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Défice demográfico: há mais 4711 óbitos do que nascimentos

Luís Godinho e Margarida Maneta texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovam o agravamento significativo do défice demográfico no Alentejo: há agora, anualmente, mais 4711 óbitos do que nascimentos. O Alentejo Central é a sub-região onde o problema mais se agravou.

Há cada vez menos gente a viver no Alentejo Central. E o fosso entre óbitos e nascimentos tem vindo a aumentar de forma exponencial. De acordo com os dados fornecidos pelo INE, em 2011 registaram-se na região mais 661 óbitos do que nascimentos. Em 2021 esse número passou para mais do dobro: 1393. O pior em todo o Alentejo. Todos os concelhos perdem população. Ou seja, registam aquilo que a estatística denomina como “saldo natural negativo”. É uma realidade comum a todos os concelhos, mesmo à capital de distrito e maior cidade da região. O concelho de Évora perde agora, todos os anos, cerca de 270 pessoas.

Para Carlos Pinto de Sá, presidente da Câmara de Évora, olhar para o problema apenas a partir do Alentejo Central constitui uma visão “redutora” uma vez que se trata de um problema à escala nacional, num dos países “mais envelhecidos do mundo” e onde a situação se tem vindo a agravar. “Temos um problema estrutural demográfico em Portugal que não pode ser visto apenas região a região. Naturalmente que as zonas do interior e as menos povoadas são ainda mais afetadas e é onde se encontra o Alentejo Central”.

Segundo o autarca, há “raízes económicas” que explicam o agravamento do problema. “A primeira questão”, acrescenta, “é o país não conseguir reter, em particular, os jovens e quadros que forma e que, não encontrando condições suficientes, fogem do país. Pelas mesmas razões, e se for ver as questões do casamento e natalidade e que estão ligadas ao saldo natural verificará que têm vindo a diminuir os nascimentos em Portugal e isso tem a ver também com uma razão económica. Se as pessoas não têm estabilidade, não têm rendimentos suficientes para ter uma família, se os rendimentos que recebem não são regulares, são precários, não é possível planear a vida”. 

Desta forma, os casais “têm filhos cada vez mais tarde, ou optam por não ter filhos”. E, assim, de acordo com Carlos Pinto de Sá, as causas para o agravamento do saldo demográfico na região “não são essencialmente locais, são causas nacionais que têm implicações locais e que são amplificadas porque essas implicações locais têm a ver com questões da demografia do interior, do despovoamento, de falta de investimento dos governos nestas regiões e do modelo que tem sido aplicado há décadas de litoralização do país”. 

TODOS OS MUNICÍPIOS PERDEM POPULAÇÃO

Sendo Évora o município do Alentejo Central com pior saldo demográfico natural (os -270 de 2021 comparam com -5 de 2011), o que também se explica pelo facto de ser a maior cidade, todos os restantes municípios da região estão “no vermelho”. Seguem-se Montemor-o-Novo (onde foram registados menos 209 nascimentos do que óbitos), Estremoz (-129), Mora (-107) e Vendas Novas (-102). Na zona dos mármores, Alandroal apresenta um saldo natural de -70, seguindo-se Borba (-63) e Vila Viçosa (-59). 

O presidente da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (Cimac), Luís Dias, concorda que para se entender o declínio demográfico, “não podemos focar-nos apenas” no Alentejo Central, sendo esta uma realidade “comum” aos territórios rurais.  “O declínio populacional no Alentejo Central é um resultado da dicotomia interior – litoral, que se tem acentuado ao longo do tempo com base numa contextualização histórica e numa relevância do comércio, serviços e indústria protagonizada pelos maiores centros urbanos, acrescentando-se o agravamento da situação pelo envelhecimento populacional que se verifica, não apenas no Alentejo Central mas, a uma maior escala, também na maioria do países europeus”. 

