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Escolas do Alto Alentejo perderam quatro mil alunos em 10 anos

Ana Luísa Delgado texto 

As escolas do Alto Alentejo perderam um total de 4.019 alunos na última década, uma quebra superior a 20%. É um retrato, mais um, do despovoamento do interior. Segundo o geógrafo Jorge Malheiros, trata-se de um problema que coloca em causa “a vitalidade demográfica, cultural e económica” da região.

Os números do Ministério da Educação não deixam margem para dúvida. No ano letivo 2011/12, os estabelecimentos de ensino do Alto Alentejo eram frequentados por 18.564 alunos. Dez anos depois, são agora 14.545. Uma redução superior a 22% e que abrange todos os nível de ensino, com especial incidência no 3.º Ciclo do Ensino Básico (menos 1176). A nível do pré-escolar a redução foi de 462 alunos.

Na capital de distrito há menos de quatro mil alunos a frequentar a escola (são 3750), o que está “em linha” com a diminuição verificada a nível regional, menos 22% do que no letivo 2011/12. Em Ponte de Sor, apesar da existência de algum “dinamismo demográfico”, a quebra chega aos 30%. Em Fronteira, o número de alunos é inferior a 300, o que traduz uma diminuição na ordem dos 48% em apenas uma década.

Esta perda de alunos, refere Rogério Silva, presidente da Câmara de Fronteira e vice-presidente da Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA), decorre do “círculo vicioso de falta de natalidade e de envelhecimento acentuado que a nossa região enfrenta”, sendo que “os problemas relacionados com a interioridade, que se sentem de algumas décadas a esta parte, têm agora uma expressão ainda mais acentuada. Quando o próprio país está com saldos naturais negativos, as regiões que já os tinham há mais anos ressentem-se ainda mais”.

Reconhecendo tratar-se de um programa que “não se consegue inverter com facilidade”, o autarca critica o “abandono generalizado da população dos territórios do interior, que se reflete em todos os serviços públicos e também na educação”. Por isso, acrescenta, “já não se trata apenas de garantir a fixação da população, mas de atrair pessoas” às regiões do interior, num país “a cair para o mar”, com uma “grande concentração de pessoas em particular na Área Metropolitana de Lisboa, o que traz consequências nefastas para as regiões do interior”.

Rogério Silva explica a “redução drástica” do número de alunos no Alto Alentejo com o “esquecimento a que o interior tem sido votado nas últimas décadas”. Ainda de acordo com o vice-presidente da CIMAA, “não bastam medidas isoladas” para conseguir inverter este ciclo de despovoamento. “Era importante que o país criasse forma de as pessoas terem empregabilidade no interior, garantindo medidas, nomeadamente fiscais, de incentivo à fixação de empresas e à criação de empregos para os casais jovens se fixarem”, acrescenta, sublinhando que o encerramento de serviços públicos e o “esquecimento em termos de vias de comunicação” contribuem para o abandono das regiões do interior.

“ESTÁ EM CAUSA A VIABILIDADE DA REGIÃO”

Geógrafo e investigador do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Jorge Malheiros diz não ser “surpreendente” esta redução da população escolar no Alto Alentejo, “sobretudo porque uma parte importante dessa diminuição” está associada à redução do número de nascimentos. “Menos nascimentos originam menos crianças, logo menos alunos. Isto resulta, por um lado, do facto de as famílias terem menos filhos e, por outro, do significativo envelhecimento da população. Havendo muita população que já está a sair da idade fértil, na casa dos 50 anos, e sendo todo o Alentejo uma região bastante envelhecida no contexto do território nacional, há menos nascimentos e isso explica [a existência de] menos crianças nas escolas”, refere.

Segundo Jorge Malheiros, está em causa a “vitalidade da região”, entendendo-se por vitalidade “a capacidade de ser criativo, de se arriscar mais, de haver inovação cultural e empresarial. Tudo isso fica posto em causa”. Por outro lado, como o número crianças é menor, “a região não vai conseguir inverter a perda de população. Vai continuar a ter menos residentes e continuar a ter um processo de envelhecimento, não vai inverter essa tendência”. O que terá consequências “ao nível da vitalidade demográfica, cultural e económica e ao nível da sustentabilidade demográfica, por via da perda de população e do envelhecimento intenso”.

O geógrafo defende que uma das formas de inverter esta tendência é “atrair população por via das migrações”. E explica: “Se se conseguirem alguns reequilíbrios regionais que tragam capacidade em termos de qualidade de vida, de geração de emprego, de salários mais interessantes, se se conseguir que os bons exemplos de dinâmica se multipliquem e que os municípios que têm perda de população, embora menor, consigam inverter essa tendência, que as cidades médias funcionem como âncoras efetivas do desenvolvimento, então aí será possível, por via das migrações, contrariar a tendência de perda de população”.

“Sem respostas a nível de educação os jovens casais não se fixam”

O presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), Manuel Nobre, diz que esta estrutura sindical “desde há muito alerta para os riscos de despovoamento”, que se traduzem na perda de alunos. “Muitos desses riscos, que têm a ver com o abandono do interior do país e com a falta de respostas a nível de emprego e incentivo à fixação de jovens casais não se podem controlar no plano da Educação. Mas o Ministério da Educação, ao longo dos anos, não tomou medidas para contrariar essa tendência”, acrescenta Manuel Nobre, dando como exemplo o encerramento de escolas durante os governos liderados por José Sócrates e por Pedro Paços Coelho: “Fecharam quase 50 por cento das escolas no Alentejo. Isso levou ao afastamento de muitos jovens casais das localidades com menos população, que se deslocaram para as sedes de concelho ou para as zonas mais populacionais”.

Assim, refere Manuel Nobre, “acabámos por assistir a um efeito de bola de neve”, pois “sem respostas a nível de educação os jovens casais não se fixam e quebram-se os laços das crianças às comunidades. Sempre fomos dizendo que  a médio prazo isto traria resultados ainda mais negativos para a existência das comunidades mais isoladas. O resultado está à vista”, conclui.

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