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Despovoamento do Alentejo “não pode ser sinónimo” de abandono

Com o saldo migratório em queda e o número de mortes duas vezes superior ao de nascimentos, há territórios no Alentejo onde é “praticamente impossível” inverter o declínio demográfico. Ainda assim, João Ferrão, geógrafo da Universidade de Lisboa, diz que despovoamento “não pode significar” abandono.

Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

O saldo migratório no Alentejo ainda é positivo, mas tem vindo a diminuir. Entre os que deixam a região e os que nela se instalam há um saldo positivo de 3195 pessoas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), sendo que em 2021 esse saldo, igualmente positivo, era substancialmente maior (5381), apesar da restrição de movimentos em consequência da pandemia de covid-19. Em 2020, o Alentejo tinha acolhido mais 3869 pessoas do que as que partiram.

Os últimos dados do INE, relativos a 2022, comprovam a diminuição do saldo migratório, que agora já se revela insuficiente para “compensar” o saldo natural negativo, ou seja, a diferença entre o número dos que morrem e dos que nascem. Entre janeiro e outubro de 2023 foram registados, no Alentejo, 6126 óbitos, mais do dobro que o número de nascimentos (2901). Há assim mais 3225 óbitos que nascimentos, em apenas nove meses do ano. Um número que já é superior a todo o saldo migratório do ano anterior. 

Embora atingindo toda a região, o despovoamento é particularmente sentido no Alto Alentejo e no Baixo Alentejo. No distrito de Portalegre, o número de óbitos (1118) foi 63% superior ao de nascimentos (650). Também no Baixo Alentejo os óbitos (1711) foram mais do dobro que os nascimentos (766), sendo que o Alentejo Central não fica longe: 1852 contra 949.

Geógrafo e investigador da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, João Ferrão reconhece que “há determinadas áreas [territoriais] onde inverter esta situação atual de baixa densidade é muito difícil”. Ou seja, há territórios “onde é possível inverter, mas há outros onde, não vou dizer que seja impossível, mas é muito difícil quebrar esse ciclo e, portanto, temos que ver como lidar com essa situação”. 

E aqui, acrescenta João Ferrão, colocam-se duas questões. Por um lado, “como garantir a qualidade de vida digna para as pessoas” que se mantêm nos territórios com despovoamento mais acentuado, “pois não são cidadãos de segunda pelo facto de viverem em áreas com uma densidade demográfica muito baixa e até continuar a diminuir”. Por outro, como assegurar que o despovoamento não signifique abandono, ao contrário do que é usual acontecer.

“Não podemos, como tem sido feito muitas vezes, acompanhar o decréscimo da população pelo encerramento sistemático daquilo que são serviços básicos, como o centro de saúde, a escola, os correios, até a agência bancária. Temos que arranjar soluções que sejam compatíveis com essa baixa densidade”, defende o geógrafo, sublinhando que essas soluções “são conhecidas e têm sido desenvolvidas noutros países” onde as questões do despovoamento até atingem dimensões maiores do que no Alentejo, como é o caso da Suécia ou da Finlândia.

Em entrevista à SW Portugal, João Ferrão aponta alguns exemplos de intervenções possíveis nestes territórios: “Temos que evoluir dos equipamentos setoriais para os multisetoriais. Ou seja, se já não existe dimensão suficiente para ter equipamentos específicos, posso ter a funcionar no mesmo espaço, por exemplo, uma creche e um lar de idosos, o que até é positivo pois promove as relações intergeracionais”. Trata-se de “encontrar novas soluções” para ganhar escala e tornar viável o funcionamento dos equipamentos existentes. 

Outra solução, explica, é a mobilidade. A chamada “mobilidade a pedido”, ajustada às necessidades das populações, já existe em diversas áreas do Alentejo. Mas serviços culturais (como o cinema) ou sociais (como o barbeiro), que já foram itinerantes – “não se justificava existirem permanentemente num determinado local com pouca população, mas essa população tinha acesso a esses serviços que, de vez em quando passavam por lá” -, estão hoje afastados dos territórios mais despovoados.

“Ora hoje”, prossegue, “temos situações mais sofisticadas do que a solução itinerante, como carrinhas que podem circular, passando regularmente duas vezes ou três vezes por semana na mesma localidade, com valências na área da saúde, de ajuda a pessoas idosas, ou ao preenchimento de documentos por parte dos pequenos agricultores”. 

“Como é que cortamos esta relação, que muitas vezes consideramos inevitável, entre despovoamento e abandono?”, interroga João Ferrão, reconhecendo que essa “será a tendência, se não fizermos nada”. A agricultura é um bom exemplo de que essas duas realidades podem não ser sinónimas: “Com o desenvolvimento das soluções de satélite, com soluções de inteligência artificial daquilo que se chama a internet das coisas, podemos fazer uma gestão à distância da atividade agrícola, da atividade pastoril, da qualidade do solo e da água”. Ou seja, “é possível fazer há distância, com muito poucas pessoas, mas com pessoas com competências especificas, aquilo que antes era feito localmente por muitas pessoas”. 

Para isso, para concretizar esse “grande esforço” contra o abandono do interior, são necessários investimentos básicos, como a existência de um bom acesso à rede de internet. “Reivindicar uma boa cobertura 5G para territórios de baixa densidade é fundamental para permitir esse tipo de gestão à distância que garante que despovoamento não significa necessariamente abandono”, conclui.

SALDO MIGRATÓRIO EM QUEDA

Durante os anos em que Portugal esteve sob resgate financeiro da ‘troika’ (2011/2015), o número de alentejanos que emigrou foi sempre superior ao de imigrantes que se fixaram na região. Ou seja, o saldo migratório foi sempre negativo, em particular nos anos de 2013 (menos 2097 pessoas) e 2014 (menos 1927). Segundo o INE, a situação começou a alterar-se em 2018, em grande medida devido à instalação de trabalhadores agrícolas provenientes de vários países. Nesse ano, o saldo migratório foi positivo pela primeira vez, com a fixação no Alentejo de mais 205 pessoas do que as que partiram. O mesmo ocorreu em 2019 (mais 2471), em 2020 (mais 3896) e, sobretudo, em 2021 (mais 5381). Depois de nove anos de crescimento, o saldo migratório diminuiu em 2022, uma quebra de 41% face ao ano anterior.

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