Assim, segundo o autarca, que presidente igualmente à Câmara de Vendas Novas, os números do INE explicam-se, pela litoralização e urbanização do país, por um lado, mas também “pelos constrangimentos das atuais dinâmicas demográficas, socioeconómicas e territoriais”. Ou seja, “assistimos a um envelhecimento da população e a um défice da reposição geracional, ao qual acresce a fraca oferta de emprego, o baixo empreendedorismo, os níveis críticos de infraestruturas e serviços e a consequente baixa atividade económica”.

Segundo Luís Dias, reverter a perda de capital humano, “que é o nosso bem mais precioso”, constitui o “principal desafio que as regiões enfrentarão nos próximos anos. E este desafio não se aplica apenas ao Alentejo Central, pelo que a inversão da regressão demográfica na sub-região terá de ser reflexo das políticas nacionais e europeias, concretamente da política de coesão que terá de reforçar as suas intervenções nos territórios por forma a contrariar o despovoamento, a que estamos já a assistir”. 

“A tendência de perda populacional”, prossegue, “pode ser mitigada pela valorização dos fatores diferenciadoras em relação a outras sub-regiões. O Alentejo Central tem no seu âmbito territorial um conjunto de produtos e serviços que podem servir de alavanca atrativa e fixadora para população, numa perspetiva social mas também, e principalmente, económica”. 

Para conseguir atrair e fixar jovens no interior, o autarca sublinha a necessidade de “criar condições de habitação a preços acessíveis, fomentando melhores perspetivas de emprego e rendimentos, pelo que a promoção do crescimento populacional poderá resultar de uma diferenciação positiva do interior, como já acontece em alguns apoios ou financiamentos, focada em domínios sustentáveis para a sub-região”. A que se terão de somar “vantagens competitivas em resultado de investimentos na requalificação do espaço público, melhoria ambiental, dinamização da oferta cultural, criação de infraestruturas para captação de investimento e criação de emprego, em especial do setor tecnológico, e aposta no desenvolvimento social”.

PANDEMIA “AGRAVOU” O PROBLEMA

Professora associada do Departamento de Sociologia da Universidade de Évora e ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia, atualmente a desemprenhar funções como presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, Maria Filomena Mendes explica que existem “duas razões” que explicam a existência de um saldo natural negativo em todo o Alentejo (2011 “fechou” com mais 4711 óbitos do que nascimentos).

“Uma delas é que a natalidade tem vindo a diminuir, o número de nascimentos tem vindo a diminuir e quando tem alguma recuperação, essa recuperação nunca atinge os níveis anteriores e, muitas vezes, voltamos a ter uma quebra na natalidade. Isto acontece de modo geral no país e agora com a pandemia ainda se verificou um agravar dessa diminuição da natalidade. No caso do Alentejo Central, isso vem a verificar-se ao longo das últimas décadas, em termos gerais”.

A segunda razão prende-se com o número de óbitos. “É uma razão positiva. Fomos ‘empurrando’ a morte para idades cada vez mais avançadas. E isso faz com que haja agora um maior número de óbitos exatamente porque quem, felizmente, não morreu nas idades mais jovens, vem a morrer, infelizmente, nas idades mais avançadas”. 

Ou seja, “temos, por um lado, uma redução do número de nascimentos e, por outro, o aumento do número de óbitos”. Dois fatores que “penalizam bastante” o Alentejo Central em termos de saldo natural. “Muitas vezes”, explica Maria Filomena Mendes, “um saldo natural negativo é compensado por um saldo migratório positivo. Ou seja, quando existe uma grande atratividade e fixação da população num determinado território, mesmo que em termos dos que nascem e dos que morrem o valor seja negativo”. Mas isso também não está a acontecer no Alentejo Central, ao contrário do que sucede no Baixo Alentejo e no Alentejo Litoral, regiões que “têm demonstrado uma capacidade de atração e fixação da população”. 

A capacidade para fixar imigrantes, diz, “não só aumenta a população residente mas também, porque essas pessoas constituem família e têm filhos, aumenta a natalidade desses territórios. A estes dois efeitos positivos, no aumento populacional e da natalidade, soma-se a diminuição do envelhecimento porque as pessoas que imigram fazem-no em idade jovem e acabam por diminuir, em termos proporcionais, o envelhecimento da população”.

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