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Derrocada da estrada de Borba leva seis arguidos a tribunal

Luís Godinho texto | Ana Luísa Delgado foto

Fase processual resolvida. O Ministério Público acusou. O juiz de instrução criminal fez o despacho de pronuncia. A Relação de Évora analisou o processo. As responsabilidades criminais pela derrocada da Estrada Municipal 255, que fez cinco vítimas mortais, vão ser agora avaliadas em sede de julgamento. Entre os seis arguidos está António Anselmo, o presidente da Câmara de Borba.

O Tribunal da Relação de Évora (TRE) considerou “totalmente improcedente” o recurso apresentado pelo Ministério Público relativo à decisão do juiz de instrução criminal de não levar a julgamento dois dos arguidos do processo de derrocada da Estrada Municipal 255, entre Borba e Vila Viçosa, ocorrida em 2018. João Filipe de Jesus, antigo diretor regional de Economia do Alentejo, e Maria Figueira, funcionária da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), não foram pronunciados pelo juiz de instrução. O Ministério Público recorreu. A Relação de Évora confirmou a decisão.

O MP defendia que o juiz de instrução incorreu “numa manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão”, porque na decisão instrutória, apesar de entender que “a atitude dos arguidos é configurável como dolo eventual”, considerou “erradamente” como não indiciado que a João Filipe de Jesus e a Maria João Figueira “se lhes impunha, era exigível e estava ao seu alcance diligenciar pela cessação efetiva da atividade de exploração da pedreira”.

Neste ponto, o acórdão do TRE frisa que “tais vícios não podem, nesta fase processual, ser chamados a terreiro” pois, “nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a realidade dos factos, mas tão só os indícios”. O acórdão exclui a existência de “qualquer nexo entre o comportamento omissivo dos arguidos” Maria João Figueira e João Filipe de Jesus e “o concreto evento lesivo”. E, acrescenta, “após cessarem funções”, era “legalmente interdito [aos arguidos] ordenarem quaisquer ações de fiscalização para assegurar a efetiva interdição da pedreira ou quaisquer outras ações com tal escopo”.

Na sequência desta decisão, os restantes arguidos neste processo irão a tribunal. Entre eles está António Anselmo, presidente da Câmara de Borba, e o proprietário da empresa ALA Almeida, dona da pedreira, a quem são imputados cinco crimes de homicídio, tantos quanto as vítimas mortais decorrentes da derrocada da estrada.

O acórdão elenca o desenrolar dos acontecimentos. A começar pelo dia 14 de junho de 1988, quando deu entrada na Direção Geral de Geologia e Minas o primeiro plano de lavra para a exploração da pedreira do Olival Grande, entre Borba e Vila Viçosa. A licença de exploração foi atribuída em maio de 1989. Data de 1993 uma atualização do plano de lavra, onde se menciona a inexistência de “zona da defesa na parte da pedreira confinante com a pedreira do Carrascal, porquanto se procedera à unificação das explorações”.

Depois, é solicitada autorização para exploração de mármore até 27,5 metros da Estrada Municipal 255, “referindo-se que seriam tomadas medidas de segurança por forma a suportar as fraturas, através do enchimento dos vazios existentes entre as rochas com betão e a construção de um murete”.

Este pedido foi objeto de parecer negativo por parte do Ministério da Economia. De acordo com a acusação, em 2015 foi realizado “novo plano de lavra da pedreira no qual aparece identificada e analisada a situação de instabilidade do talude” adjacente à Estrada Municipal 255, “sugerindo-se a adoção, como solução, de medidas técnicas de pregagens de sustentação”.

A pedreira continuou em exploração até novembro de 2018. A acusação sustenta que “os problemas de estabilidade do talude” das pedreiras do Carrascal e Olival Grande, confinante com a estrada, “estavam identificados há vários anos”, sendo do conhecimento “de todos os arguidos”.

Um estudo do Centro de Geotecnia do Instituto Superior Técnico, realizado em 2003, refere que “o paralelismo entre as direções daquele talude e da principal fratura que o pode instabilizar é conhecido pelos especialistas como uma das condições essenciais para ocorrer um fenómeno de rotura ou deslizamento planar”. O alerta estava dado. Mas passariam ainda vários anos até à derrocada fatal.

A acusação lembra que em janeiro de 2014, passados 11 anos sobre esta alerta, decorreu uma reunião na Câmara de Borba, em que participaram autarcas e exploradores de pedreiras, “na qual foi analisada e discutida a situação de insegurança” da Estrada Municipal 255, “ponderando-se a possibilidade de ser desativado” este troço.

Na reunião, acrescenta o Ministério Público, o presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, “consciente da problemática e riscos de desmoronamento do talude e consequentemente da estrada”, solicitou um parecer sobre os riscos existentes.

Todavia, prossegue a acusação, “a atividade extrativa na pedreira do Olival Grande continuou em local não autorizado, incidindo sobre o talude em causa”, o que motivou a reclamação do proprietário de uma pedreira contígua “dando conta do derrube de pedras e escombros”.

AS CINCO VÍTIMAS TRAGÉDIA

O despacho instrutório estabelece uma cronologia da tragédia. A 19 de novembro de 2018, cerca de 15h45, ocorre “um deslizamento no maciço rochoso” que constituía o talude das pedreiras do Olival e do Carrascal, confinante com a Estrada Municipal 255, “levando ao consequente desmoronamento de um grande volume de massa rochosa e pedra de suporte do aterro onde assentava aquela estrada, culminando no seu abate parcial e derrocada para o interior daquelas pedreiras”.

Por essa hora, Gualdim Pita, encontrava-se a trabalhar junto de uma escavadora. “Ao aperceber-se da derrocada entrou no interior da máquina no intuito de a retirar do local, todavia acabou por ser arrastado” pelos blocos de pedra. João Xavier, que trabalhava no fundo da pedreira do Olival Grande, foi atingido por “massa e blocos de pedras”, ficando soterrado. José Rocha e Carlos Lourenço seguiam num veículo automóvel que “foi arrastado” para o fundo da pedreira. Tal como José Galhardo Ruivo, que seguia na mesma estrada. Foram as cinco vítimas mortais da derrocada.

A acusação sustenta que António Anselmo e o vice-presidente da Câmara de Borba, Joaquim Espanhol, “estando ao corrente do identificado perigo de deslizamento” do talude, “não evitaram” a ocorrência do acidente. Já a ALA de Almeida e responsáveis pela empresa, “ao invés daquilo que o circunstancionalismo concreto suscitava e lhes impunha, considerando o seu conhecimento da instabilidade do talude em causa e consequente risco elevado de derrocada”, permitiram a laboração da pedreira, “não obstante a gravidade da situação e do perigo que representava.

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