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Da caldeta ao sável, aí está o Festival do Peixe do Rio, em Alandroal

É por esta altura que o peixe do rio está no ponto, com barbos de quatro e cinco quilos prontos para a tradicional caldeta, além de sável, carpas, lúcio-perca ou achigãs confecionados das mais diversas formas. No concelho de Alandroal há um festival para os promover e comer. Luís Godinho (texto)

Por esta altura, Inácio Perquilha “não tem mãos a medir”. Pescador desde criança, já o pai e o avô o eram, lembra-se bem dos tempos em que o Guadiana ainda não era Alqueva e em que muitas tardes eram passadas a pescar “à lapa”, à mão, procurando peixe debaixo das pedras, nas azenhas, lá para os lados de Juromenha ou do Rosário. “Apanhávamos barbos e carpas, era o que havia”.

Do entusiasmo pela pesca de rio nasceu-lhe a ideia de fazer disso negócio e, hoje, é um dos pescadores que abastece restaurantes, também particulares, no concelho de Alandroal. “Não dá para todo o ano, mas também há mais espécies, como o sável, a que dantes não ligávamos, ou o lúcioperca e o peixe-gato que foram metidos na albufeira”.

Por esta altura, como se disse, não tem “mãos a medir” pois a procura aumenta com a realização do Festival do Peixe do Rio, que decorre em Alandroal até ao próximo dia 3 de março. Bom, em boa verdade é pelo Festival, mas também pelo facto de, nesta altura, o barbo estar a atingir o ponto ideal de consumo. À tardinha coloca as redes, no dia seguinte, “logo de manhã cedo, ou um pouco depois, confor- me estiver o tempo”, volta à albufeira que já foi rio para recolher o que lhe calhou em sorte.

“É agora que se apanham dos bons. Choveu, o peixe não gosta da água barrenta, sobe e apanhamos mais barbos, aí com uns quatro ou cinco quilos. O maior que apanhei tinha à volta de 10”, garante Inácio Perquilha. A partir de 15 de março, lembra, “entra-se na veda”, ou seja, no período de defesa que haverá de durar até junho. E no verão o peixe “já é mais pequeno”. Está, portanto, na altura de o provar, ainda que cada vez existam menos.

“Vamos apanhando lúcioperca, carpas, peixe-gato, sável, mas barbos há cada vez menos, muito menos”, lamenta o pescador, segundo o qual uma das explicações poderá estar no surgimento e crescimento de espécies exóticas. “Poderá dever-se aos peixes novos, por alguma razão haverá menos barbos”. E o barbo, já se sabe, é por aqui o “rei” do peixe de rio, “o mais gostoso”, o que dá um sabor distintivo à popular caldeta, como aquela que Alberto Ramalho serve na taberna que tem o seu nome, um dos restaurantes de referência da região.

“Continuamos a fazê-la como sempre se fez, como é tradição, não vale a pena estar com alterações ou com invenções, vai à mesa como sempre se fez”, conta Alberto Ramalho, explicando que para o prato ficar no ponto são precisos alguns requisitos: a frescura do peixe, claro está, poejo para lhe conferir o sabor ancestral, e ovas para engrossar o caldo. O resto está na habilidade, na mão, de quem cozinha.

“As pessoas procuram muito a caldeta, mas o barbo tem uma particularidade, tem mesmo de ser acabado de pescar pois congelado perde sabor, fica meio cozido”. Por isso, na Taberna do Ramalho, quando o prato está na ementa, é certo e sabido que pelas 10 da manhã o barbo está “arranjadinho e preparado para o tacho”.

Outra das especialidades da casa, no que ao peixe do rio diz respeito, é a açorda de sável. Tanto num caso, como noutro, é importante aproveitar esta altura do ano para os provar. “Por altura do festival as casas estão sempre cheias, quem o quiser provar deve aproveitar o momento, depois poderá haver ou não, a não ser que se encomende com dois ou três dias de antecedência”, recomenda.

Foi há 23 anos que Alberto Ramalho abriu o negócio. Melhor, que abriu a casa, primeiro como adega, onde fazia vinho de talha, depois como restaurante. Entretanto deixou-se do vinho, “já não se bebe igual, nem há quem lave as talhas ou tire o mosto”, e enveredou por uma cozinha típica que “chama clientes” de todo o país: “Apostamos muito nas carnes de porco alentejano, no cozido de grão e em mais alguns pratos tradicionais, como a sopa de tomate com figos, as sopas de cação ou o ensopado de borrego. É o que as pessoas querem. Bifes comem na terra deles”.

Já no concelho de Alandroal, a aposta “diferenciadora” é mesmo o peixe do rio, mote para o Festival que tem por palco os restaurantes do concelho. “Trata-se”, diz o presidente da Câmara, “de dar continuidade” ao trabalho que tem sido feito “para promoção do peixe do rio, que o traz à mesa dos restaurantes, num evento onde também apostamos na inovação associada ao intercâmbio entre chefes convidados e locais”.

Segundo João Grilo, haverá este ano mais animação e uma maior feira de produtos locais. Ou seja, “além dos restaurantes e dos roteiros” será instalado na Praça da República um “centro de acolhimento” onde os visitantes poderão “conhecer e adquirir produtos locais” e onde irão decorrer “ações de promoção de gastronomia”. Para o autarca, este é “um trabalho de continuidade”, encontrando “formas novas de atrair pessoas” ao concelho, ainda que o “coração” do festival seja o mesmo, a promoção do peixe do rio.

“É um festival que tem servido para dinamizar um setor da nossa economia que estava esque- cido quando começámos este trabalho há quase uma década e meia. Revitalizou uma imagem de identidade gastronómica que o concelho tem e que não se esgota no peixe do rio, mas que encontra neste produto uma marca diferenciadora” relativamente a outros territórios.

“A pretexto do peixe do rio, estamos a planear criar uma Academia das Cozinhas do Rio que será um centro de acolhimento e de propagação das tradições e da inovação associadas a este produto”, acrescenta João Grilo, sublinhando que este trabalho já se consubstancia em resultados práticos, seja na produção de conservas de peixe do rio, ou na promoção turística e económica do concelho.

Do rio ou da ribeira, os peixes, “apanhados com redes, serviam de conduto para ótimas açordas de tomate temperadas com hortelã da ribeira, ou eram simplesmente fritos”, escreve Maria Antónia Goes na “Carta Gastronómica do Alentejo”, onde vêm referenciadas quatro sopas, dois caldos e quatro caldeiradas de peixe do rio. Muda o nome, as receitas têm pequenas variações, mas a caldeta de barbo, ontem como hoje, continua a ter um lugar muito especial na mesa das povoações ribeirinhas.

Para o provar, durante os dias do festival, não faltarão em restaurantes como A Chaminé, Adega do Ramalho ou A Maria, na sede de concelho, a Sentinela do Guadiana ou o Pata Larga, em Juromenha, o Tarro, na Aldeia da Venda, ou O Botas, em Terena. À caldeta juntar-se-ão outros pratos tradicionais, como açorda de sável ou barbo frito com migas de espargos. Difícil será escolher.

“A ideia é fazer com que o peixe do rio chegue a mais pessoas, envolva mais a comunidade, crie mais dinâmicas económicas, contribua mais para a economia do concelho ao longo do ano”, explica o presidente da Câmara, acrescentando que a existência do festival permite “garantir” a quem visita o concelho nessa altura que “pode haver procura adicional pois irá encontrar propostas de peixe do rio” nos diversos restaurantes aderentes à iniciativa.

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