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“Espanha já está a ajudar os agricultores, Portugal ainda não”

Ana Luísa Delgado texto

Presidente da Associação de Agricultores do Distrito de Portalegre, Fermelinda Carvalho antecipa um “ano terrível” para o setor, em resultado da seca que volta a atingir todo o Alentejo. Não há pastagens, os campos estão “rapados” e o preço de palhas e fenos voltou a “disparar”. Com a agravante do Ministério da Agricultura ainda não ter anunciado medidas de apoio, ao contrário que já sucedeu em Espanha.

Qual o ponto de situação?

Estamos a viver tempos de extrema gravidade. Desde as intempéries do passado mês de dezembro, em que choveu torrencialmente, mas apenas em dois ou três dias, nunca mais choveu. Estamos há quatro meses e meio sem chover, ninguém se lembra de uma coisa assim. As pastagens precisam de chuva na altura certa, no início da Primavera, as culturas semeadas também precisam de água, de forma regular, na mesma altura e não houve qualquer precipitação. Portanto, não há pasto, não há nada, os campos estão “rapados” e as culturas semeadas não se desenvolveram, algumas perderam-se totalmente. 

Perspetiva-se um mau ano agrícola, mais um…

Um ano terrível, terrível… e a situação é muito mais grave pois o ano passado também não se produziu, foi um ano marcado pela seca. É mais grave agora porque não temos reservas [de rações], não há nada nos campos, os agricultores já estão a alimentar os animais “à mão”, com recurso a suplementos como fenos, silagens, com o que conseguem. Vão ser muitos meses assim. Na melhor das hipóteses só em outubro teremos alguma pastagem, mas para isso seria preciso que chovesse alguma coisa no início do outono, o que muitas vezes não acontece.

Quais as situações mais complicadas?

Todos os concelhos mais agrícolas estão em seca, como também sucede em Espanha e França. Mesmo que o agricultor queira comprar estes produtos, que normalmente vinham do norte de Espanha ou de França, mas como esses países também estão em seca não vai haver disponibilidade de fornecimento. Estamos todos com o mesmo problema o que vai agravar muito os preços de toda a alimentação animal. E até pior, mais do que uma questão de preço incomportável estamos mesmo confrontados com a indisponibilidade de fenos, palhas, até tudo já a preços proibitivos e ainda não chegámos ao verão. O Ministério da Agricultura espanhol já decretou uma série de medidas de apoio aos agricultores, espero que em Portugal suceda o mesmo, com medidas de apoio financeiro ou outras.

Como por exemplo?

Olhe, nas ajudas comunitárias os agricultores estão obrigados a cumprir uma série de regras ligadas, por exemplo, aos regimes ecológicos, temos de deixar sempre umas áreas de reserva onde o gado não pode entrar. Terá de ser pedida autorização especial a Bruxelas para aligeirar estas regras, para que se possam utilizar todas as áreas, pois todas elas são necessárias. Não podemos estar a guardar áreas onde ainda exista pasto, mesmo que seja pouco. Por outro lado, os agricultores são obrigados a levar as culturas até ao seu ciclo final, ou seja, a ceifar. Mas como elas não se desenvolveram, ao menos que o gado as possa comer e não pode, enquanto o Estado português não o pedir e Bruxelas não o autorizar. Os animais em agricultura biológica só podem ser alimentados com produtos provenientes de agricultura biológica. Também deverá ser pedida uma excepção. Há uma série de procedimentos que o Ministério da Agricultura já deveria ter adotado.

Temos também ouvido alguns produtores pecuários a dizer que só lhes resta vender ou abater os animais?

Sim, aliás os leilões de gado estão cheios para os próximos meses. Os agricultores já inscreveram animais, vão abater… estão a reduzir os efetivos até ao mínimo possível e isso é transversal a todo o Alentejo, pois temos de fazer contas a todos estes meses que temos pela frente.

E as medidas anunciadas pela ministra da Agricultura?

Ainda não apareceram nenhumas medidas! Nada. A senhora ministra, neste diploma que agora publicou, apenas reconhece a existência de seca. A partir daqui é que pode pedir a Bruxelas as tais medidas de exceção, e só depois é que irá anunciar medidas de apoio. É por isso que digo que já vai tarde. Espanha já fez todo este processo e já foi publicado um diploma com medidas concretas de apoio aos agricultores, mas Portugal ainda não.

Além das medidas que já me referiu, são necessários outros apoios?

Temos identificada uma série de medidas que têm a ver com ajudas económicas, mas também com regras comunitárias. Dou-lhe mais um exemplo: uma vaca só tem direito a apoio se de 18 em 18 meses tiver um bezerro. E nestes anos excecionais, pedimos sempre para esse prazo ser alargado para 24 meses. Também precisamos de poder pastorear nas searas, já que não vamos ceifar porque não há qualidade, então que seja aproveitado pelos animais. São regras como estas, e são muitas, que se forem alteradas nos poderão ajudar a minimizar os problemas. O Ministério da Agricultura sabe perfeitamente o que é necessário fazer em ano de seca. Deveria ser mais célere e acionar logo todo este processo.

Sendo que o apoio financeiro…

… é fundamental, é o mais importante, claro, porque os agricultores vão ficar descapitalizados e temos de continuar a produzir, a assegurar a nossa autonomia alimentar. O que normalmente existe em todos os países é um apoio financeiro por animal, para ajudar o agricultor a manter o seu efetivo pecuário. Se todos os agricultores abaterem ou diminuirem de forma drástica os seus efetivos, isto será um problema com que nos iremos confrontar, teremos menos bezerros, menos borregos… o apoio financeiro por animal é importantíssimo. 

“PROBLEMA DO ABEBERAMENTO NÃO É TÃO GRAVE COMO O DO ANO PASSADO”

Quanto às barragens?

Em termos de barragens e de charcas a situação não é tão dramática como o ano passado pois choveu muito naqueles dois ou três dias de dezembro e ficaram praticamente cheias. O problema do abeberamento animal está mais ou menos resolvido, mas há explorações que não têm charcas, nem barragens, apenas captações subterrâneas e tememos que venham a falhar quando começarem a ser utilizadas pois a água escorreu mas não se infiltrou no solo. Por isso, uma das medidas que propomos é apoio para aquisição de material de transporte de água, cisternas, eventualmente permissão para abertura de novas captações subterrâneas. 

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