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Do estado de negação do ME à revolta dos professores

Carlos Calixto, professor | opinião

Veritas lux mea (a verdade ilumina-me). Dia 17 de dezembro de 2022, um sábado, Lisboa. Um dia histórico para a classe docente. Uma manifestação com um “clix” sindical, mas na essência um movimento espontâneo que começou nas redes sociais e nos blogues e que agora já é notícia e que mostra o descontentamento docente, com os sentimentos e emoções à flor da pele de dezenas de milhares de educadores e professores.

Uma manifestação do despertar de consciência de classe dos professores portugueses. Gritando as suas razões em defesa da escola pública e dos seus direitos. Uma das maiores manifestações de sempre, com a presença transversal de colegas não sindicalizados, de associados de todos os sindicatos e federações e até de políticos.

Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa está solidário com a luta dos professores. Somos vítimas resilientes e a injustiça que sentimos foi o rastilho/gatilho que disparou o transbordar e explodir de todo um acumular de abandono, injustiças, mágoas, “trabalho escravo” nas escolas, “roubo” de tempo de serviço efectivamente trabalhado, não contabilizado e nem sequer propostas de compensação (a reforma antecipada ou a aposentação sem penalização com 36 anos de serviço), vagas/quotas na avaliação. 

A  escola  ultra moderna das pedagogias e metodologias dos projectos, “Maia”, “Ubuntu”, etc, filosofias   de escola importadas, num permanente carrossel laboratorial de experiências, escolas piloto, meditações, casos de presença excessiva, abusiva e intrusiva dos pais e encarregados de educação na escola  (com agressões aos colegas que se multiplicam), o exponenciar da indisciplina e do bullying, o sucesso  “martelado” com o argumentum ad nauseam, o E-360, sim a plataforma pesadelo que não funciona/mal.

Tudo isto e muito mais está a chocar de frente com o grande e experiente professorado formatado no tempo em que se ensinava e aprendia de acordo com a “Taxonomia de Bloom”, com orientações para redigir competências, habilidades e atitudes/valores. A taxonomia dos objetivos educacionais, gerais e específicos, dos conteúdos e estratégias, eficaz no planeamento de situações cognitivas de aprendizagem, aquisição, compreensão e aplicação de conhecimentos, e é facto que os alunos aprendiam alguma coisa e reprovavam quando era o caso. Simples, eficaz e a verdade dos resultados escolares dos alunos.

Educar por excelência é na família (axiologicamente a escola também educa e forma cidadãos para os valores e com espírito crítico). Mas é missão crítica da escola ensinar a transmissão do conhecimento e saber humano acumulado, de geração em geração. Donde, sem subterfúgios, a motivação para a aprendizagem resultar do facto de que não há nada de novo sobre a terra. 

É só ouvir os professores mais experientes, que não querem o maniqueísmo de que tudo é a fartar de digital (que não funciona), afirmam que há alunos com problemas muito sérios/graves de visão e acusam o ME de má visão, que há alunos que já não sabem escrever à mão e que a escrita cursiva já era. 

É o IAVE e o modelo de avaliação dos testes de “exames de cruzinhas”, em detrimento da capacidade de argumentação dos alunos, articulação e desenvolvimento das ideias. É o facilitismo que contraria o raciocínio pensante. Donde, com a inclusão não é obrigatória a mediocridade. O não rotundo ao “eduquês”. A ortografia e o português tão mal tratados. As borlas nas correções dos exames, trabalho não remunerado. 

São os colegas que estão nas salas de aula que têm a autoridade da palavra do que vivenciam. O “chato da coisa” é que a escola e o estudar dão trabalho, o aluno pouco ou nada disponível como educando não quer nem está para aprender, e o professor em modo olímpico, in extremis lá consegue o desiderato. Extenuante! Nas reuniões sindicais nas escolas os relatos dos colegas são repetitivos.  Cabe ao ME ouvir, escutar e em filosofia Ubuntu: “Eu sou porque tu és/nós somos”. Estamos/caminhamos juntos.

O ME tem de perceber/assimilar que o trabalho docente é um trabalho intelectual. Lamentavelmente, o Ministério da Educação transformou o trabalho intelectual docente em trabalho proletário, no sentido do simples operário, do faz tudo, do trabalho indiferenciado (com todo o respeito o digo e afirmo).

Donde, a negação do ME do professorado enquanto elite intelectual altamente qualificada e especializada e massa crítica pensante, resultar num terrível equívoco/engano que levou ao actual estado de coisas. Desde 2005, desde Sócrates e Maria de Lurdes, há 17 anos que o professorado tem vivido um inferno de turbulência negativa grave e “terrorismo tutelar” sem tréguas. Uma vergonha. Chega, basta, queremos trabalhar em paz.

É urgente e impõe-se a construção de pontes de confiança, boa fé, equilíbrio, verdade, justiça e lato sensu (literalmente) entre o ME e os professores. Senhor ministro da Educação, V.ª Ex.ª tem a obrigação de ter consciência do mal-estar docente que levou à revolta do professorado português, que tem sido tão desautorizado, desvalorizado, negada a progressão, empobrecido, diminuído e achincalhado na sociedade portuguesa. O senhor ministro é professor. Donde, tem o privilégio de saber que os professores precisam de tempo para preparar as aulas, em vez de relatórios, “papelada digital”, burocracia insano e inutilidades que para nada servem e são perda de tempo.

Os professores estão exaustos. Não têm direito ao fim de semana porque há sempre trabalho para fazer. Não ajuda nada tentar infantilizar e fazer passar a ideia ridícula para a opinião pública e para os pares, de que os professores são ingénuos, quais “mentecaptos”, “tolinhos”, não têm discernimento, se deixam manipular por mentiras e interpretações falaciosas de algum articulado, sem opinião, num desrespeito que fere, minimiza e ofende a classe.

As negociações estão em curso e os sindicatos e federações não querem maus acordos, queremos acordos justos/ganhadores, que venham de encontro aos legítimos anseios de toda uma classe socioprofissional há muito castigada. Os professores observam, pensam, interpretam, analisam, avaliam, são intelectuais, sabem o que querem e qual o ponto de equilíbrio das coisas.

O ME não pode estar contra os professores. Tem de apoiar e ser solidário com o professorado. Errare humanum est (errar é humano). É nobreza de caráter reconhecer os erros, emendar a mão e dizer “presente”.  Alea jacta est (a sorte está lançada). 

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