores. Começou como aprendiz no dia 15 de novembro, há 50 anos. Conta que a sua irmã mais nova, Perpétua, já tinha vindo para a cidade de Estremoz como aprendiz de cabeleireira e “foi ela que me arranjou o emprego com uma senhora que fazia bonecos. Nós vínhamos do campo e nem sequer sabíamos o que aquilo era. Eu queria trabalhar e estudar e isto era apenas um ofício”.

A necessidade levou-as até à mestre Sabina Santos, na oficina que esta possuía na Rua Brito Capelo. Foram contratadas para pintar as peças modeladas por esta artesã que fazia os bonecos e que “tinha raparigas que a ajudavam na pintura”. Foi através da pintura que iniciaram esta relação com o figurado, em novembro de 1972, e Maria Inácia afirma que lhe tomou o gosto mal começou a pintar. Recorda que quando entrou na oficina, Sabina Santos desafiou-a logo a pintar “uma peça difícil”, da qual nunca mais se esqueceu: era um lanceiro a cavalo, uma peça com muitos pormenores. A “prova de fogo” foi superada, “até porque as pessoas que vivem no Alentejo sempre gostaram muito de pintar as portas, os rodapés, até os poiais na rua e eu já trazia a experiência de pintar tudo isso e desenrasquei-me muito bem”.

Mas este trabalho iria ter futuro? Esta era uma pergunta que as assombrava, uma vez que, por essa altura, passados dois anos, já as irmãs Flores trabalhavam a tempo inteiro nesta arte. “Vivíamos numa altura em que as coisas não eram muito valorizadas. E pensávamos quem é que vai comprar os bonecos?”, frisa. Embora este receio convivesse com elas, a mestre das artesãs, ao aperceber-se da habilidade que as novas aprendizes iam revelando, foi-lhes dando barro para as mãos, começando a ensinar-lhes as técnicas de modelação, transmitindo-lhes confiança e incentivando-as a que seguissem sozinhas o seu caminho na produção desta arte popular.

Um conselho que foi ouvido pelas irmãs e que as levou a realizar um projeto para ficar com a olaria da mestre, cujo imóvel estava à venda.

Não tendo sido possível, Maria Inácia e Perpétua tiveram de recomeçar “numa casa sem condições, trabalhando muito até que abrimos uma oficina em 1987, na Rua das Meiras”. Em 1999 mudam-se para o Largo da República, onde passam a dispor também de um espaço comercial. Mais recentemente, no ano de 2010, abriram a sua atual oficina e loja.

Atualmente, as encomendas são muitas, o tempo de espera é elevado, estando a olaria e loja repleta de peças que todos os dias são entregues aos proprietários. “Não conseguimos trabalhar mais, temos o meu sobrinho Ricardo Fonseca que trabalha em parceria connosco e uma rapariga que ajuda a pintar”.

ARTE COM HISTÓRIA

Nesta exposição, onde estão patentes 50 bonecos das irmãs Flores exemplificativos dos 50 anos de trabalho, podem apreciar-se as conhecidas figuras das cinco temáticas do Boneco de Estremoz, sejam elas figuras ou cenas de trabalhos agrícolas do mundo rural, ofícios do mundo urbano, figuras de devoção e as mais conhecidas como as “Primavera” e “Amor é Cego”.

Contudo, falam a uma só voz, quando são questionadas sobre quais são as peças que preferem fazer, uma vez que garantem que o que lhes dá maior prazer “é a reprodução de peças antigas”. E acrescentam: “Não vale a pena inventar porque as pessoas querem aquelas peças que são verdadeiras, que pertencem ao passado e à tradição. Os barristas que seguirem a tradição serão sempre valorizados e as suas peças também”.

No catálogo da mostra é relembrado que as barristas têm como grande inspiração a coleção de Bonecos de Estremoz de Júlio Reis Pereira que se encontra exposta no Museu Municipal de Estremoz e que, “tantas vezes”, visitaram na companhia do professor Joaquim Vermelho, antigo diretor do museu e “cujos desafios que lhes colocava acolhiam sempre com entusiasmo”.

O que diferencia as irmãs Flores dos outros barristas? A preservação da história e a capacidade de criar figuras a partir de estórias “que lhes estão na alma”, transpondo-as quer para as expressões, quer para as co- res utilizadas nos Bonecos. “Ao longo destes 50 anos de trabalho saíram, também das mãos das irmãs Flores, inúmeras peças feitas por encomenda com o intuito de serem únicas”.

BONECOS ALÉM FRONTEIRAS

As barristas, acérrimas defensoras deste património, salientam que o Boneco de Estremoz “foi o primeiro trabalho de arte popular de barro a ser classificado. Como tal, é um orgulho muito grande, pois nem todas as artes conseguem sobreviver durante séculos até hoje”.

Da sua vasta história de 50 anos constam presenças em diversas feiras de artesanato, levando de norte a sul do país os Bonecos de Estremoz, bem como internacionalmente, tendo exposto em Valladolid, Bruxelas, Paris, Hamburgo, Nantes, Brasil e Toronto. Em 2018 a sua produção foi certificada e desde agosto de 2021 estão representadas no Centro Interpretativo para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz.

HOMENAGEM À MÃE

Mas de onde vem o nome “Flores”? É uma homenagem à mãe que tinha o apelido de Pisa Flores e que elas não herdaram. Esta, dizem, foi uma “excelente” estratégia de marketing, “patrocinada” por todos os que acreditaram no valor do seu trabalho. Maria Inácia recorda que, durante muito tempo, trabalharam para a revenda, embora hoje o façam para o consumidor final. Todos os dias trabalham, fazendo de cada um mais um contributo para a preservação deste bem cultural e da arte de saber-fazer, perpetuando o figurado de Estremoz.

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