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Diogo Serra: “É necessário que a gente se saiba ouvir”

Luís Godinho, texto | Bruno Lino Vassalo, fotografia

Fundado há mais de 100 anos, em Portalegre, o Grémio Transtagano ganha nova vida. A ideia é promover conferências e estudos sobre a história local, mas sobretudo fomentar a intervenção cívica e política, promover “o governo da pólis, com a discussão e as diferenças que devem existir, mas com a elevação necessária”, diz o presidente da instituição. Segundo Diogo Júlio Serra, “é do somatório das difere ças” que se conseguirá trilhar “um caminho conjunto”.

Qual o propósito do Grémio Transtagano?

O Grémio nasceu há mais de 100 anos, embora tenha tido um período de hibernação grave durante alguns anos.

Comecemos então pela história. Como é que nasceu e porquê?

Nasceu da vontade de um grupo de amigos, nomeadamente republicanos, que no decurso da I República fizeram um clube com um nome que parecia brincadeira, apesar de ter sido uma coisa muita séria… nasceu como Grémio Planetário. Os sócios estavam divididos em grupos com nomes de planetas, cometas, satélites e já tinha o objetivo que queremos manter, isto é, promover um espaço de educação cívica, de prática cívica e cultural. Queremos, acima de tudo, que aqui se faça política ao nível que ela deve ter, de governo da pólis, com a discussão e as diferenças que devem existir, mas com a elevação necessária. Ora, esta ideia que levou ao nascimento do Grémio Planetário, criado por homens como o coronel Jorge Velez Caroço, Eleutério Albarrão, o Fernando Costa, irmão do Emílio Costa, um dos condes de Avilez… gente que tinha uma posição pública de grande exposição, mas também de grande atividade, que resolvem fazer este Grémio Planetário, que depois faz uma alteração estatutária, em março de 1920, e muda o nome para Grémio Transtagano.

Continuando a ser um grémio republicano.

Fundamentalmente um grémio republicano. Como os republicanos, logo a partir dos primeiros anos de implantação da República, se dividem em vários partidos, com várias orientações, o Grémio era formado por gente oriunda de todas as áreas republicanas, com um objetivo grande associado à noção de pátria, às questões da guerra, estamos também na I Grande Guerra, e à defesa dos portalegrenses que estão ou que tinham estado a combater. Portanto, é a volta deste propósito de arranjar meios para minorar as agruras de quem está a combater – o Batalhão de Infantaria de Portalegre estava a combater em França – e é a partir daí que eles se organizam, primeiro para que os soldados tenham um jantar tradicional de Páscoa, e daí vai-se evoluindo para a criação de um monumento aos mortos da I Grande Guerra [obra do escultor Henrique Moreira, inaugurada em novembro de 1935]. Portanto, a grande batalha cívica do Grémio Transtagano foi o colocar este monumento no Rossio da cidade.

Já tinha instalações?

Ele funcionava sobretudo nas casas e nos cafés onde se faziam tertúlias em Portalegre. Nunca teve, nessa altura, uma sede própria. Depois, com o advento do Estado Novo, com o golpe de maio de 1926, o coronel Jorge Velez Caroço, que é a figura principal deste Grémio Transtagano, sai e o Grémio acaba por cair no esquecimento. Entretanto tinham feito muitas coisas, como as primeiras festas da cidade de Portalegre, uma angariação de fundos para a ideia de criar uma aldeia portuguesa em França. Com o fim da I República, o Grémio entrou no marasmo.

Um marasmo que se prolongou até muito recentemente…

Como é que nós aparecemos? Aparecemos porque nos 100 anos da criação do Grémio Planetário, em 2016, o professor António Ventura, eu próprio, o Bentes Bravo e uma série de gente que tem interesse pela história resolvemos assinalar a data, com uma série de conferências… o Bentes Bravo, por exemplo, fez uma conferência sobre a história do Monumento. No final pensámos que, uma vez que já tinha sido trilhado este caminho, o ideal seria continuar a pôr o Grémio Transtagano ao serviço da atividade cívica de Portalegre e alargar a sua atividade para outras fronteiras, que não sejam as da cidade nem apenas as do distrito, mas as de toda região.

O objetivo central, se bem o entendi, é pensar a região.

É nessa base que promovemos um conjunto diversificado de iniciativas, promover conversas abertas sobre os desafios e oportunidades da região.

As pessoas ouvem-se pouco?

O drama é esse, não só se ouvem pouco como se ouvem de uma forma desconfiada… quando ouvi- mos alguém que não reconhecemos como fazendo parte do nosso grupo de amigos ou de correligionários, em vez de o fazermos de mente aberta para acolher o que vem de novo, a ideia é sempre de defesa. Se não diz o mesmo que estamos a pensar a reação é afastar de imediato, não pensar se porventura tem razão, ou alguma razão.

E a ideia do Grémio é promo- ver o contrário?

É promover que a diferença acrescente valor. No Alto Alentejo o contexto, muitas vezes, não é muito favorável a este tipo de “novidade”, a ter mente aberta para o pensamento dos outros, mas temos dado passos muito positivos e começamos a perceber que o nosso trabalho é reconhecido e porque há mais gente que nos procura, na perspetiva de ajudar. Vamos crescer no sentido de nos podermos ouvir. Acho que colocou a questão muito bem: é necessário que a gente se saiba ouvir e que possamos dizer o que pensamos. É do somatório dessas diferenças que conseguiremos construir um caminho conjunto, em vez de estarmos entrincheirados nas convicções de cada um.

“TENTAMOS VIAJAR DE MENTE ABERTA”

O Grémio Transtagano mantém o mesmo espírito, as mesmas convicções, com que foi fundado em 1916?

Temos o mesmo espírito… fomos ao encontro de um conjunto de pessoas que estão envolvidas no movimento cívico e cultural, oriundas das mais diversas formas de pensar, mas que se conseguem juntar e unir em torno daquilo que, a cada momento, consideram fundamental. Foi isso que sucedeu. A partir daí temo-nos dedicado a promover um conjunto de conferências e de estudos sobre a história local. Em plena pandemia não deixámos de ter conferências quinzenais com especialistas das mais diversas áreas, fizemos uma homenagem aos 15 primeiros presidentes de câmara eleitos no distrito de Portalegre, com a presença dos quatro que ainda eram vivos, entretanto morreu o comendador Rui Nabeiro, e tentamos viajar… viajar de mente aberta para criar condições para que os nossos associados possam usufruir da beleza, do património, da cultura, da história dos diversos locais.

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