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Exploração de migrantes no Alentejo “sem fim à vista”

Francisco Alvarenga texto | Rádio Pax fotografia

Apesar da operação policial desta quarta-feira, que resultou na detenção de 35 pessoas no Baixo Alentejo, o presidente da Cáritas de Beja, Isaurindo Oliveira, diz que a exploração de migrantes na região “não tem um fim á vista” pois “os problemas são muitos e vão continuar a crescer”.

Em declarações à agência Lusa, Isaurindo Oliveira recordou que as explorações agrícolas onde estes migrantes trabalham, no perímetro de rega do Alqueva, “são altamente exigentes [em termos] de mão-de-obra”, inexistente na região, o que propicia o surgimento de abusos, tanto mais que se trata de um “negócio” controlado por meia dúzia de pessoas.

“No outro dia, aparecia-nos aqui um migrante com um recibo de salário de 100 euros. Para preencher uma manifestação de interesse, que se preenche de borla na internet, cobravam-lhe 300 euros. Para ser testemunha nas Finanças, para terem o NIF, era mais 50 euros cada testemunha. Ou seja, isto é um negócio para um conjunto de pessoas”, denunciou o presidente da Cáritas.

Em comunicado, a Polícia Judiciária (PJ) anunciou ter lado a cabo, através da Unidade Nacional de Contraterrorismo, uma vasta operação policial envolvendo cerca de 400 operacionais, em várias cidades e freguesias da região do Baixo Alentejo, “tendo procedido ao cumprimento de 65 mandados de busca domiciliária e não domiciliária”.

No âmbito do inquérito, titulado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, foram detidas 35 pessoas, com idades compreendidas entre os 22 e os 58 anos, de nacionalidade estrangeira e portuguesa, que se encontram “fortemente indiciados pela prática de crimes de associação criminosa, de tráfico de pessoas, de branqueamento de capitais, de falsificação de documentos, entre outros”.

Ainda de acordo com a PJ, os suspeitos “integram uma estrutura criminosa dedicada à exploração do trabalho de cidadãos imigrantes, na sua maioria, aliciados nos seus países de origem para virem trabalhar em explorações agrícolas” na região..

Na sequência desta ação policial, resultou a apreensão de vários elementos probatórios, bem como a identificação de dezenas de vítimas, oriundas de países como Roménia, Moldávia, Índia, Senegal, Paquistão, Marrocos e Argélia, entre outros.

O centro da operação policial foi o concelho de Cuba. Entre os detidos, apurou a SW Portugal, encontra-se uma solicitadora. As vítimas foram ouvidas para memória futura. De acordo com Isaurindo Oliveira, em resultado destas redes migratórias tem-se assistido a uma “subida exponencial de sem-abrigo em Beja”, na sua maioria trabalhadores migrantes.  “A maioria destas pessoas tem falta de alojamento. Estão no parque de estacionamento a dormir, encostados a um sítio qualquer, caídos num banco e não temos alojamento. E não temos alimentação, porque não vamos dar a estas pessoas um pacote de arroz. Eles não têm onde o fazer. A cantina, o refeitório, são respostas alimentares que estão esgotadas, portanto, precisamos de auxílio”, apelou.

Segundo a TSF, o esquema, agora descoberto pela PJ e pelo DIAP de Lisboa, esconderia um regime de escravatura. As vítimas ficavam logo em dívida com a rede na chegada ao território português, após a cobrança pelas viagens, logística e alojamento, que totalizava milhares de euros. Além disso, as famílias seriam constantemente ameaçadas de violência física.

Ouvido pela Rádio Renascença, o coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), André Costa Jorge, defendeu que os migrantes identificados nesta operação “não devem ser deportados”, devendo ser tratados como vítimas, não como arguidos.

“[Estas] pessoas não podem ser tratadas como parte do problema, mas devem ser protegidas. Não devem ser deportadas por estarem numa situação irregular ou terem documentos falsificados”, sublinha André Costa, lembrando que este ano apenas foram sinalizadas em Portugal 20 vítimas de tráfico de pessoas, “um número residual, dada a dimensão do problema”.

O coordenador do PAR diz ser necessário “incrementar a fiscalização” porque a dimensão do problema “é bem superior à perceção que nos chega”, defendendo igualmente uma maior “proatividade por parte das autoridades que inspecionam as condições de trabalho, nomeadamente a Autoridade para as Condições do Trabalho”.

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