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Turismo: Estremoz integra Rede para promover memória judaica

Situada no Bairro de Santiago, a judiaria de Estremoz era habitada por ricos mercadores e comerciantes que chegaram a emprestar dinheiro ao rei. A sinagoga já não existe, mas as ombreiras das portas preservam as marcas da mezuzá. Para valorizar e promover a presença judaica no concelho, Estremoz passou a integrar uma rede formada por mais de 40 municípios.

Ana Luísa Delgado (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

É certo que já haveria presença de judeus na Península Ibérica durante o domínio romano, embora não seja possível “traçar” os seus caminhos no território que hoje conhecemos por Estremoz. Após a reconquista cristã, lembra o historiador Hugo Guerreiro, “surgem logo notícias” nas cartas de foral sobre a comunidade judaica na região. 

“Em virtude das investigações que têm sido feitas conseguimos saber exatamente a localização da judiaria de Estremoz, no que é hoje o Bairro de Santiago. E isso faz todo o sentido pois era um bairro [que ficava] à parte do castelo e da restante vila”, acrescenta o historiador, também chefe da Divisão de Cultura da Câmara de Estremoz, município que passou a integrar a Rede de Judiarias de Portugal (ver caixa).

Naquela zona, como em todas as judiarias, a partir de determinada hora “ninguém podia sair ou entrar” e em diversas casas é ainda possível “traçar” o espaço, na ombreira direita da porta de entrada, onde era colocada a mezuzá, objeto que contém dois excertos de textos sagrados. Bem como a identidade de alguns desses moradores: “Temos a indicação, por exemplo, que frente à Casa do Alcaide se situava a casa de Januário Coradinho, um grande proprietário judaico”. 

A localização da sinagoga também não é, propriamente, um mistério. “Sabemos que, antes de ter passado para o Bairro de Santiago, estaria naquela que é hoje a Rua Nova, ali no castelo, curiosamente bem perto da Igreja Matriz, o que atesta a boa convivência entre as comunidades”, sublinha Hugo Guerreiro, lamentando, por contraponto, a inexistência de dados sobre a comunidade muçulmana que também partilhava o território nesse período pós-reconquista.

De acordo com a historiadora Maria José Ferro, em 1462 a então vila de Estremoz seria habitada por uma centena de judeus, representando cerca de 3% da população, número que terá crescido nos anos seguintes, a ponto de o bairro se revelar pequeno para albergar toda a comunidade.

A expulsão do território espanhol (1492) levou muitos judeus a atravessar a fronteira “e a procurar abrigo em Portugal, contribuindo para o crescimento de muitas das comunas e judiarias que se encontravam próximas da fronteira. Estremoz, tendo em conta a sua localização terá sido uma das que viu um aumento do número de judeus”, sublinha Rita Laranjo, arqueóloga na Câmara de Estremoz.

De 1495 data um contrato de aforamento, realizado entre membros da Confraria de Nossa Senhora dos Mártires e um casal de judeus para uso de “ (…) humas casas que sam tres de porta adentro que estão dintro na Judiaria da / dita villa na Rua direita a cerca do muro (…)”. 

“Algumas dessas famílias, tendo em conta o seu poder económico e social, desempenharam um papel importante na sociedade da época, como foi o caso da família Abravanel, vinda do reino de Castela, judeus ricos e mercadores que se fixaram em Lisboa. Isaac Abravanel, com ligações a D. Fernando, Conde de Guimarães, tinha propriedades em Estremoz, com vários servidores residentes, alguns deles identificados pelos registos, tais como Amado Samaria e Abraão Galafe”, explica Rita Laranjo. Esse crescimento seria, no entanto, “sol de pouca dura”, pois cinco anos volvidos, em 1497, D. Manuel I emite o édito de expulsão dos judeus de Portugal.

É por isso que, conforme refere Hugo Guerreiro, “os vestígios existentes são poucos, pois a voragem do tempo encarregou-se de os ir apagando”. Ainda assim, há testemunhos dessa presença. O historiador defende a importância de “valorizar histórica e culturalmente” o Bairro de Santiago, sendo que a memória da presença judaica “acrescenta valor ao que já ali existe e valoriza também a área do castelo”.

Da memória histórica resta a indicação do local onde se situava a sinagoga. “Sabemos o espaço onde estava situada, mas o imóvel desapareceu. Certamente que a arqueologia poderá atestar o que as fontes históricas nos dizem, mas temos documentação do final do século XV que atesta a localização da sinagoga”, refere Hugo Guerreiro, definindo a comunidade judaica – ou sefardita – como sendo formada “por um conjunto de homens bastante ricos, mercadores que emprestavam dinheiro até ao rei. Sabemos onde eles moravam, quais as casas e as ruas mais importantes, como a Rua Duarte de Santarém, onde vivia o alcaide-mor” e, em frente, como vimos, um rico mercador judeu.

“Não conseguimos atestar quantos judeus, o tamanho da comunidade, mas era certamente importante até por ir ocupar uma zona com alguma dimensão, como era o Bairro de Santiago, um bairro grande para a época. Era uma comunidade bastante relevante que se dedicava aos negócios, mas também aos ofícios mecânicos e à agricultura, cuja ausência na dinâmica da vila se fez sentir quando uma parte se foi embora”, conclui.

“NÃO DEIXAR FUGIR A OPORTUNIDADE”

Fundada em 2011, a Rede de Judiarias de Portugal integra 42 municípios, incluindo Castelo de Vide, Évora e Reguengos de Monsaraz, pretendendo “conjugar a valorização histórica e patrimonial com a promoção turística”. É por isso que Hugo Guerreiro diz ser “importante” Estremoz “não deixar fugir esta oportunidade de integrar uma rota de turismo cultural que pode ajudar a alavancar ainda mais o turismo no concelho, aqui trazendo pessoas que procuram conhecimento, história, cultura. Tudo isto acrescenta valor”. Recordando que o projeto ainda está no início, garante que durante o ano estará desenhada uma rota da presença judaica em Estremoz.

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