Desporto, cultura e potencial económico. Entrevista a José Miguel Mexia de Almeida, ex-atleta e ex-selecionador, hoje presidente do júri internacional.
Alexandre de Barahona (texto)
Sempre ou quase sempre que falamos de desporto, a primazia é dada aos atletas, aos títulos e resultados. Ora o desporto não se reduz a isso, apenas. Mesmo essa parte, para onde se dirigem os focos da comunicação social, não existiria, caso não estivessem omnipresentes os organizadores, os árbitros, os reguladores, os treinadores, os patrocinadores. Não raramente, os antigos atletas convertem-se num, ou mesmo em vários, desses papéis.
É o caso de José Miguel Mexia de Almeida, cavaleiro desde que nasceu até hoje, nos seus 68 anos, que ele, fruto do seu ainda espírito jovem, segreda ter vergonha de admitir. “Eu não sou velho, já comecei nisto dos cavalos foi há muito tempo”, diz, assegurando que ainda monta todos os dias. E é verdade.
Os raides de ‘endurance’ integram uma por entre várias disciplinas desportivas equestres, que são praticadas e federadas. O raide do Monte das Flores, nos anos 80 do século passado, foi um dos primeiros eventos do género e ficou como exemplo em Portugal.
José Miguel recorda que “com o Pedro Cabral, o António Melro, entre outros”, foi quem organizava e ao mesmo tempo participava no célebre evento. No entanto, eram sempre “encontros amadores, e só há entretenimentos e desporto oficial se houver regras, quem as escreva e as faça cumprir”.
“Só assim as provas existem e são oficializadas. No nosso caso, dado as especificidades que este desporto tem, isto traz segurança para os cavalos e cavaleiros. Obriga a otimizar as condições sanitárias e ao bem-estar geral, protegendo melhor os cavalos, que são obviamente o valor essencial. Aliás, em todas as provas equestres, os nomes dos cavalos são sempre referidos antes dos nomes dos cavaleiros”, explica.
A sua paixão pelo cavalo é evidente neste desporto, que exige treinos diários, “na maioria dos casos, os cavaleiros vão treinar os cavalos de manhã, antes de irem trabalhar, e depois à tarde, aquando regressam do emprego. Era o meu caso e o de todos”.
Mas depressa José Miguel Mexia de Almeida compreendeu que de atleta, mesmo adorando sê-lo, deveria optar pela obrigação de tornar-se responsável, possibilitando que aquela disciplina evoluísse. “Eu e outros tivemos de escolher abdicar de participarmos a cavalo para sermos juízes, organizadores e comissários de prova, senão os restantes nunca poderiam fazer as provas a sério e os mais novos nunca teriam futuro na modalidade”, confessa-nos.
“Esse papel administrativo e organizativo é muito importante no desporto, seja o equestre ou em qualquer outro. Muitas vezes as pessoas esquecem-se e só veem os atletas”. O seu irmão mais novo, João Mexia de Almeida, foi vários anos campeão nacional de ‘endurance’, e o seu filho Frederico seguiu-lhes as pisadas, sendo profissional neste universo. No momento da entrevista, José Miguel preparava-se para rumar a Sines, onde neste último fim de semana de novembro se desenrolou o Concurso de
Endurance Internacional/três estrelas, a mais importante prova internacional realizada no nosso país e onde ele tem a honra de ser presidente do júri.
É o resultado de muitos anos de trabalho, décadas a estudar (muitas vezes, somente em inglês), a elaborar e melhorar as leis, de viagens, de provas e reuniões no estrangeiro, inúmeros fins de semana sem repouso e sem o conforto da família. E compensa? “Nada compensa, estarmos afastados da companhia das nossas netas e filhos”, abrevia José Miguel Mexia de Almeida.
Mas vejamos, no que consta exatamente um raide. Trata-se de uma competição em contrarrelógio para testar a resistência e, claro, a velocidade de um cavalo. O percurso campestre é dividido em diversas fases e no final de cada uma (que ronda os 40 quilómetros,) procede-se sempre uma inspeção veterinária. O cuidado com a saúde dos cavalos é essencial, respeitando-se todas as normas veterinárias. E competindo aos elementos dos júris tomarem com reflexão e inflexibilidade todas as decisões. Um cavalo no qual é detetado o mínimo desidratação ou indícios de taquicardia é automaticamente afastado. Um cavaleiro em cuja montada seja vista qualquer prenúncio de violência é afastado e pode ser punido com interdição de participar em provas futuras.
“Os júris têm de tomar decisões rápidas, seguras e definitivas, nesses momentos. É muito assertivo que tenhamos sido cavaleiros para interpretarmos bem cada situação. Por vezes os atletas ficam muito zangados connosco, mas depois passa-lhes, porque percebem que foram tomadas decisões, para proteger o seu cavalo”, reconhece José Miguel Mexia de Almeida, que além de ser membro dos órgãos sociais da Federação Equestre Portuguesa já foi selecionador nacional. Muitos outros pormenores são tidos em conta, como o facto da utilização das esporas e dos ‘sticks’ ser proibida.
Mexia de Almeida refere o exponencial do Alentejo para esta provas de desporto equestre, dada a extensão das propriedades e o clima. “É um desporto cem por cento ecológico e em todas as provas há um regulamento no qual o primeiro parágrafo é sempre explicito no compromisso da organização, dos cavaleiros e proprietários com o bem-estar dos cavalos”.
CAVALOS ÁRABES
A melhor raça de cavalos para este desporto é a árabe. No Alentejo, que é o epicentro dos raides em Portugal, destaca-se Guilherme Gião (de Reguengos de Monsaraz), que nos anos 30 do século passado ia buscar os seus cavalos à Arábia. “Já verifiquei os registos da coudelaria onde estão inscritos os cavalos e os nomes dos pais, dos avós dos cavalos. E lê-se, nome X filho de Y da coudelaria nacional, e da égua Z comprada no deserto,” confirma José Miguel. “Ele tinha éguas de raças árabes puras, que ia lá buscar, cruzadas com garanhões puro-sangue inglês. Há mais de um século atrás”.
Outra figura ímpar dos cavalos árabes em Portugal, também no Alentejo, era João Lopes Aleixo (de Cabeção), que “conseguiu extrair a beleza aliada à robustez, com resultados deslumbrantes”.
Graças a estas diferentes conjunturas, existem várias equipas estrangeiras de topo internacional estabelecidas em Portugal. Fossemos nós um país mais organizado, e menos egocêntrico, e poderíamos aproveitar estas riquezas culturais, para as transformar em atrativos de investimento, turismo e exportação, inclusivamente.
José Miguel Mexia de Almeida é uma pessoa educada, contida, mas se vai falar sobre cavalos poderemos ter toda a noite pela frente. As paixões são assim, e precisamos de mais pessoas com paixões. “O cavalo inglês corre mais rápido, mas em menores distâncias, o árabe é a resistência e velocidade que o caracteriza,” certifica. E depois, “há aquela velha história, de um senhor árabe que vai para Inglaterra e é questionado por senhor um inglês, ambos proprietários de cavalos, das suas respetivas origens. O inglês, quase ofendido, desafia o árabe a uma corrida de velocidade, apregoando as qualidades do puro-sangue inglês e o árabe aceita o desafio, perguntando-lhe quantos dias duraria a corrida”.